CRIANÇA – profissão: brincar

Fui a uma cerimônia de formatura há algum tempo e fiquei observando duas menininhas que estavam no corredor ao lado das cadeiras. Elas conversavam com suas bonecas e as faziam conversar entre si; giravam com elas, as ninavam, fingiam dar-lhes comidinha que se materializou com confetes e pedacinhos de serpentina recolhidos do chão. Com todo cuidado para não sujar a roupinha da sua “filhota”, uma delas usou o lencinho de seu próprio vestido como babador. E ali ficaram completamente imersas em seu mundo de imaginação e fantasia, distantes dos aplausos, assovios e gritos da assistência, que comemorava outra importante etapa da vida.

A brincadeira faz parte da natureza da criança e ela sempre encontrará uma forma de seguir este impulso tão próprio da infância esteja onde estiver, com o que lhe for disponível. E além de ser um prazer para ela, é fundamental para seu desenvolvimento, sendo a base da inteligência criativa, tão necessária para a mudança do que nos cerca e a busca de novas possibilidades. Entretanto, como qualquer forma de inteligência, ela precisa ser desenvolvida para ter seu potencial atualizado, e os primeiros anos da infância são a época ideal para que esse desenvolvimento ocorra de forma mais intensa através de atividades apropriadas à etapa de vida dos pequenos. É, ainda, um estímulo ao pensamento reflexivo e um meio poderoso de trabalhar as emoções.

Brincadeiras-de-Crianca-em-Ingles

Não podemos esquecer que a brincadeira trabalha as dimensões cognitiva, afetiva e motora, contribuindo para o desenvolvimento integral da criança. Brincando, as crianças conhecem mais a si próprias e o mundo que as cerca, elaboram dificuldades, desenvolvem a linguagem corporal expressiva, as habilidades motoras e as possibilidades de interação. Dessa forma, é essencial que os educadores – professores, pais e responsáveis pela criança – lhes propiciem momentos de brincar.

4 competências das crianças de 4 anosComo já abordamos há um tempo, agendas lotadas tendem a causar estresse e algumas dificuldades como irritabilidade e agitação, pois a criança precisa de tempo para brincar, sua “profissão” nessa etapa da vida é esta. Brincar não é perder tempo, é ganhar em crescimento mental, emocional e motor, é nutrir-se e se fortalecer para lidar com os obstáculos que fazem parte da vida. O que importa é considerar as características da brincadeira de permitirem à criança momentos de entrega e integração, de estar vivendo imersa no aqui-agora. Neste sentido, pode viver as alegrias de pular amarelinha, pular corda, brincar de roda, com adivinhas ou trava-línguas, ouvir e contar histórias, brincar de casinha, com jogos de montar e uma infinidade de possibilidades.

Brincadeiras de faz de conta

A brincadeira de faz de conta, o que nossas menininhas na formatura viviam, merece uma atenção especial, neste texto, devido a ser um espaço-tempo privilegiado de constituição da criança como sujeito produtor de história e cultura, além de ser também uma rica possibilidade de interação infantil, desenvolvendo as habilidades linguísticas e o desempenho de papéis.

med07As brincadeiras de faz de conta ou jogos simbólicos permitem que a criança pense e vivencie situações novas ou aquelas que fazem parte de sua realidade sem sofrerem riscos, pressões ou repreensões. Ela pode deixar de ser a filha e ser a mãe, ao invés de aluno passa a ser professor, pode ditar regras, pilotar um avião, dirigir um carro, ser médico ou astronauta, princesa ou bruxa. Por meio deste brincar, a criança busca superar impossibilidades e contradições, lidar com regras, com o imprevisível (nunca se sabe o rumo a que a brincadeira pode levar), com sua visão da realidade e da fantasia. Trabalham valores de seu grupo, representações sociais de algumas situações, aspectos do seu dia a dia, entram em contato com características emocionais de seus personagens.

As crianças são levadas a negociar a estruturação da brincadeira, a escolha de espaços e de personagens, e se tornam membros de uma pequena comunidade, que também tem suas normas de conduta, seus papéis a cumprir, o que as ajuda a ganhar autonomia e se tornarem participantes. É um exercício para assumir seu lugar na sociedade. E se algo não está bom, sempre é tempo de mudar o rumo da história, um bom exercício de buscar saídas.

Em uma brincadeira de faz de conta, cenários podem ser construídos e objetos assumir diferentes funções. Embaixo da cama pode estar uma gruta a ser explorada, vassouras se tornam cavalos, caixas assumem mil possibilidades, a toalha sobre cadeiras se torna uma cabana indígena… O professor ou aqueles que cuidam das crianças podem lhes possibilitar materiais e dar ideias, o que além de estimulá-las, cria laços afetivos.DSC04880

Brincar de faz de conta para nossos pequenos é mais que aprender conteúdos escolares, é aprender sobre a vida e dar significados ao que os cerca, para que compreendam o mundo e se percebam nele e como parte dele. É uma valiosa possibilidade de a criança construir sua identidade, de se relacionar com o outro e com os objetos. E vale enfatizar que o professor tem um papel fundamental para que isso ocorra no ambiente escolar, principalmente, da educação infantil.

A escola tende a pedagogizar a brincadeira usando-a como uma preparação para ler, escrever e contar. Entretanto, a brincadeira tem um fim em si mesma, e, por si só é capaz de propiciar a construção do conhecimento e o desenvolvimento da criança, estimulando-lhe a capacidade de superar os obstáculos, de enfrentar dificuldades e de conviver. E convenhamos, mais que nunca é necessário trabalhar as relações humanas, o diálogo, as responsabilidades pessoais, o respeito, a solidariedade e o afeto.

As fotos  foram retiradas da web.

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