Em tempos de isolamento social: as aulas remotas

 

“Vovó, está muito complicado ter aula pela internet. Fico com a mão levantada um tempão, tenho colegas que não respeitam a professora, que conversam entre eles… Fico muito cansado e muitas vezes não consigo ouvir. (…) Parece que pra ela também é difícil”.  A fala de meu neto, que está cursando o segundo ano do Ensino Fundamental II, traz alguns dos problemas vividos com as aulas remotas. São problemas que unem crianças, mães e professoras. Tenho pessoalmente vivido algumas dificuldades com cursos pela internet, e procurado ouvir especialistas, assistir a seminários, ler desabafos de pais e educadores, mas este não é o espaço para aprofundamentos. Acredito, porém, que saber que as dificuldades vividas não acontecem apenas conosco, pode nos ajudar a redimensionar a questão.

Perguntei a meu neto: qual a pior coisa e a melhor de não poder ir à escola? Ele adora a escola e ficou muito triste com a parada das aulas. “A pior é não poder abraçar os amigos, conversar com eles, estar lá. A melhor é ficar protegido”. Esta resposta aponta para uma questão fundamental: é um momento de preservar a saúde, de preservar a vida. Embora com pouca idade, com a conversa que tivemos, ele deixou muito claro que este é um momento difícil, que não pode estar conosco, seus avós, com quem se preocupa, não pode estar com os amiguinhos da escola, ir à pracinha onde brinca após as aulas e subir nas árvores; que não pode tomar sorvete na padaria perto de casa, ou brincar com os amiguinhos do prédio onde mora. É um tempo de reclusão, sofrido e preocupante. É importante entender que a criança, como nós, adultos, se ressente com tantas mudanças e tantas dificuldades; que não é estranho que surja irritação e agitação excessiva.

Foto de Jaqueline Madeira

Após um tempo de adaptação, as escolas começaram a oferecer aulas remotas. Pensando nisso, resolvi fazer uma pesquisa informalíssima, mas que me permitisse ouvir algumas vozes, saber de colégios e locais diferenciados, de formas de ação. Isso porque em uma linha de percepções, tem-se de “acho ótimo” a “isso não faz sentido”. Pedi ajuda a ex-alunas que são mães e professoras. Por uma questão de respeito só darei o primeiro nome daquelas que me autorizaram a isso, às demais dei um nome fictício. Também omiti o nome das escolas. A intenção aqui não é tecer críticas ou tecer comparações, mas apresentar um quadro que claramente mostra que as experiências são muito variadas e que há um esforço muito grande das professoras no sentido de fazer algo para o qual não foram preparadas na grande maioria das vezes.

Quando falamos de aulas remotas, estão incluídos os aspectos humano, tecnológico e metodológico que não podemos desconsiderar. O lado humano é muito marcante, as professoras com quem tive contato sentem saudades, deixam recadinhos e fica evidente em suas falas que se preocupam com os pequenos. Tecnológica e metodologicamente, todas as professoras entrevistadas foram unânimes em afirmar que foi muito difícil no início, e que ainda há muitas dificuldades a serem vencidas. Mas que já não gastam tantas horas para conseguir um pequeno vídeo, nem tentar tantas vezes até sair bom. Algumas me enviaram os vídeos que vêm fazendo, onde claramente se percebe o cuidado e o empenho. Mas ainda persistem aulas em que a professora fala e os alunos ouvem, precisamente pelo desconhecimento de técnicas às quais nunca tiveram acesso. Há escolas que oferecem aulas três vezes por semana e nas terças e quintas enviam atividades escritas. Outras oferecem as aulas todos os dias e chats para que os alunos tirem dúvidas. Há, ainda, outras formas de comunicação com os pais. Não há uma forma única.

Laura, professora de uma escola particular em Belo Horizonte, conta que fica desesperada, pois, no grupo de whatsapp destinado aos pais, estes perguntam, o que chega a ser um absurdo, como o que fazer com a agitação da criança, com o fato de não querer acordar de manhã para a aula, de a criança estar sendo agressiva ou levantam questões que estão descritas nos vídeos enviados e que a própria criança poderia responder se ouvido com atenção. A ansiedade dos pais quer respostas da professora, que não é formada para ser psicóloga nem para assumir responsabilidades com o que não lhe cabe, tirando-lhe um tempo precioso de cuidar da própria família. Outro problema que também se mostra é o fato de os pais fazerem as tarefas, possivelmente para acabarem logo. A quem isso ajuda? Qual o objetivo disto?

