Ludicidade, arte e resiliência: de mãos dadas na pandemia

 

Este momento de pandemia e distanciamento social nos traz muitos desafios, e a criança não está imune a eles, muito pelo contrário. Irritabilidade, sono irregular, agitação são algumas das alterações facilmente observadas. A vida fechada num apartamento e sem o contato com avós, tios, primos ou amiguinhos da escola pode se transformar em viver dentro de uma panela de pressão, especialmente se aqueles que convivem com a criança são vítimas de mudanças de humor, de inseguranças, medos, ansiedade, o que, como observava Henri Wallon, um dos grandes estudiosos da infância, facilmente contagia os pequenos. Nesta crise vivida em que muitas podem ser as dificuldades – materiais, emocionais e físicas até pela falta do movimento e de uma vida mais regular – se torna necessário estimular nossa capacidade resiliente.

A resiliência é a capacidade de lidar com dificuldades sem se deixar arrastar por elas, sem desmoronar ou se afetar a ponto de perder o controle. Como seres humanos vulneráveis que somos, os problemas nos abalam sim, mas a capacidade resiliente, tão importante em meio a crises, nos permite como diz a letra da canção “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”.

Cabe enfatizar que a resiliência não é inata, não nascemos ou não resilientes, embora a vivência de cada um possa gerar maior ou menor estrutura resiliente, estando vinculada ao desenvolvimento e crescimento humanos. Outro ponto importante e muito positivo é o fato de ser uma capacidade que pode ser trabalhada, tanto individualmente quanto em grupo, o que significa que a família e a escola podem ser espaços propícios para isso. Mas como, vocês podem me perguntar, se estamos sem aulas presenciais? Falaremos disso já, já.

O celular ou o notebook podem propiciar o contato das crianças com os avós, tios, primos e amiguinhos através de vídeos. Esta é uma forma de manter vínculos importantes para a criança. (Foto de Andrea Piacquadio -Pexels)

A primeira questão fundamental a se levar em conta (o que as pesquisas que desenvolvi ao longo de alguns anos me ajudaram a confirmar) é que a resiliência se relaciona com a corporeidade, que envolve pensamentos, sentimentos e ações (atitudes/comportamentos) e as relações estabelecidas com o outro e com o meio ambiente. Não foi à toa que quando iniciei este blog em 2016, o primeiro tema escolhido foi corporeidade, isto é, uma visão integrada do ser humano, temática a que sempre retorno pela sua importância e relação com vários aspectos do desenvolvimento infantil. O distanciamento do ser humano de sua corporeidade explica algumas dificuldades em lidar com os problemas que surgem no dia a dia, gerando muita ansiedade e angústia pela dificuldade de a pessoa entender as próprias emoções, de lidar com elas e de expressá-las.

José Tavares, estudioso de educação e resiliência, considera que todos nós deveríamos possuir características resilientes tais como vínculos afetivos, flexibilidade, empatia, criatividade, inteligência, autonomia, liberdade, autenticidade, autoconfiança, sendo capazes de enfrentar situações adversas mantendo nosso equilíbrio. Entretanto, o ritmo de vida acelerado e competitivo de nossos dias faz com que as pessoas não se percebam, vivam ligadas no piloto automático e em permanente estresse, o que se intensificou muito com a Covid 19. E, não tenham dúvida de que crianças também se estressam e muitos sintomas daí decorrem. Afinal, elas são extremamente sensíveis ao que as cerca. Assim, as características apontadas por Tavares como “naturalmente resilientes” vão se perdendo, ou mesmo, sendo abafadas. E nesta fase, com a pandemia que vivemos, isso pode se agravar e muito. A flexibilidade dá lugar à rigidez, a autenticidade e a criatividade abrem espaço ao senso comum e à repetição, e a autoestima e autoconfiança vão se perdendo.

Então, como podemos instigar a criança a ter maior contato consigo mesma e ter essas características estimuladas? Como podemos contribuir objetivamente para desenvolver sua capacidade resiliente?

Manter vínculos afetivos é fundamental para estimular a capacidade resiliente, inclusive aqueles que possibilitam o toque carinhoso e o abraço. (foto de Elly Farrytale – Pexels)

Vamos considerar, aqui, aspectos que podem ser facilmente compreendidos e vivenciados por pais e professores. O primeiro a considerar são os vínculos afetivos. O ser humano é um ser social, por isso necessita do contato com o outro para a sua formação como indivíduo. Sentir-se amada e protegida traz segurança para a criança, e isso inclui o estabelecimento de regras e limites e não apenas fazer o que ela deseja. A convivência com os avós, a família e os amiguinhos deve ser sempre estimulada. Neste momento, contatos através de vídeos ou até por telefone são muito importantes.

Embora não tenhamos ainda aulas presenciais, as aulas remotas devem criar possibilidades para que a criança manifeste seus sentimentos o que pode ocorrer pela expressão oral ou através de desenhos, histórias em que se podem trabalhar emoções, criação de personagens e músicas com movimentos. A presença da professora e dos coleguinhas, embora à distância, certamente será fundamental para a criança.

