As questões de gênero têm tomado conta da mídia e mobilizado muita gente, gerando discussões, críticas negativas e aplausos. E até os brinquedos têm entrado na discussão, o que aqui não podemos desconsiderar devido a sua importância para o desenvolvimento dos nossos pequenos. Estes vêm sendo enquadrados como próprios para meninos ou meninas há muito mais tempo, não se trata de uma questão surgida agora, embora continue atual. Mas, afinal, brinquedos têm gênero,são coisas de menino ou de menina?
Se observarmos crianças na primeira infância brincando, veremos que elas não consideram se o brinquedo é “o certo” ou “o errado”. Elas brincam de tudo, o que define sua escolha é a curiosidade e o prazer, seja brincar de casinha com as panelinhas no fogão, de boneca, de médico, de vendedor, de motorista, de lutar espadas, de jogar bola, e tantas outras brincadeiras. Os brinquedos são simples objetos que ganham significados, movimentos e histórias que vão se construindo de acordo com a fantasia que vai recontando a vida.
O importante é que as crianças possam vivenciar o mundo e que não se criem fronteiras entre o masculino e o feminino nas brincadeiras. Para os pequenos isso não faz qualquer diferença, a não ser quando já aprenderam com os adultos que afirmam: “Boneca é para meninas. Meninos jogam bola e brincam com carrinhos”. Crianças não são preconceituosas, elas aprendem a sê-lo com os adultos que são seus grandes modelos e que lhes transmitem seus próprios estereótipos. Isso não acontece apenas com os brinquedos, mas também com as questões raciais, religiosas, e com demais aspectos da diversidade humana.
Categorizar brinquedos como de meninos ou de meninas é uma construção social que parte dos adultos em uma sociedade que delimitava (e ainda tenta delimitar) rigidamente as tarefas, cabendo às mulheres os cuidados da casa e dos filhos, e ao homem trabalhar e prover o sustento da família. Uma construção de adultos que aprenderam isso com seus pais, assim como estes também aprenderam com os seus anteriormente. O mundo vem mudando, mas alguns conceitos persistem, na verdade, preconceitos.
Muitos pais têm medo de que os filhos, mais à frente, sigam outra orientação sexual que não o sexo biológico. Lembro-me muito bem quando um de meus filhos, que tinha uns cinco anos na época, chegou à sala com a boneca da prima no colo e o avô criou um verdadeiro alvoroço e me disse: “Olha o que você está deixando este menino fazer!” Custei um pouco a entender a que, exatamente, ele se referia e foi difícil fazê-lo aceitar (e acho que não se convenceu) que brincar com a boneca não tinha o menor problema e que, provavelmente, no futuro, ele seria pai e que acalentar seus bebês e cuidar deles seria muito positivo para ele e sua família.
Os brinquedos não orientam a sexualidade da criança. Quando a criança se interessa por brinquedos com os quais não costuma ter contato, ela está apenas descobrindo algo novo, explorando o que a cerca, o que faz parte do seu desenvolvimento natural. Como analisamos em uma de nossas postagens anteriores, as brincadeiras de faz de conta são essenciais para os pequenos, pois lhes permitem experimentar diferentes papéis e entender melhor o mundo a sua volta e a si mesmos. Podem ser pai, filho, professora, médica, bruxa, príncipe, monstro, super-herói, aviador, motorista, entre outros. Através da brincadeira, eles trabalham, ainda, questões emocionais de forma lúdica como o medo de ir ao dentista, a briga com a mãe, a bronca da professora. Enfim, temores, dúvidas e angústias podem ser olhados sob um novo ângulo, sem “riscos”, permitindo-lhes compreendê-los e “metabolizá- los”. Podemos afirmar que a fantasia é uma forma ímpar de trabalhar as emoções e a criatividade.
Os valores culturais definem nosso comportamento. A escolha de brinquedos, assim como de cores (azul para meninos e rosa para meninas), profissões, modos de se comportar e, até mesmo de sentir, passam por questões culturais. A famosa frase “Homem não chora” é um bom exemplo do sentimento controlado por esses valores. Meninos choram sim e homens também. Pior é quando não conseguem expressar a dor, a frustração, a angústia e as engolem, causando um grande mal a si mesmos. Para termos clareza de como estas normas estão presentes no cotidiano, basta observar o caso das mulheres do Afeganistão e do Paquistão que são obrigadas a se esconder sob burcas ou dos homens tupis que se recolhem à rede para o resguardo após o parto de suas mulheres. Até o início do século passado, mulheres não votavam e nem iam muito longe nos estudos, se preparavam para casar. É muito interessante perceber as características de momentos históricos diversos e de culturas diferentes. Os processos de mudança são sempre lentos e, invariavelmente, sofrem pressões de um lado e exigem resistência do outro.
É importante não perder de vista que valores de gênero estereotipados podem ser danosos ao desenvolvimento infantil durante a formação da personalidade da criança. Cabe aos pais e professores orientar nossas crianças sem sombra de dúvida, mas isso não significa podar-lhes experiências e escolhas significativas para o desenvolvimento de sua autonomia. Meninos e meninas criados com tratamentos diferentes acabam por gerar um aprisionamento a papéis que “deverão” assumir, impedindo que se abram para uma visão que novos tempos nos trazem. Quantos pais dividem com as mães a tarefa de trabalhar fora de casa e de cuidar diretamente da educação das crianças? É justo que somente mulheres desenvolvam tarefas domésticas? Quantos rapazes vivem em repúblicas estudantis e fazem seu próprio almoço e lavam suas roupas? Diante de uma nova configuração social em que os papéis de homens e mulheres se redefinem, mais ainda se torna importante que todas as crianças brinquem de casinha e de cientista, de astronauta e de construtor entre outras opções. Assim, brincando, elas se preparam para uma vida adulta mais saudável, desconsiderando preconceitos e construindo possibilidade de relações mais equilibradas.
Meninos e meninas que compartilham suas brincadeiras abrem espaço para o aprendizado de habilidades significativas e necessárias como a solidariedade, o cuidado, a generosidade, a amizade, a organização, a empatia entre muitas outras. Vale enfatizar que tais habilidades podem tornar o mundo melhor sem tanta competitividade e egoísmo; podem gerar uma aprendizagem com o outro. Poder escolher como brincar é aprender a fazer escolhas de vida, de não se prender a ideias limitantes, de poder ter experiências diferentes. É estar aberto a outras possibilidades, não se atendo a ocupar espaços predeterminados.
As fotos foram retiradas da web.
Suas sugestões, perguntas e comentários são muito bem vindos, deixe-os no espaço abaixo.
Grande abraço e até a próxima.