Um aspecto fundamental que não pode ser desconsiderado é que as aulas remotas para quem as acompanha causam um desgaste muito maior que as aulas presenciais. O Professor José Moran, renomado estudioso e conferencista sobre novas tecnologias, assim como o neurologista Fernando Gomes entre outros estudiosos das neurociências enfatizam que o tempo de aulas virtuais não pode ser o mesmo das aulas presenciais. Elas exigem atenção maior e um maior nível de perda de energia, o que aprofundaremos no próximo post.

O que dizem as mães-professoras: alguns depoimentos

Juliana trabalha em uma instituição particular de ensino onde seu filho também tem aulas, em São Joao del-Rei – MG. Ela diz: “Como mãe não está sendo fácil, e não tenho tido tempo de acessar a plataforma todos os dias. Deixo para o fim de semana, fica tudo acumulado. Meu menino fica muito cansado, apesar de a professora ser bastante dinâmica e apresentar vídeos e jogos atrativos, ele não consegue fazer as atividades sozinho devido à idade, tem só seis anos, está no primeiro ano. Eu tenho apenas um notebook e fico das nove da manhã às nove da noite por conta das aulas que tenho que preparar para meus alunos,de  responder aos pais no whatsapp, aos alunos no chat e de preparar os vídeos e as atividades”.

Enquanto estava relendo as falas de Juliana, ela me enviou um áudio, me contando do retorno ao trabalho como supervisora na Prefeitura, também remoto, e como a vida dela virou uma loucura com todas as atividades que lhe cabem preparar. E ainda há um agravante que não podemos desconsiderar. Estamos em meio a uma pandemia que nos cobra cuidados especiais, isolamento social e todas as dificuldades que a vida doméstica nos exige. Como será isso, vai deixar de dormir? E seu filho que já vem, com certeza, sentindo falta de sua presença e a falta do acompanhamento regular, pois só o tem maior nos finais de semana. Como será? Como dar conta de tudo, especialmente, quando há senso de responsabilidade e comprometimento?

Jaqueline foi minha orientanda de doutorado em Oviedo, na Espanha onde mora. Para suas meninas as aulas remotas não foram um problema como para muitos dos nossos professores e de nossas crianças. Está sendo uma experiência positiva, porque a escola já usava a plataforma há quatro anos como uma forma complementar e todos têm um computador, o que infelizmente não ocorre aqui. O governo se encarrega de garanti-los. Têm aulas por videoconferência, trabalhos em grupo, podem compartilhar experiências com os colegas. A mais velha, já exercitada nas aulas remotas antes do distanciamento social, resolve bem suas atividades. Mas mesmo assim, a menor tem dificuldades e necessita de apoio constante dos pais que se alternam para ajudá-la, até pela pouca experiência com as aulas virtuais, uma vez que está há menos tempo na escola. Segundo Jaqueline, as escolas rurais e públicas também tiveram acesso a computadores via governo.

Neste aspecto, temos um grave problema em nosso país, pois há um número enorme de crianças que não possuem computador, nem rede, e há aqueles que vêm tentando aprender na pequena tela de um celular. Uma amiga me conta que leu que há alunos que enfrentam grandes caminhadas para chegar ao alto de um morro onde é possível o acesso à rede.

Renata mora em Campo Grande – MS, é professora da rede municipal e tem dois filhos com ensino remoto, um de 6 anos no Primeiro Ano e outro de 9 anos no quarto ano. Ela diz: “No início achavam chato pelo excesso de atividades, mas a escola se reorganizou, as crianças se acostumaram e gostaram da integração com os colegas. Mas para os pais ainda é bem complicado!”

Foto de Jaqueline Madeira

Renata, que é pedagoga, pontua que, se com formação pedagógica é difícil, que dirá para quem não a tem, ainda mais para crianças que estão no processo formal de alfabetização como um de seus meninos.

Renata me conta que a Secretaria de Educação solicitou que os professores fizessem um caderno de atividades. A escola imprime e entrega aos pais. “Não fazemos aulas virtuais, pois muitas famílias não têm acesso a computadores. E poucos pais participam do grupo do whatszap por onde orientamos como fazer as atividades”.  Será que isso funciona ou gera mais tensão?  As crianças aprendem? Estarão os pais em condições de ajudarem seus filhos?

Todas as mães-professoras se queixam do pouco tempo que podem disponibilizar para os próprios filhos, em especial aquelas que como Juliana, Renata, Thaís e Érica têm filhos em fase de alfabetização, fase esta que exige uma atenção muito especial e atenção dos professores.