O segundo ponto importante são as brincadeiras, o prazer e a alegria. Alguns autores consideram que o humor (o bom humor, é claro!) é um dos pilares da resiliência. Acredito que nosso povo passe por tantas sem desmoronar por seu senso de humor tão aguçado. Assim, pais ou professores, possibilitem situações em que haja espaço para o riso, a leveza, a alegria. Deixe que as crianças rolem no chão e se movimentem de acordo com as possibilidades; deixe que se sujem na areia, que tenham contato com as plantas, com a água, com o sol e com espaços abertos, se houver esta possibilidade. O ato motor está relacionado não só ao mundo físico, mas também à afetividade e à cognição, não é simplesmente o deslocamento no espaço físico, ele é repleto de expressividade, reflete muito do que sentimos e pensamos.

As brincadeiras de faz de conta não podem ficar de fora, são uma oportunidade ímpar para as crianças trabalharem suas emoções, processarem suas tristezas, aquilo que ainda não conseguem entender bem. A criança, através deste tipo de brincadeira, pode transferir para os personagens que cria suas ansiedades, angústias, desencantos e dúvidas e olhar para eles de outra maneira. Panos coloridos e caixas de vários tamanhos forradas podem se transformar naquilo que se desejar: de bercinho de boneca a carro de corrida, e (quem sabe?) em um barco, uma tenda, ou um tambor. Tais atividades trabalham a autoexpressão, criatividade, flexibilidade, empatia, liberdade, espontaneidade e autonomia, características resilientes.

O terceiro ponto são as atividades artísticas, formas incríveis estimular autoexpressão, criatividade e todos os outros aspectos citados por Tavares. As atividades de artes na educação infantil devem proporcionar momentos prazerosos, que provoquem na criança o desejo da descoberta, a flexibilidade manual, a destreza, a criatividade, a produção e a reflexão, nas quais podem ser explorados diversos materiais. Não são recomendáveis o colorido de figuras xerocadas ou a cópia de modelos, uma vez que podam a expressão pessoal. Se a criança quiser desenhar um super-herói, estimule-a a criar a situação em que ele se encontra ou a fazer o seu próprio desenho. Geralmente, elas adoram livros de colorir e não há problema em usá-los se desejam. Mas não deixe de estimular um espaço de autonomia e criatividade. Deixe que dancem, que representem personagens dos livros infantis ou que criarem.

Ler, criar personagens, dramatizá-los o que pode ser orientado pelos pais ou professores mesmo que online, é essencial para trabalhar a sensibilidade das crianças. (Foto de Cottombro – Pexels)

Brincadeiras e jogos, pintura e colagem, cantigas, jogos musicais e teatrais, contação de histórias, dança e muito mais são atividades lúdicas e permitem que a corporeidade da criança seja trabalhada.

Quanto mais trabalharmos a relação com nossa corporeidade, compreendendo a indissociabilidade das dimensões humanas – motora, cognitiva, afetiva, espiritual e social, mais chances teremos de desenvolver nossa capacidade resiliente. Raiva, tristeza e frustrações fazem parte da vida do ser humano, e poder reconhecê-las e expressá-las de forma adequada pode contribuir para buscarmos melhores maneiras de enfrentar os problemas de forma mais equilibrada, com mais flexibilidade.

As boas experiências vividas com regularidade na infância deixam marcas indeléveis que ficam registradas no corpo e no eu mais profundo, e que estarão disponíveis quando o sofrimento bater à sua porta. Essa forma de nutrição da alma permite que novas forças sejam acessadas quando se fizerem necessárias.

Uma criança que tem uma infância feliz, que teve (tem) o apoio de quem cuida dela, seja pai, mãe ou outro responsável, que se sabe amada e respeitada terá chances maiores de se tornar um adulto mais equilibrado, mais feliz e mais resiliente.

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

Resiliência: aprendizagem necessária

A palavra resiliência nem sempre, ao ser usada, se mostra compatível ao conceito que representa ou à sua complexidade, o que acontece, com frequência, com assuntos que são mais comentados ou que “estão na moda”. Modismos à parte, é muito importante que, da infância à idade mais avançada, nossa capacidade resiliente seja estimulada. Minha intenção é falar um pouco sobre isso de modo a contribuir, especialmente, com professores, pais e todos aqueles que estão envolvidos com crianças, uma vez que desenvolver a resiliência significa criar possibilidades de uma vida com mais qualidade, equilíbrio e flexibilidade.

Resiliência é um conceito que veio das ciências físicas, referindo-se à capacidade de materiais voltarem à sua forma original quando cessa a pressão exercida sobre eles. Podemos visualizar essa ideia facilmente se pensarmos em um elástico que volta ao seu tamanho quando deixa de ser puxado ou em uma esponja que, se apertada, muda de aparência, mas quando a pressão da mão deixa de existir, ela retorna ao seu aspecto inicial.

Transferindo este conceito para as ciências humanas e sociais, a resiliência se expressa na capacidade de um indivíduo ou de um grupo enfrentar as adversidades de forma a superá-las. Isso não significa ser invulnerável, ou seja, passar pelo problema sem ser afetado, e sim de ser capaz de encontrar respostas positivas para as situações, mesmo com a existência de dor, angústia e de conflitos. Significa poder continuar a viver de forma participativa e produtiva; ser capaz de se reconstruir, de se comprometer com a vida, sem “entregar os pontos”. Ser capaz de “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima” como apregoa uma conhecida canção popular.

