…Lidando com as tensões de cada dia.
Estará a criança imune a tanta tensão, correria, insegurança, medo e ansiedade que atingem os adultos nos tempos em que vivemos? Claro que não! Diria até que ela é bastante sensível ao que a cerca. Ela pode estar aparentemente desligada do que ocorre a sua volta quando brinca no chão da sala ou está no banco de trás do carro, mas ouve, sente e capta (não sabemos exatamente de que forma e com que intensidade) as vozes tensas que vêm da TV ou do rádio, comentários angustiados da família, a irritação, o susto, a indignação, a revolta e outras tantas emoções que nos invadem cotidianamente. Todos têm pressa, há muitas urgências, muitos sentimentos novos se mostram à criança, mas ainda não são definidos nem compreendidos por ela, que sequer aprendeu a lhes dar nomes. Lembro-me sempre de uma menininha que vendo o pai muito zangado com uma perda em seu salário, segurou minha mão e perguntou: Ele está zangado comigo, tia? O que foi que eu fiz?
Não vou descrever problemas, todos nós sabemos bem da sua existência. Prefiro apresentar alguns recursos para lidar com os sentimentos “estranhos” e tensões que invadem as crianças em decorrência de situações não tão próximas, mas também de outras que ela pode estar vivenciando em casa ou na escola como a chegada de um novo irmãozinho “que veio roubar a atenção da família”, a separação dos pais, a perda de um ente querido, a troca de escola ou de professora, o afastamento de um amiguinho mais próximo, entre tantas outras possibilidades que geram insegurança e com as quais ela não sabe ainda como lidar. E o primeiro passo é considerar que crianças são afetadas pelo seu entorno e também sentem ansiedade, logo é importante poupá-las daquilo que não lhes cabe ainda assumir.
Em meu livro Bioexpressão – Corpo, movimento e ludicidade. Unindo fios, tecendo relações e propondo possibilidades, analiso a importância de saber lidar com as tensões que fazem parte da vida de todos nós, e, aqui, reproduzirei alguns trechos que acredito poderem ajudar os educadores, sejam professores ou responsáveis pela criança, pois, afinal, dificuldades fazem parte da vida, independe da idade que tenhamos, sejamos alunos, pais ou professores, e, por isso mesmo, é importante aprender a lidar com elas e a evitar ou minimizar seus efeitos sobre nosso corpo e desenvolver nossa resiliência (disso falaremos mais adiante).
Aprender a relaxar é o primeiro passo, e são muitas as formas de liberar tensões, inclusive na sala de aula. A primeira delas, que vem “saindo de moda” em algumas escolas, infelizmente, é a rodinha de conversa que pode trazer à tona muitas questões que estão angustiando a criança, lhes dando a chance de expressá-las. Questões estas que, muitas vezes, não consegue ainda entender. Uma versão familiar seria um tempo-espaço para conversar com a criança que reunisse os seus membros, ou um momento no parque, ou após contar uma história, ou fazer desenhos. Cada um encontrará uma forma mais adequada de promovê-lo.
Um fator muito importante para facilitar o relaxamento é a respiração e atividades de percepção corporal. A simples observação de como ocorre a respiração, concentrando-se a atenção totalmente nesse processo, no ar que entra e no ar que sai, sem nele interferir, permite um desligamento do mundo exterior, acalmando o corpo e, consequentemente, a própria respiração (e isso vale para nós, adultos!!!). Um ato que deve sempre ser exercitado na hora de dormir, e que pode ser feito através de imagens. Por exemplo: quando inspiro, meu corpo vai ficando brilhante e, quando expiro, tudo que não gosto vai ficando bem distante. Mas vamos, primeiro, entender a importância de saber respirar.