Vimos que há vantagens e desvantagens. Mas, afinal, o que é melhor?  Esta resposta é possível? Que cuidados precisam ser tomados? Como minimizar problemas?

Hoje ficamos por aqui, no próximo artigo, continuamos.

Deixe suas sugestões, dúvidas e comentários no espaço abaixo. Responderei logo que possível.

Grande abraço e até a próxima

Fotos gentilmente cedidas por Jaqueline Madeira  .

Em tempos de isolamento social 1

Em tempos de quarentena, de crianças em casa, de aulas suspensas, mas também de home office, em que os adultos precisam trabalhar, necessitamos criar mecanismos que nos ajudem a acalmar a agitação aumentada da criançada por não poder gastar a energia com as atividades escolares, na pracinha, no parquinho ou na natação. Então, por ora, vou mudar o rumo dos nossos textos, voltando ao previsto mais adiante. Também vou diminuir a peridiocidade de sua publicação para oferecer mais sugestões de atividade.

É preciso dizer também que, apesar de todas as dificuldades que todos nós temos enfrentado, alguns aspectos são muito positivos como o contato mais próximo da criança com a família que, muitas vezes, mal consegue estar com ela.

A expressão artística é a primeira manifestação que não pode faltar: cantar, dançar, representar, desenhar e pintar seja com gizão de cera, lápis de cor, tinta guache ou aquarela. E vale enfatizar que além de ser um meio de tranquilizar a criança, as atividades artísticas têm um poder muito especial de permitir que os pequenos expressem suas angústias, falem de seus receios, façam perguntas, mostrem os sentimentos.

Criatividade e otimismo
Foto de Ana Oliveira Lopes Criatividade e otimismo

Pode parecer que não, mas a criança experimenta a ansiedade que é manifestada nas conversas dos adultos, nos jornais diários pela televisão e na própria tensão que vibra mesmo não sendo vista ou ouvida. Meus dois netos manifestaram sua preocupação. O mais velho, expressou sua apreensão conosco, seus avós, que estamos longe e só nos falamos por vídeo ou telefone (O que acontece com a menor também. Infelizmente estamos mais distantes fisicamente!) Por sermos mais velhos e pertencermos ao grupo de risco, ele manifestou que não quer nos perder, pois somos preciosos para ele. Um doce comentário para nós, mas uma preocupação com ele. Mas pudemos falar sobre isso porque ele conseguiu expressar em palavras. O pai da nossa neta mais nova, ao vê-la chorando, lhe perguntou o que tinha acontecido e ela pôde (e que bom que assim foi) falar de seu medo de que o papai ou a mamãe pudessem morrer. A possibilidade de falar sobre a questão fez uma grande diferença. O medo precisa ser verbalizado sempre que possível. O que não é dito se mantém presente e, muitas vezes, birra, irritabilidade, grude excessivo, aumento da agitação, medo de tudo podem indicar que há algo errado.

A criança, mesmo que pareça entretida com algo que está fazendo, está ouvindo ou percebendo o que acontece a sua volta. Ela tem um “super-radar” do qual nada escapa. Daí a importância de protegê-la de um noticiário mais pesado. Eu mesma, há alguns dias, desliguei a televisão ou, com certeza, já que estava perto da hora de dormir, teria um sono mais agitado. É importante se manter informado, mas não é necessário estar com o rádio ou a tevê ligados em tempo integral. Além disso, a linguagem do rádio e da tevê, com a finalidade mesmo de chamar nossa atenção, já traz elementos discursivos que podem gerar maior tensão.

Então, a ideia é trazer algumas sugestões de atividade que possam entreter nossos pequenos. E vamos começar pela arte. Que criança não gosta de fazer artes e pintar o sete? As atividades artísticas trazem para os pequenos a possibilidade de que se crie uma postura mais harmoniosa e equilibrada diante do mundo, integrando sentimentos, razão e imaginação, e exercitando sua habilidade de discriminar e fazer escolhas, sua capacidade crítica.

Embora possamos elencar muitos ganhos obtidos pela criança ao vivenciar tais atividades como o estímulo à autoestima, à autonomia e à criatividade, um resultado muito importante nos salta aos olhos: elas possibilitam a vivência lúdica, a entrega total a seu fazer. As atividades expressivas como as artísticas e as lúdicas contribuem para que se trabalhe a integralidade do ser, estimulando o intelecto, as emoções e a motricidade, além das relações com o meio e as pessoas. Elas trabalham a corporeidade de que já falamos muitas outras vezes.