A resiliência tem se mostrado muito importante nos estudos, nas teorias e pesquisas sobre desenvolvimento infantil e saúde mental, se mostra também como um novo caminho a ser percorrido na busca de crescimento pessoal e de integração social.

Cada pessoa tem sua forma própria de lidar com as dificuldades. Algumas “desmoronam” por muito pouco, outras “balançam”, mas conseguem se refazer; há ainda as que se desesperam ou se revoltam e, desnorteadas, não conseguem encontrar saídas. O importante é saber que a capacidade resiliente pode ser desenvolvida, que não é algo inato, isto é, não é algo com que já nascemos; que há momentos em que podemos estar mais fragilizados que em outros.

Estudiosos afirmam que quando o indivíduo consegue resistir a situações potencialmente desfavoráveis, ele pode neutralizar ou diminuir suas consequências negativas, inclusive vindo tais adversidades a contribuir para sua flexibilidade e o seu amadurecimento, aumentando sua capacidade resiliente.

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A brincadeira, a alegria e o apoio afetivo ajudam a criança a passar por momentos difíceis.

As crianças iniciam suas experiências em família e esta tem um papel fundamental de lhe trazer segurança, afeto e limites. Um ambiente familiar que proporcione tais aspectos à criança, facilita muito um contexto saudável e de apoio ao seu crescimento. Ao entrar na escola, surgem os amiguinhos, a linguagem se expande, as relações sociais na mesma faixa etária se ampliam. Os novos vínculos criados no ambiente escolar aumentam os fatores de resiliência na criança.

Cabe aos pais (ou responsáveis) estimular os processos de adaptação e de interação dos pequenos para melhorar o convívio com parentes, vizinhos, coleguinhas, professores e demais pessoas que participam da vida da criança. Daí, também, a importância de não se fazerem críticas na sua frente à escola, ao professor, etc para que aprendam a respeitá-los.

Quais as características do ser resiliente?

José Tavares, estudioso de resiliência e educação, aponta cinco características que considero fundamentais para serem trabalhadas desde a primeira infância: autoestima, criatividade, autonomia, flexibilidade e vínculos afetivos. A autoestima positiva permite a autoaceitação e o respeito a si mesmo e ao outro, ajuda a aceitar críticas e saber usá-las em favor próprio. A criatividade permite buscar formas diferenciadas de resolver ou fazer algo, de solucionar um problema, de encontrar um meio de expressar alguma coisa. Ter autonomia é ser capaz de buscar as próprias soluções considerando regras, valores, a perspectiva pessoal e a do outro. É ter competência para atuar no seu mundo. A flexibilidade é a capacidade que permite produzir mudanças no modo de agir ou reagir de acordo com o momento, buscar respostas alternativas para solucionar problemas, elaborar respostas mais adequadas para uma situação. Em sentido mais amplo, é poder se adaptar a novas circunstâncias, superar dificuldades ou obstáculos.

Os vínculos afetivos são um ponto crucial para o fortalecimento da capacidade resiliente, merecendo algumas observações. As relações familiares são os primeiros vínculos estabelecidos e que, hoje, assumem formas diferenciadas de constituição. A organização pai, mãe e filhos já não é necessariamente a apresentação mais comum. Podemos ter pai ou mãe com seus filhos, casais homossexuais em que há duas mães ou dois pais, famílias de novos casamentos que, ainda, podem unir filhos de casamentos diferentes, crianças criadas por avós, enfim, um grande mosaico de possibilidades. Outro ponto importante a considerar é que, atualmente, de modo geral, ambos os cônjuges precisam trabalhar, ficando a criança mais tempo sem a sua companhia. E são muitos os desdobramentos destas, muitas vezes, complicadas organizações.

Vínculos afetivos trazem segurança, aspecto essencial para o desenvolvimento saudável

Nesse contexto, é muito importante que a criança se sinta acolhida, amada, que tenha regras e autoridade dos responsáveis bem estabelecidas, limites claros no contexto familiar e uma rotina instituída. Estes pontos são fundamentais para que se sinta segura e saiba não só de seus direitos, mas também de seus deveres. Que não seja o reizinho ou a princesinha da casa que dita todas as leis, a criança que ganha tudo o que quer porque os pais se sentem culpados de não terem tempo ou energia suficiente para estabelecerem os limites necessários. Estas posturas não são provas de amor, nem estabelecem os vínculos necessários que gerem segurança, respeito e confiança. Estas posturas infantis se refletirão nas suas relações, tendendo a gerar muitos conflitos na escola e na sociedade.

Se a criança se habitua a respeitar regras em casa, a ter limites estabelecidos, ficará muito mais fácil atender às regras e limites necessários na escola e na sociedade, o que temos visto não ser muito fácil para algumas crianças e adolescentes.

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Liberdade protegida é uma forma de cuidar e estimular a autonomia

A aprendizagem do respeito aos limites e ao outro começa sempre com a própria vivência do ser respeitado quando se é criança, de esta criança ter seus limites físicos ou emocionais também considerados; e da compreensão de que as regras são construídas para uma melhor convivência, e não impostas aleatoriamente. Ou seja, instituir regras é tão importante quanto a forma de fazê-lo, estabelecendo e discutindo em conjunto tais regras.

