Um novo ano se inicia e os votos para que seja feliz se renovam. Mas será que apenas os nossos desejos para que seja mais feliz ou haja mais paz, mais alegrias, mais sucessos e realizações são suficientes? Qual a nossa responsabilidade nesse processo? E como educadores – sejamos pais, avós ou professores, o que nos cabe para que um novo ano seja melhor que o anterior? Acredito que vale tecer algumas reflexões neste início de ano para que nossos pequenos possam colher frutos mais doces não só neste período de 365 dias que se iniciou há pouco, mas em anos vindouros ao longo de suas vidas. E que também nós, adultos, possamos fazê-lo.
Temos presenciado altos níveis de desrespeito, corrupção, descuido com a Natureza, violência, preconceitos, descaso com o ser humano, e, sem dúvida, queremos um ano melhor. Mas muito de tudo isso tem origem com a falta de cuidado, de educação ou de valores cuja aprendizagem começa na família e continua na escola. Cabe-nos perguntar o que podemos fazer para diminuir tais efeitos. Talvez, na correria do nosso cotidiano, na necessidade de se trabalhar mais para ganhar o necessário, no cansaço do final de cada dia, alguns aspectos sejam negligenciados. Coisas, às vezes, pequenas mas significativas que exigem persistência e atenção dos responsáveis pelas crianças – futuros jovens e adultos.
Talvez você pense: “mas é diferente!” Será mesmo? Enumero algumas cenas presenciadas por mim ao longo do ano que se despede. Cena 1: Um adulto adverte uma criança por ter tirado um pacotinho de biscoitos do seu carrinho do supermercado e abri-lo. A mãe finge não ouvir e continua suas compras – um grande desrespeito. Cena 2: Um menino acompanhado por seu pai arranca flores da jardineira de um prédio, as joga no chão e pisa. Cena 3: Outro, desta vez com a mãe, chuta um cachorro que passa despreocupado à sua frente. Nas últimas cenas, também, nada de advertências – descuido com a Natureza e violência. Cena 4: Na pracinha, em meio à brincadeira, uma menina negra tromba com uma menina branca. A avó corre gritando: “Onde esta neguinha pensa que está?” (Brincando na pracinha, é claro). Isso é preconceito e violência (como toda forma de preconceito). No caso das duas meninas, à primeira vista, nenhuma das duas se incomodou, iriam continuar a brincadeira sem problemas. Mas como a atitude da avó repercutiu em cada uma delas? De que forma isso continuará a reverberar?
Cena que se repete: Uma situação que todos nós, professores, já vivenciamos em algum momento é a sujeira na sala de aula. E isso vai da educação infantil ao ensino superior, o que é um grande desrespeito aos colegas, aos funcionários da limpeza e a si mesmos. Afinal, quem quer passar horas de seu dia em um lugar cheio de papel de bala, restos de tiras de lápis apontados, papel amassado e carteiras rabiscadas? E no canto da sala sempre há uma lixeira. Toda vez que pedia para alguns de meus alunos limparem a sua área, ficava me perguntando: será que fazem isso em qualquer lugar?
Cenas que não param de acontecer: Ainda falando em lixo, é comum vermos embalagens sendo jogadas no chão das ruas e praças, nos córregos, arremessadas de carros, de janelas, potinhos de sorvetes deixados nos lugares mais inusitados como janelas de casas que dão para as calçadas, muito comuns em cidades menores. E quando vamos à praia ou vêm as inundações? Pode-se ver de tudo! Pobre Natureza! Coitado de nosso meio ambiente!
Muitas vezes, atitudes que vivenciamos, especialmente com crianças mais velhas, adolescentes ou jovens, notadamente, não podem ser vistas como desrespeito, simplesmente, porque estes jovens indivíduos nem sempre têm noção de que há regras de convivência, pois não chegaram a aprendê-las. Na Universidade, ficava muito irritada ao chegar ao térreo, pois sempre havia um grupo que queria entrar no elevador antes que eu pudesse sair. Amarrava a cara, mas ninguém percebia e nada mudava. Aí passei a dizer com um sorriso: “Calma aí, gente, me deixem sair primeiro. Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço!” Muitos daqueles com quem cruzava regularmente passaram a esperar minha saída e, até, a sorrir.
Com certeza, você teria outros casos para contar, assim como eu, que prefiro parar por aqui.
O primeiro ponto a enfatizar é que crianças aprendem o que vivem ou presenciam. Por isso é tão importante que as orientemos para que não façam como “todo mundo”, mas que façam o que deveria ser feito. Importante também lembrar que as transformações não virão em um passe de mágica, nem de uma mudança na legislação, mas que dependem de nós, de nossas ações, de nosso compromisso com elas. Nós somos os responsáveis pelas mudanças que desejamos. Como poetiza Carlos Drummond de Andrade em um trechinho de sua Receita de Ano Novo,
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Outro ponto a considerar é que ações correspondem a reações, e esta lei deve ser considerada quando educamos nossas crianças. Irritação gera irritação, mau humor afasta as pessoas, gentileza gera gentileza, sorrisos provocam novos sorrisos, amor, afeto e respeito nos aproximam do outro, … Vamos estimulá-las a serem delicadas, e se pode começar com o uso das famosas palavrinhas mágicas: obrigada, por favor, com licença, que, quando partem dos pequenos, sempre geram simpatia. Não precisamos gostar de alguém para sermos delicados, e esta aprendizagem nos ajuda na convivência onde quer que estejamos.
Podemos criar ambientes mais saudáveis a nossa volta ensinando nossas crianças a se aceitarem em suas diferenças, a serem mais leves, mais generosas, a apreciarem o que possuem, a valorizar seus amiguinhos e aqueles que as amam; ensinando-as a respeitar os mais velhos, a serem gratas, a valorizarem o que têm ao invés de lamentarem por aquilo que não podem ter.
Ninguém é feliz o tempo todo, é importante ajudá-las a aceitar ou suportar o que lhes traz angústia ou tristeza, decepção ou medo até que tenham maturidade para fazê-lo sozinhas. Com nossa ajuda fica mais fácil. Nesse sentido, acolhamos seus sentimentos e os respeitemos (o que não significa aceitar as birras como já analisamos em artigos anteriores). Falar o que sentem as ajuda a se sentirem melhor e, muitas vezes, apenas nossa presença, atenção ou mesmo um abraço são suficientes para trazer-lhes conforto.
Em momentos de muito egoísmo como os que temos presenciado, procuremos ensinar-lhes solidariedade e empatia. Em meio a preconceitos e diferenças, ensinemos o respeito àqueles que pensam diferente, que são de outra raça ou seguem outros credos. Além de normas de convivência, também estamos falando de algo essencial: educação das emoções (inteligência emocional).
Ofereçamos aos nossos pequenos o nosso tempo (e mais vale a qualidade que a quantidade), brinquemos com eles, deixemos que façam escolhas e tomem decisões apropriadas para sua idade, estimulando-lhes a autonomia.
Dessa forma, viverão um novo ano com maior autoestima, autoconfiança, com a segurança de que são amados, e, certamente, se sentirão mais felizes. E nós também, pois, o ano novo que cochila dentro de nós, como diz Drummond, vai poder, aos poucos, despertar.
Um ano realmente novo para você e para aqueles que fazem parte de sua vida.
Comentários, sugestões e perguntas são sempre bem-vindos. Deixe-os no espaço abaixo, assim que possível responderei.
Grande abraço e até a próxima postagem
Lucia Helena
Fotos retiradas da web.