Ao estimular a criança a desenhar, contar ou recontar uma história, manipular lápis de cor, giz de cera, pincéis, tinta guache e aquarela, incentivando-a a expressar suas emoções, estamos ajudando-a a se relacionar com o mundo a sua volta e a desenvolver a autocompreensão. Da mesma forma, propiciar-lhe situações em que possa perceber diferentes ritmos, cantar músicas variadas, apreciar imagens, ajudando-a a fazer sua leitura, perceber texturas e formas dos objetos é um modo de lhe oferecer recursos para a leitura de seu mundo.

Mais que um simples passatempo, a arte é uma forma de comunicação da criança consigo mesma e com o mundo. Uma forma de entender o que acontece à sua volta.

O jogo teatral

Brincando com jogos teatrais

Hoje começamos com um recurso expressivo muito significativo para o que estamos vivendo hoje: o jogo teatral. Esta é uma expressão artística, que muito agrada a criança, e que permite que ela exteriorize o que é difícil dizer com palavras. O jogo teatral pode se realizar com o próprio corpo, com bonecos, com fantoches e com o que mais for possível. Há algum tempo, a bermuda vermelha de meu neto virou uma grande fogueira na floresta, que eu, o gigante malvado incendiei. E ele se transformou num corajoso super-herói que enfrentou o fogo para preservar a vida das matas.

Com os jogos teatrais, a criança realiza sonhos, liberta sentimentos acumulados, alivia tensões, resolve problemas, dúvidas e frustrações. Em situações normais, é um excelente meio de socialização, mas em tempos de isolamento social, pode ser adaptado aos componentes da nossa casa. Parte da curiosidade pelo que nos rodeia passa a ser motivo para observar, raciocinar e criar: cenas domésticas, situações na escola, um filme visto…

A criança deve escolher o que quer representar. E as menores, geralmente, partem da própria vivência das situações cotidianas. Lembrei-me agora de quando dei uma maleta de ferramentas para minha neta; ela batia na porta, “tratava o serviço”, fazia o que era necessário, cobrava e se despedia. “Bom- dia, senhora! Qual o problema?”, começava ela. Todos os meus móveis e eletrodomésticos passaram por uma revisão.  Ontem, vi pelo vídeo a máquina de furar e ela me contou que ela virou secador de cabelos. Este é um dos poderes mágicos das nossas crianças, o potencial imaginário e transformador. Potencial que deve ser estimulado e que a arte desenvolve.

A representação pode ser sem palavras, através da mímica: adivinha o que eu estou dizendo? O corpo brincante se encarrega de construir um sem-fim de possibilidades.

Podemos usar uma música ou uma poesia e representá-las…  Uma história pode ganhar um novo final ou novos personagens. Também podemos criar um personagem e uma história para ele.

Brincar de cabaninha ou de casinha oferece múltiplas possibilidades de explorar o universo infantil

Desenvolver a imaginação sempre: usar sons, gestos, criar uma sonoplastia. “Abro a porta… e está rangendo. Preciso colocar óleo. Entro em casa, tiro a roupa, abro o chuveiro, canto no box.  Chiiiii!!! A campainha da porta tocou? Vou fechar o chuveiro para ouvir melhor! Tocou mesmo!!! Quem será? Tenho que me enrolar na toalha. Ai, ai, ai! Agora é o telefone que está tocando, vou atender… Quem estava na porta? E quem ligou para o telefone? Uau!! O chão molhou todo…”  Imaginação não vai faltar.

Esta atividade de criar situações com sonoplastia era muito usada por mim com grupos de crianças quando dinamizava sala de leitura. E pra variar bem, no caso de alunos um pouco mais velhos, eles sorteavam cartões em que havia nomes de fontes sonoras como buzina ou motor de carro, despertador, liquidificador, pregão do vendedor de vassouras, …  Também sorteavam cartões com situações. A ideia era criar e representar a situação com o ruído sorteado. Por exemplo: uma feira com barulho de trator; uma viagem de ônibus com um vendedor de bilhetes de loteria. E o fim era imprevisível…

Naturalmente, as situações e os ruídos se adequavam às idades das crianças e até a sua própria vivência.  Houve um dia em que um grupo me pediu para trabalhar com barulho de sirene e tiros. Eles precisavam elaborar a situação vivida na escola.

Na próxima postagem continuamos. Por ora, ficamos por aqui. E você já sabe: solte a criatividade. Esta não está em quarentena.

Deixe suas sugestões, dúvidas e comentários no espaço abaixo. Responderei logo que possível.

Grande abraço e até a próxima

As fotos são do meu arquivo pessoal e uma delas cedida gentilmente por Ana Oliveira Lopes