Quem tem filhos sabe o quanto os auxiliares são importantes em determinadas situações, sejam eles pessoas que trabalham para a família ou amigos, vizinhos e parentes que nos tiram de situações difíceis e que podem trazer nossos filhos da escola, acolhê-los numa emergência ou, até mesmo, levá-los ao médico ou à festa do coleguinha. Entretanto, cabe aos pais manter o comando e os cuidados da educação de seus filhos, estabelecer regras e limites, mostrar de forma clara o que pode ou não ser feito, o que é uma forma de amor. Assim como acolher, ouvir, dialogar, compreender, acarinhar também o é.

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Contar histórias: uma forma de dar atenção, carinho e aprendizagem

O amor é um vínculo poderoso e acredito que seja fundamental para que possamos sair das situações difíceis com mais inteireza e maior facilidade. Ter apoio da família torna tudo mais fácil para a criança. Da mesma forma que poder contar com laços de amorosidade amiga e confiança ajuda também a nós, adultos, a superar muitas crises.

No próximo artigo, continuaremos este assunto, pensando possibilidades de estimular nossa capacidade resiliente através da arte. Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço logo abaixo. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos são de meu arquivo pessoal

Resiliência e Bioexpressão: alguns arremates

Nos dois textos anteriores, trouxemos algumas definições e analisamos possibilidades de estimular nossa capacidade resiliente que desejo tenham podido ajudá-los a se sentir mais confortáveis em sua primeira casa – o seu corpo. A proposta deste texto é sintetizar o que vimos de forma a realçar os aspectos mais significativos dos dois artigos, complementando pontos citados.

A resiliência pode ser definida como a capacidade de passar por dificuldades e superá-las, mesmo que sejamos afetados por elas, pois não somos invulneráveis. Cada indivíduo tem sua própria maneira de lidar com as adversidades, assim, uma mesma causa estressora pode ser vivenciada de forma diferente por diferentes pessoas. Como vimos antes, a resiliência não é inata e pode ser desenvolvida em circunstâncias específicas. Também não é um atributo que se mantenha inalterável, pode se modificar dependendo das situações, tanto do nosso meio ambiente quanto do nosso mundo interno.

No decorrer da vida, uma pessoa pode se deparar com inúmeras situações que trazem uma forte carga de tensão que aumenta a probabilidade de vivenciar problemas físicos, emocionais e sociais. Desemprego, morte de um ser querido, separação, acidentes, doenças na família, e até outros menos traumáticos podem nos desestabilizar bastante, como lidar com problemas no ambiente de trabalho, a conhecida síndrome do ninho vazio com a saída dos filhos de casa, a aposentadoria, afastamento de um amigo próximo, dificuldades financeiras entre tantas outras circunstâncias das quais não temos como fugir. Se temos suporte emocional através da família, dos amigos, da nossa relação com a espiritualidade, lidar com os problemas pode se tornar mais fácil. E também podemos nos beneficiar de formas de cuidar de nós que possam nos fortalecer e equilibrar. Antes de relembrar e ampliar um pouco a listinha dessas formas de proteção aos riscos que todos nós corremos, quero trazer para vocês um conceito que trará maior compreensão de como agem essas formas de proteção: o de autorregulação. Apresento-a de maneira bem simplificada, apesar da sua complexidade, para que possam compreender um pouco mais a sabedoria de nosso organismo.

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Movimento livre expressivo

Autorregulação é um elemento central na teoria reicheana, base da Bioexpressão. É ela que permite a circulação energética no organismo e cria mecanismos de resposta às tensões do ambiente, modificando aspectos corporais e se adaptando às necessidades que surgem, atuando como forma de proteção. Entretanto, se esta circulação energética apresenta bloqueios (daí as sugestões dadas nos textos anteriores), as funções vitais sofrem alterações, havendo redução dessa capacidade autorreguladora. Para Wilhelm Reich, a autorregulação supõe a existência de uma espécie de competência espontânea, visceral, uma capacidade do próprio organismo, o que significa que um organismo saudável é um sistema regulado em si mesmo. Mais que permitir a volta ao estado de equilíbrio, a autorregulação permite um impulso para a mudança.

Autorregulação se relaciona à possibilidade de agirmos com autonomia e criatividade, respondendo adequadamente ao que a vida nos exige, gerando transformações. Isso, muitas vezes, pode significar não agir, esperar, se dar cuidado e atenção. Entretanto, não raro, estamos tão tensos, tão afastados de nós mesmos, de nossa corporeidade, tão paralisados pelo medo, pela insegurança, sem a percepção clara do que é realmente importante para nós, tão presos às exigências sociais e profissionais, tão embaralhados com os problemas, que essa capacidade de autorregulação de nosso organismo se perde. Não conseguimos ouvir que nosso corpo grita por socorro, que nossas emoções se chocam e não lhe damos atenção.

esticar-a-cordaEm textos anteriores, me reportei às dificuldades de respiração profunda, de relaxamento e de expressão das emoções; do mau uso do nosso corpo que gera tensões musculares, dificuldades espaço-temporais, desconhecimento de nós, dos sentidos mal trabalhados, da cenestesia embotada. Estas são também causas de nossa autorregulação não funcionar tão bem, pois este mau uso de si gera má distribuição do nosso fluxo energético. Imagine uma corda muito esticada, que sofre uma pressão maior do que pode suportar. O que acontece? Isso mesmo: arrebenta! Não é à toa que, muitas vezes, acabamos por adoecer.

