Muitos são os estudiosos da criança que nos trazem orientações inestimáveis para a compreensão do desenvolvimento infantil. Mas um deles me fascina pela forma como analisa este processo e pela visão de totalidade que nos oferece: Henri Wallon. Tendo sido médico e psicólogo, e se dedicado aos estudos da psicomotricidade, o estudioso francês nos oferece uma rica produção que analisa em amplitude e profundidade a evolução da criança e suas características. Mas também enfatiza as diferenças que podemos encontrar entre faixas etárias, de uma criança para outra, como se caracterizam os vários estágios de desenvolvimento, nos chamando a atenção para suas singularidades e para seu contexto.
A teoria walloniana considera a criança um ser global em seus aspectos afetivo, cognitivo e motor. Atribui, ainda, ao meio social um papel fundamental na formação e desenvolvimento da criança, tendo a observação sido utilizada como método essencial para compreender as atitudes e comportamentos infantis.
Falar da influência do meio, isto é, do contexto da criança sobre seu desenvolvimento, implica aspectos múltiplos: o ambiente físico, as pessoas que convivem com a criança, a linguagem e o conhecimento utilizados, o fato de esta criança ser mais ou menos estimulada, de receber mais ou menos atenção, de ser ou não acolhida. Estes aspectos interagem e tanto podem contribuir para o desenvolvimento da criança como para impedi-lo ou prejudicá-lo. Cada criança tem suas particularidades e uma história de vida diferenciada, por isso, cada uma tem um desenvolvimento próprio, inclusive aquelas que têm a mesma faixa etária. Mesmo gêmeos que estejam no mesmo ambiente podem ter processos diferentes: falar, andar ou se alfabetizar em momentos diversos, por exemplo. Isto porque se apropriam dos recursos que o meio oferece também de formas diferenciadas.
Assim, não devemos comparar nossas crianças ao amiguinho, ao primo ou a quem quer que seja. Cada um tem seu tempo e suas características. A ansiedade dos pais porque o vizinho, o priminho e a filha da amiga já estão lendo, mas seu filho ainda não, pode gerar ansiedade também na criança, assim como insegurança. Crianças se ressentem muito com as emoções dos que a cercam, é o chamado contágio emocional.
O processo de desenvolvimento passa por etapas progressivas, mas não é contínuo, podem ocorrer estagnações ou retrocessos. O processo de desenvolvimento é comparado pelo autor a um pêndulo: progride, volta ao anterior, regride, volta a progredir. Também ocorrem alternâncias entre a predominância dos aspectos cognitivos ou afetivos, entretanto sempre se mantêm integrados no processo de desenvolvimento: os afetos influenciam as relações e os processos de aprendizagem, e o corpo é o veículo principal de expressão intelectual e afetiva. Vale observar que a palavra afeto aqui não tem o mesmo sentido de carinho, mas daquilo que nos afeta, de nossos sentimentos e emoções: alegria, tristeza, raiva, medo, entre outros.
Enumero algumas lições que Wallon legou para todos nós, educadores, tanto pais quanto professores:
* O movimento é fundamental para que o pensamento se desenvolva e se organize;
* É importante que pais e professores saibam lidar com suas próprias emoções, pois estas influenciam sua atuação assim como o comportamento das crianças. As emoções são contagiosas. Já repararam que, na escolinha, quando uma criança chora, é uma choradeira geral? E que quando estamos mais agitados, as crianças também ficam?
* Outro ponto importante é a necessidade de aprender a ler os sinais que as crianças emitem, pois a infância é a fase em que as emoções se mostram com mais facilidade, é quando podemos interpretar as pistas fornecidas pela respiração, postura, fisionomia, entonação da fala, pelo olhar e pelos gestos com mais facilidade. Especialmente quando há mudanças marcantes, como uma criança que não que falar, comer, brincar…
* Tanto o movimento excessivo, quanto a sua “ausência” podem revelar a presença de uma determinada emoção. Criança muito quieta deve fazer com que o nosso sinal de alerta funcione.
* É papel da escola também promover o desenvolvimento da personalidade da criança, o que significa ir além do mero desenvolvimento das funções intelectuais; os progressos da inteligência que são, especialmente, responsabilidade do professor, dependem, em grande parte, do desenvolvimento da afetividade e da motricidade.
* Brincar é uma necessidade da criança e fundamental para o seu desenvolvimento. Sejam jogos, brincadeiras de faz-de-conta ou imitação são experiências importantes no desenvolvimento cognitivo, motor e afetivo das crianças.
* Quando a criança se movimenta, explorando seu corpo, suas possibilidades de ação, também explora sua atividade psíquica, uma vez que não somos formados por segmentos dissociados, somos uma totalidade em movimento. Assim, uma criança que só fica sentada em sua carteira copiando do quadro e, em casa, sentada diante da TV, do computador ou com um tablet ou celular nas mãos, perde grandes chances de se desenvolver emocional e cognitivamente.
* Uma característica importante do aspecto lúdico da brincadeira e do jogo é a finalidade em si mesmo. Se uma atividade se torna utilitária e subordinada a um fim, ela perde o atrativo e as características do jogo. Por exemplo, se ofereço brincadeiras apenas com um fim didático sem que proporcionem o envolvimento dos pequenos, estas tendem a se tornar maçantes e sem sentido. Cabe observar, que tudo que se torna rotina perde muito de seu encanto, e que é importante não fazer da brincadeira uma situação repetitiva, procurando dar à criança possibilidades de criatividade e autonomia.
O aprendizado mais eficaz não se dá quando a criança está imóvel sentada na cadeirinha e, sim, quando pode agir, tocar, experimentar, vivenciar. Uma postura muito rígida e autoritária pode afastar o aluno do professor e a rebeldia em sala de aula pode ser a forma que a criança encontra para denunciar essa carência de contato e de chamar para si a atenção do professor. É importante frisar que a educação autoritária contribui para o bloqueio da criatividade e da espontaneidade. Limites são essenciais, a criança não pode fazer o que deseja. Mas cabe aos educadores exercitarem também a sua flexibilidade e bom senso.
No próximo texto, vamos analisar os estágios que Wallon nos traz em seus estudos com base na idade dos pequenos.
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Fotos retiradas da web.