Ouvir ou ler histórias é muito mais que um grande prazer, é um direito e uma necessidade de nossas crianças. É estimular o gosto pela leitura, o que significa abrir possibilidades de descoberta e de apreensão do mundo em que vivemos, de abrir portas para novas ideias, sonhos e invenções. É estar acompanhado, mesmo que solitário. É muito importante para a estruturação psicológica da criança, para sua educação emocional: uma forma de “exorcizar” fantasmas, crenças, preocupações e ansiedades. O encontro com a fantasia permite que se entre em contato com questões inconscientes que precisam ser trabalhadas, mexidas, (re)arrumadas. Imagens se constroem, novas estruturas se articulam, os sonhos voam, percorrem terras distantes, ou, quem sabe, palmilham o chão próximo que precisa ser mais bem conhecido, o chão das emoções que estão amontoadas, confusas, espantadas, esperando a chance para se recomporem, serem entendidas e conhecidas.
Quem não gosta de ouvir histórias? Elas falam à alma infantil e também à “criança” que existe em todo adulto. O texto literário infantil toca a sensibilidade muito facilmente, abrindo espaço para a percepção do mundo do ponto de vista da criança, traduzindo, então, suas emoções, seus sentimentos, seus desejos, seus sonhos… A literatura infantil faz com que a capacidade de percepção e sensibilidade se desenvolvam, pois vai atuar principalmente sobre o sensível. Podemos apreender o mundo pela razão (lógica) ou pela intuição (imaginação). A linguagem informativa favorece a apreensão racional da realidade, ao passo que linguagem poética é a que, basicamente, permite a apreensão intuitiva. É através dela que os sonhos e as fantasias do ser humano se expressam. Vivemos momentos difíceis, momentos em que precisamos sonhar uma nova realidade, criar novas saídas, imaginar dias melhores. Assim, fica fácil entender a importância dos textos literários para o trabalho em sala de aula e em casa também.
As obras de literatura infantil se destacam pelo seu aspecto contemporâneo e por criar uma imediata empatia personagem-leitor. A vida, suas situações problemáticas, seus encantos e desencantos pulsam em cada página. Redescobrem-se sentimentos, reavivam-se emoções. Lá estão “nossos” medos, “nossas” angústias, “nossas” alegrias, “nossas” esperanças… Nesse encontro, cria-se um elo de cumplicidade. Dissolve-se a solidão. Ali estou “EU”, ali estão os amigos e os opositores, a sociedade em que vivo… Cria-se, assim, o processo de identificação, de adesão afetiva.
Os contos infantis atuam também, em nosso processo de conscientização crítica por permitirem níveis novos de compreensão, não só de si, mas também do outro. Além do trabalho interno que se processa com a literatura infantil, esta apresenta uma linguagem capaz de seduzir não apenas as crianças, mas também os adultos. Não é à toa que a criança, muitas vezes nos pede: Conta de novo?! Ela já sabe a história, até nos corrige quando mudamos alguma coisa, mas precisa ouvi-la mais uma vez, e mais outra … para se organizar internamente, ter respostas para suas dúvidas, saber que mais alguém (no caso, alguma personagem) também vive o mesmo conflito, tem as mesmas dúvidas, pode resolver o que é necessário, que pode ter um final feliz…
O texto literário tem características imaginativas, criativas e lúdicas que trazem muito encantamento e desenvolvimento cognitivo; traz também contribuições para a formação do pensamento crítico e para a reflexão, o que é fundamental para a aprendizagem. Levanta questionamentos sobre a realidade, possibilita que o mundo possa ser mais bem decodificado e compreendido.
Devemos ficar atentos à escolha dos livros, uma vez que muitos trazem apenas imagens bonitas, mas nada de instigante, de criativo. Nada que permita à criança se aliar aos personagens, se envolver com a trama, viajar na fantasia, se fazer perguntas, procurar respostas… E a ilustração também conta uma história, é um outro texto que se abre aos olhos da criança (e também aos nossos).
Os textos infantis não são um simples recurso para desenvolver a leitura, são uma verdadeira linha condutora de muitas aprendizagens. Através deles, se desenvolve a percepção de si e a sensibilidade. Sensibilizado para si mesmo, o homem se sensibiliza para o outro, sendo capaz de melhor compreender e melhor conviver.
No texto infantil, valoriza-se a palavra sonora, o jogo verbal, a plurivocidade da linguagem, ou seja, a multiplicidade de sentidos, o encantamento de manipular significantes (a forma das palavras) e significados. E aí está a ludicidade que atrai, que desperta ideias e emoções, que estimula a criatividade, que desvenda o mundo fantástico das relações simbólicas onde sempre há uma janela a ser aberta.
Geralmente, mais abertos ao jogo, à fantasia e ao universo poético que o adulto, o texto pode se tornar uma grande brincadeira mágica para os pequenos em que tudo pode acontecer, em que tudo pode ser recriado, em que os interesses comunicativos são menos importantes que os imaginativos.
Quando se fala em textos para “crianças”, não se pode deixar de lado a figura do contador de histórias, elemento importantíssimo nesse processo. É ele quem facilita a entrada nesse mundo mágico, quem pode aproveitar os recursos de voz e expressão, chamando a atenção do ouvinte para detalhes e particularidades nas incursões por esses novos-velhos caminhos. É quem vai dirigir o prazer de ler, criar e recriar, quem vai orientar a descoberta da euforia e da plenitude consequentes ao ato de fruição estética, ou seja, de desfrutar a beleza, de se deleitar. E quem poderá assumir esta “mágica” tarefa? Os educadores, naturalmente.
O psicólogo Bruno Bettelheim, que se dedicou aos estudos dos contos de fadas, observa que aqueles que contam histórias cheias de aventuras, magia e encantamento para as crianças, criam uma maior aproximação afetiva com elas, pois entram no jogo infantil. Ao fazê-lo, passam a mensagem de que as aceitam como são, respeitando a forma de raciocínio mágico dessa faixa etária. Como não há reprovações, o pensamento infantil se sente livre para manipular os significados do conto, podendo aprovar ou desaprovar, aceitar ou descartar e elaborar a seu modo as ideias que lhes são apresentadas, o que eu considero importante, também, para estimular sua autonomia.
A leitura de textos de literatura infantil sempre foi uma constante em minhas atividades docentes – tanto para crianças, quanto adolescentes e meus alunos da Universidade, desde que me envolvi com este universo mágico. Tais textos facilitam a reflexão, motivam, humanizam, preparando terreno para novas incursões no campo da compreensão humana. Posso afirmar que sempre trouxeram ganhos valiosos, estruturando e aprofundando os laços afetivos.
Mais adiante, voltarei a esta temática, trazendo mais algumas reflexões e propondo algumas sugestões para usar os livros em sala de aula ou na sala de casa. O tema é muito significativo e merece nossa atenção, até porque, em tempos de muita internet e de fast food, fast reading (leitura rápida), fast tudo, pois tudo parece urgente e tem que ser rápido, acabamos, se não tomamos cuidado, caindo na superficialidade. Mas o que é fundamental, como a preparação de nossos pequenos para a vida, não pode se tornar fast também, passando batido pelas suas vidas. Deles depende a possibilidade de criarmos um mundo melhor.
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Abraços e até a próxima postagem.