Vale ainda relembrar o que José Tavares, estudioso da resiliência, apresenta como características resilientes: vínculos afetivos, autoestima positiva, flexibilidade, criatividade e autonomia. Outra característica que acredito ser fundamental e que é considerada por alguns estudiosos como um grande pilar da resiliência é o humor. Este tem múltiplas formas de se apresentar, mas sempre se mostra como um modo criativo e crítico de confrontar a adversidade. Volto a afirmar que acredito que o brasileiro é tão resiliente por ser capaz de fazer graça tanto a partir das coisas mais banais quanto das mais graves que afetam o país inteiro. Tirando as grosserias e o mau gosto, o humor  permite expressar o que incomoda com mais leveza, pode provocar boas risadas e, como diz o povo, “desopilar o fígado”. E a alegria é um excelente tônico para nos fortalecer. Humor e resiliência

Então, vamos relembrar as atividades que podem nos ajudar a lidar com as dificuldades, expandindo nosso fluxo de energia vital, ou seja, nossa vitalidade, trazendo-nos maior equilíbrio e bem-estar, além de estimular as características resilientes:

Respiração profunda consciente e meditação;

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Dança em espiral, variação da dança circular

Atividades artesanais, yoga, tai chi chuan ou danças circulares, entre outras, enfim atividades de cunho terapêutico e que são formas de meditação em movimento, pois nossa atenção está plenamente voltada para elas quando as executamos;

Massagens que podem ser realizadas por profissionais ou entre pessoas que tenham empatia e desejo de se cuidar e cuidar do outro;

Movimentos livres que permitam a entrega do corpo ao som de músicas que nos fazem bem e que convidam nosso corpo à expressão e muitas outras que estimulam nossa corporeidade.

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Massagem em duplas em um encontro de Bioexpressão

A música merece uma nota especial, pois ela favorece o desligamento dos ruídos externos, dos “barulhos mentais”. Anima o corpo em movimento, ajuda a eliminar zonas de resistência e leva o corpo a distender-se de forma mais instintiva, emocional. A música induz o corpo a abandonar a inércia, ajudando a superação de temores.

Nosso organismo é profundamente afetado pela música, que provoca mudanças biológicas como alterações nos batimentos cardíacos e na respiração; diminui a fadiga muscular, amplia o trabalho metabólico, a sensibilidade, facilitando o acesso a outras formas de estímulo e percepção. O sistema auditivo está diretamente conectado com o sentido do equilíbrio e da direção, do qual depende o controle dos movimentos.

Procure passar um tempo, sempre que possível, com pessoas de alto astral, alegres, de bem com a vida. Principalmente se já estiver para baixo, evite aqueles que adoram falar de doenças, que vivem de mau humor, que sempre têm um comentário azedo. E fale apenas de seus problemas com quem possa lhe dar apoio e/ou um retorno nutritivo.

As sugestões que apresento foram vividas por mim e por muitos participantes dos encontros de Bioexpressão, trazendo respostas positivas. Passamos a ter maior percepção de nós e do nosso entorno, nos dando a oportunidade de refletir e criar possibilidades para enfrentar os desafios aos quais somos expostos ao longo da vida e de investir em nosso processo de desenvolvimento da capacidade resiliente, o que contribui para uma melhora da qualidade de vida tanto pessoal quanto profissional.13770290_10204920654056500_2867686598932824908_n

Mas para que isso aconteça de fato, é importante fazer uma pausa, desligar o piloto automático, prestar atenção a você, se entregar ao vivido, ser tocado por ele, sentir seu corpo, ouvir suas emoções, deixar-se expressar, ter paciência e carinho com você, respeitar suas dificuldades (comece pelo mais fácil), persistir e se dar conta de que você pode ter um belo encontro com você mesmo(a) e que isso é muito bom e revigorante.

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos utilizadas são de meu arquivo pessoal  e da web.

Grande abraço e até nossa próxima postagem, quando nossos pequenos reassumem seu protagonismo!!

Como estimular a capacidade resiliente da criança?

Um novo ano se inicia, tempo em que procuramos rever atitudes e fazer mudanças. Um bom momento para traçarmos metas e nelas investir. Que tal investir em estimular a capacidade de lidar melhor com as adversidades e superá-las, ou seja, estimular a nossa resiliência? Embora nosso foco seja a criança, nós, os adultos, também podemos nos beneficiar com algumas das maneiras que apresento de desenvolver a capacidade resiliente.

Como analisamos no artigo anterior (se você não leu, vale dar uma olhada), a resiliência não é inata, embora a vivência de cada um possa gerar maior ou menor estrutura resiliente e está vinculada ao desenvolvimento e crescimento humanos. Outro ponto importante e muito positivo é ser uma capacidade que pode ser trabalhada, tanto individualmente quanto em grupo, o que significa que a escola é um espaço propício para isso.