A essa altura, pode ser que você pense: “se não soubesse respirar não estaria mais vivo, todo mundo já nasce sabendo”. A segunda etapa do pensamento está absolutamente correta – todos nascemos sabendo respirar. O problema é que desaprendemos e, por isso, não vivemos tão bem como poderíamos. Não estamos tão vivos quanto possível se considerarmos que vitalidade é energia, e que respirar mal diminui nosso nível energético. Também é absolutamente correto dizer que não vivemos sem respirar, no entanto, como outras circunstâncias fundamentais para a vida, a respiração não é muito considerada. E é por aqui que vou começar, afinal, é assim que se inicia a vida, com aquele choro tão esperado no nascimento, quando a criança respira sozinha.
Nosso primeiro contato com o mundo exterior se dá através da respiração. Sem ar não há vida. Pode-se viver dias sem água e meses sem comida, mas apenas poucos minutos sem ar. Apesar da importância da respiração natural para o bom funcionamento do nosso metabolismo, dificilmente respiramos bem, apresentando a tendência de segurar o fôlego e de respirar superficialmente. A respiração profunda é essencial para o equilíbrio orgânico, emocional e mental, no entanto, as tensões nos condicionam a uma respiração superficial.
A respiração curta é um mecanismo de defesa adquirido na primeira infância. Prendendo a respiração, as crianças encontram uma forma de lutar contra os estados de angústia que sentem no alto abdômen. As sensações agradáveis abdominais ou genitais que lhes causam medo também são reprimidas da mesma forma. Este mecanismo é típico e universal e se mantém na idade adulta.
Conscientizar-se do movimento respiratório é conscientizar-se de si mesmo, é permitir que a energização do organismo se estabeleça de forma mais equilibrada. Se a respiração é reduzida, superficial, absorve-se menos oxigênio, tem-se menos energia. Conter a respiração, o que fazemos instintivamente, parece ser uma proteção, mas, ao fazer isso, nos tornamos ainda mais indefesos, mais vulneráveis. A respiração profunda exerce um efeito bastante positivo em situações de ansiedade que se manifestam comumente em crianças e adolescentes diante de provas ou de situações novas como mudanças de escola, de professores ou de grupo. Existe uma íntima relação entre oxigênio, ansiedade e excitação. Assim, quanto mais excitamento é sentido, mais oxigênio é necessário para sustentá-lo. Respirar profundamente é uma forma de expulsar a ansiedade e permitir que as emoções excitantes e prazerosas surjam através de nosso corpo, e nos proporcionem a sensação de poder e sustentação que necessitamos nessas ocasiões.
Algumas atividades bastante simples podem ser usadas para trabalhar a respiração da criança. É conveniente que a inspiração se faça sempre pelo nariz (sem forçar) e o ar seja expirado pela boca. Iniciar sempre expirando.
A) Encher os pulmões (sem forçar) e soltar o ar enchendo balões (bexigas) até que o pulmão pareça estar bem vazio. Repetir algumas vezes até que o balão esteja cheio. Podemos brincar com os balões cheios ao final, amarrando o bico; deixar que voem, enquanto o ar sai; ou brincar com o barulho, puxando o bico do balão para os lados. Acho que todos nós já fizemos isso, não é??
B) Usar uma pluma como mostra a imagem acima, inspirando suavemente e soltando o ar soprando de forma a movê-la.
C) Imaginar-se um boneco inflável que fica cheio e grande e soltar o ar, deixando que o boneco murche até ficar bem vazio (imagens abaixo).
D) Ainda com pluminhas menores, aquelas peninhas coloridas e bem leves, inspirar e expirar soprando de forma que as peninhas possam voar, acompanhando com os olhos o seu movimento.
Com certeza, a sua criatividade lhe dará novas ideias para criar novas imagens.
Hoje, ficamos por aqui, continuaremos a pensar possibilidades de relaxamento no nosso próximo encontro, assim como pensar como lidar com as emoções infantis.
As fotos desta semana são do Doutorado de minha co-orientanda Jaqueline Madeira, na Universidad de Oviedo, Espanha, que trabalhou com a Bioexpressão para crianças.