A primeira questão fundamental a considerar (o que as pesquisas que desenvolvi ao longo de alguns anos me ajudaram a confirmar) é que a resiliência se relaciona com a corporeidade, que envolve pensamentos, sentimentos e ações (atitudes/comportamentos) e as relações estabelecidas com o outro e com o meio ambiente. Não foi à toa que iniciei esta série de artigos falando da corporeidade, isto é, de uma visão integrada do ser humano. O distanciamento do ser humano de sua corporeidade explica algumas dificuldades em lidar com os problemas que surgem no dia a dia, gerando muita ansiedade e angústia pela dificuldade de a pessoa entender as próprias emoções, de lidar com elas e de expressá-las. Por isso já foram dedicados três artigos à Educação Emocional.

José Tavares, estudioso educação e resiliência, considera que todos nós deveríamos possuir características resilientes tais como vínculos afetivos, flexibilidade, empatia, criatividade, inteligência, autonomia, liberdade, autenticidade, autoconfiança, sendo capazes de enfrentar situações adversas mantendo nosso equilíbrio. Entretanto, o ritmo de vida acelerado e competitivo de nossos dias faz com que as pessoas não percebam a si mesmas, vivam ligadas no piloto automático e em permanente estresse. E, acreditem, crianças também se estressam. Afinal, elas são extremamente sensíveis ao que as cerca. Assim, as características apontadas por Tavares como “naturalmente resilientes” vão se perdendo, ou mesmo, sendo abafadas. A flexibilidade dá lugar à rigidez, a autenticidade e a criatividade abrem espaço ao senso comum, e a autoestima e autoconfiança acabam se perdendo.

Então, como podemos estimular a criança a ter maior contato com ela mesma e ter essas características estimuladas? Como podemos contribuir objetivamente para desenvolver sua capacidade resiliente?

Brincando com a Professora Guiomar

Vamos considerar, aqui, aspectos que podem ser facilmente compreendidos e vivenciados. O primeiro ponto a considerar são os vínculos afetivos. O ser humano é um ser social, por isso necessita do contato com o outro para a sua formação como indivíduo. Sentir-se amada e protegida traz segurança para a criança, e isso inclui o estabelecimento de regras e limites e não apenas fazer o que ela deseja. A convivência com os avós, a família e os amiguinhos deve ser sempre estimulada. É importante que os pais tomem muito cuidado para não “jogar” a criança contra seus professores, pois estes são vínculos preciosos para ela. Se houver algum problema detectado, converse com o profissional em questão, mas se abstenha de críticas com a criança e perto dela (ouvidos de criança captam tudo, mesmo que ela pareça estar distraída com algo) ou de tirar a sua autoridade. É necessário muito tato para que uma relação que deve ser de confiança e de autoridade (não de autoritarismo) seja preservada pelo bem de nossos pequenos. Outras relações significativas também merecem ser cuidadas. Respeitar os responsáveis pela educação da criança evitará muito sofrimento e frustrações no futuro, o que temos presenciado com muita frequência.

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Experimentando uma nova aventura

O segundo ponto importante são as brincadeiras, o prazer e a alegria. Alguns autores consideram que o humor (o bom humor, é claro!) é um dos pilares da resiliência. Acredito que nosso povo passe por tantas sem desmoronar por seu senso de humor tão aguçado. Assim, possibilite situações em que haja espaço para o riso, a leveza, a alegria. Deixe que as crianças corram, pulem, rolem no chão; deixe que se sujem na areia, que tenham contato com as plantas, com a água, com o sol e com espaços abertos. O ato motor está relacionado não só ao mundo físico, mas também à afetividade e à cognição, não é simplesmente o deslocamento no espaço físico, ele é repleto de expressividade, reflete muito do que sentimos e pensamos.

A escola, muitas vezes, é um ambiente que tolhe, não permitindo que a criança brinque ou se movimente para não quebrar as regras. Não há flexibilidade ou momentos de liberdade para as brincadeiras. Fique atento a isso se possível. Uma outra dica: não lote a agenda da criança com mil atividades: natação, inglês, balé, judô, informática, piano, futebol, etc, etc, etc. A criança precisa de tempo para brincar, tempo para se entregar e se encantar.

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O agradável contato corporal com os amiguinhos da turma da Profª Guiomar, na brincadeira com parlendas

Sair correndo de uma atividade para a outra de olho no relógio gera estresse para adultos e crianças. Veja o que é mais significativo para ela, o que ela gosta de fato, como reage às atividades, o que é mais apropriado para a fase em que se encontra. O importante é que possa curtir tais momentos sem correria e aprender brincando, a melhor maneira de aprender algo nessa primeira etapa da infância.

Casaco vira boneca
Agasalho, criativamente, vira boneca no imaginário infantil

As brincadeiras de faz de conta não podem ficar de fora, são uma oportunidade ímpar para as crianças trabalharem suas emoções, processarem suas tristezas, aquilo que ainda não conseguem entender bem. A criança, através deste tipo de brincadeira, pode transferir para os personagens que cria suas ansiedades, angústias, desencantos e dúvidas e olhar para eles de outra maneira. Todas as salas de aula deveriam ter um cantinho especial para isso ou, pelo menos, criar possibilidades. Panos coloridos e caixas de vários tamanhos forradas podem se transformar naquilo que se desejar: de bercinho de boneca a carro de corrida, e (quem sabe?) em um barco ou um tambor. Tais atividades trabalham a autoexpressão, criatividade, flexibilidade, empatia, liberdade, espontaneidade e autonomia, características resilientes.

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A pequena pintora e a descoberta da tinta guache

O terceiro ponto são as atividades artísticas, formas incríveis estimular autoexpressão, criatividade e todos os outros aspectos citados por Tavares. As atividades de artes na educação infantil devem proporcionar momentos prazerosos, que provoquem na criança o desejo da descoberta, a flexibilidade manual, a destreza, a criatividade, a produção e a reflexão, nas quais podem ser explorados diversos materiais. Não são recomendáveis o colorido de figuras xerocadas ou a cópia de modelos, uma vez que podam a expressão pessoal. Se a criança quiser desenhar um super-herói, estimule-a a criar a situação em que ele se encontra ou a fazer o seu próprio desenho. Geralmente, elas adoram livros de colorir e não há problema em usá-los se desejam. Mas não deixe de estimular um espaço de autonomia e criatividade. Deixe que dancem, que representem personagens dos livros infantis ou que criarem.

Brincadeiras e jogos, pintura e colagem, cantigas, jogos musicais e teatrais, contação de histórias, dança e muito mais são atividades lúdicas e permitem que a corporeidade da criança seja trabalhada.

Quanto mais trabalharmos a relação com nossa corporeidade, compreendendo a indissociabilidade das dimensões humanas – motora, cognitiva, afetiva, espiritual e social, mais chances teremos de desenvolver nossa capacidade resiliente. Raiva, tristeza e frustrações fazem parte da vida do ser humano, e poder reconhecê-las e expressá-las de forma adequada pode contribuir para buscarmos melhores maneiras de enfrentar os problemas de forma mais equilibrada, com mais flexibilidade.

As boas experiências vividas com regularidade na infância deixam marcas indeléveis que ficam registradas no corpo e no eu mais profundo, e que estarão disponíveis quando o sofrimento bater à sua porta. Essa forma de nutrição da alma permite que novas forças sejam acessadas quando se fizerem necessárias. Uma criança que teve uma infância feliz, que teve (tem) o apoio de quem cuida dela, seja pai, mãe ou outro responsável, que se sabe amada e respeitada terá chances maiores de se tornar um adulto mais equilibrado, mais feliz e mais resiliente.

Um feliz ano mais resiliente para todos nós.

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos utilizadas são do meu arquivo pessoal, duas delas cedidas pela Professora Guiomar Machado da Silva.

 

Resiliência: a capacidade de prosseguir apesar de…

A palavra resiliência vem sendo muito usada atualmente, mas nem sempre se apresenta fiel ao conceito que representa ou à sua complexidade. Modismos à parte, é muito importante que todos nós – adultos, adolescentes, idosos e crianças – aprendamos a estimular nossa capacidade resiliente. Minha intenção neste artigo é apresentá-la de uma forma simples, mas não simplificada, de modo a contribuir, especialmente, com professores, pais e todos aqueles que estão envolvidos com crianças, uma vez que desenvolver a resiliência significa criar possibilidades de uma vida com mais qualidade e flexibilidade, ou seja, uma vida mais feliz para nós e para os que nos cercam.

Mas o que é, afinal, resiliência?

Resiliência, um conceito comumente empregado na Física e na Engenharia, refere-se à capacidade de materiais voltarem à sua forma original quando cessa a pressão exercida sobre eles. Podemos visualizar essa ideia facilmente se pensarmos em um elástico que volta ao seu tamanho quando deixa de ser puxado ou em uma esponja que, se apertada, muda de aparência, mas quando a pressão da mão deixa de existir, ela retorna ao seu aspecto inicial.

xtimidez.jpg.pagespeed.ic.ECyz6_9B_FTransferindo este conceito para as ciências humanas e sociais, a resiliência se expressa na capacidade de um indivíduo ou um grupo enfrentar as adversidades de forma a superá-las. Isso não significa ser invulnerável, ou seja, passar pelo problema sem ser afetado, e sim de ser capaz de encontrar respostas positivas para as situações, mesmo com a existência de dor, angústia e de conflitos. Significa poder continuar a viver de forma participativa e produtiva; ser capaz de se reconstruir, de se comprometer com a vida, sem “entregar os pontos”. Ser capaz de “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima” como apregoa a conhecida canção popular.

Cada pessoa tem sua forma própria de lidar com as dificuldades. Algumas “desmoronam” por muito pouco, outras “balançam”, mas conseguem se refazer; há ainda as que se desesperam ou se revoltam e não conseguem encontrar saídas. O importante é saber que a capacidade resiliente pode ser desenvolvida, que não é algo inato, isto é, não é algo com que já nascemos; que há momentos em que podemos estar mais fragilizados que em outros.

Estudiosos afirmam que quando o indivíduo consegue resistir a situações potencialmente desfavoráveis, ele pode neutralizar ou diminuir suas consequências negativas, inclusive vindo tais adversidades a contribuir para sua flexibilidade e o seu amadurecimento, aumentando sua capacidade resiliente. Convivi com duas irmãs criadas em um ambiente de violência doméstica devido ao pai alcoólico. Uma delas, embora retraída, tinha um bom desempenho escolar, apresentando atitudes que denotavam amadurecimento para os seus seis anos; a outra, com sete anos, apresentava atitudes bastante agressivas e não conseguia acompanhar o ritmo da turma, tendo muitas dificuldades de interação.

Algumas características do ser resiliente

garota-triste-sofrendo-bullying-na-sala-de-aula-foto-monkey-business-imagesshutterstockcom-00000000000172C6José Tavares aponta  cinco características que considero fundamentais para serem trabalhadas desde a primeira infância: autoestima, criatividade, autonomia, flexibilidade e vínculos afetivos. A autoestima positiva permite a autoaceitação e o respeito a si mesmo e ao outro, ajuda a aceitar críticas e saber usá-las em favor próprio. A criatividade permite buscar formas diferenciadas de resolver ou fazer algo, de solucionar um problema, de encontrar um meio de expressar alguma coisa. Ter autonomia é ser capaz de buscar as próprias soluções considerando regras, valores, a perspectiva pessoal e a do outro. É ter competência para atuar no seu mundo. A flexibilidade é a capacidade que permite produzir mudanças no modo de agir ou reagir de acordo com o momento, buscar respostas alternativas para solucionar um problema, elaborar uma resposta mais adequada para uma dada situação. Em sentido mais amplo, é a capacidade de se adaptar a uma nova circunstância, a superar dificuldades ou obstáculos.

apoio familiarOs vínculos afetivos são, considerando as pesquisas que desenvolvi e a minha própria experiência como educadora, um ponto crucial para o fortalecimento da capacidade resiliente e sobre isso vale tecer algumas observações. As relações familiares são os primeiros vínculos que se estabelecem e, hoje, assumem formas diferenciadas de constituição. A organização pai, mãe e filhos já não é necessariamente a apresentação mais comum. Podemos ter pai ou mãe com seus filhos, casais homossexuais em que há duas mães ou dois pais, famílias de novos casamentos que, ainda, podem unir filhos de casamentos diferentes, crianças criadas por avós, enfim, um grande mosaico de possibilidades. Outro ponto importante a considerar é que, atualmente, de modo geral, ambos os cônjuges precisam trabalhar, ficando a criança mais tempo sem a sua companhia. E são muitos os desdobramentos destas, muitas vezes, complicadas organizações.

Nesse contexto, é muito importante que a criança se sinta acolhida, amada, que tenha regras e autoridade dos responsáveis bem estabelecidas, limites claros no contexto familiar e uma rotina instituída. Estes pontos são fundamentais para que se sinta segura e saiba não só de seus direitos, mas também de seus deveres. Que não seja o reizinho ou a princesinha da casa que dita todas as leis, a criança que ganha tudo o que quer porque os pais se sentem culpados de não terem tempo ou energia suficiente para estabelecerem os limites necessários. Estas posturas não são provas de amor, nem estabelecem os vínculos necessários que gerem segurança, respeito e confiança. Estas posturas infantis se refletirão nas suas relações, tendendo a gerar muitos conflitos na escola e na sociedade.

Isso não pode[5]Se a criança se habitua a respeitar regras em casa, a ter limites estabelecidos, ficará muito mais fácil atender às regras e limites necessários na escola e na sociedade, o que temos visto não ser muito fácil para algumas crianças e adolescentes.

A aprendizagem do respeito aos limites e ao outro começa sempre com a própria vivência do ser respeitado quando se é criança, de esta criança ter seus limites físicos ou emocionais também considerados; e da compreensão de que as regras são construídas para uma melhor convivência, e não impostas aleatoriamente. Ou seja, instituir regras é tão importante quanto a forma de fazê-lo, estabelecendo e discutindo em conjunto tais regras.

Quem tem filhos sabe o quanto os auxiliares são importantes em determinadas situações, sejam eles pessoas que trabalham para a família ou amigos, vizinhos e parentes que nos tiram de situações difíceis e que podem trazer nossos filhos da escola, acolhê-los numa emergência ou, até mesmo, levá-los ao médico ou à festa do coleguinha. Entretanto, cabe aos pais manter o comando e os cuidados da educação de seus filhos, estabelecer regras e limites, mostrar de forma clara o que pode ou não ser feito, o que é uma forma de amor. Assim como acolher, ouvir, dialogar, compreender, acarinhar também o é.

O amor é um vínculo poderoso e acredito que seja fundamental para que possamos sair das situações difíceis com mais inteireza e maior facilidade. Ter apoio da família torna tudo mais fácil para a criança. Da mesma forma, que poder contar com laços de amorosidade amiga e confiança ajuda também a nós, adultos, a superar muitas crises. Humberto Maturana afirma que “a maior parte do sofrimento humano surge com a negação do amor, e a maior parte da nossa falta de compreensão do sofrimento humano resulta da nossa falta de compreensão do papel fundamental que o amor desempenha na biologia humana”. Afirma, ainda, que sem amor, “não há respeito mútuo, não há respeito por si mesmo, não há colaboração, isto é, não há convivência social, só há comunidades nas quais se vive na dominação e na obediência, na competição e na negação mútua, na inveja, na apropriação do que é do outro, na agressão, sem consciência e sem responsabilidade individual e social, e, por último, sem ética”. Aprender a dar e receber amor é também aprender a ser resiliente e a ensinar resiliência.

No próximo artigo, continuaremos este assunto, pensando possibilidades de estimular nossa capacidade resiliente. Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

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