Autorregulação, couraças, pulsação e respiração: o que têm em comum?

O que é importante sabermos?

Em alguns de nossos artigos anteriores, citei Wilhelm Reich, médico e cientista, e os conceitos acima, elementos fundamentais da sua teoria da unicidade soma-psique (corpo-mente). Esta é a primeira relação que une estes elementos que vamos aprofundar um pouco mais neste artigo, pois são muito significativos para todos nós, incluindo nossas crianças, que são o foco deste blog. São conceitos essenciais também para entendermos nosso fluxo de bioenergia que, se equilibrado, permite maior vitalidade e uma vida mais saudável.

Autorregulação e as couraças

Reich considera que todos nós temos uma aptidão natural para administrar nossas necessidades básicas tanto biológicas quanto energéticas: a autorregulação. Este é um mecanismo que permite circulação de energia e cria possibilidades de resposta a múltiplas alterações, permitindo que nosso organismo se adapte às demandas que surgem, gerando modificações corporais necessárias como, por exemplo, o controle da temperatura e da pulsação. Assim, estas alterações atuam como um modo de proteção ao organismo. Para o autor, a autorregulação supõe a existência de uma espécie de competência espontânea, visceral, uma capacidade do próprio organismo, que, se saudável, é um sistema autorregulado. Reich aponta uma relação entre um fluxo natural e espontâneo dessa energia e empecilhos que podem prejudicá-lo no processo educacional da criança seja ele familiar ou escolar.

Quando as necessidades básicas da criança não são atendidas, o que se observa, principalmente na educação autoritária ou com altos níveis de violência física ou psicológica, ocorre o encouraçamento, isto é, a formação de couraças musculares. As couraças têm por finalidade proteger a criança, bloqueando emoções com que ela não consegue lidar como o medo muito intenso. Cria-se como que um escudo de proteção. No entanto, embora a protejam da dor, interferem na expressão espontânea dessa criança, impedindo a livre circulação da energia vital, dificultando o processo autorregulador.

Reich apresenta o conceito de couraça como uma “solução inconsciente” para suprimir o medo e permitir uma expressão que seja aceita socialmente. Por exemplo, a criança chora devido a uma grande frustração, mesmo que justa como não poder usar o celular à mesa. Afinal, todos os amiguinhos estão usando. Chorar é uma reação espontânea e deixá-la chorar seria a solução. Meninos e meninas têm esta reação natural e, na maioria das vezes, vão aos poucos internalizando que o uso do celular tem restrições. Mas se a criança é obrigada a engolir o choro seguidamente à custa de castigos severos, ela acaba buscando se adaptar ao exigido, perdendo o direito de expressar sua frustração também compreensível e segurando este choro pela contração do abdômen e a contenção da respiração.

Quero deixar bem claro que as frustrações fazem parte do processo educacional, o que foi tema dos dois últimos artigos. O que precisa ser evitado são as formas de violência com a criança. Também é importante saber que a criança expressar suas frustrações é saudável, exceto se forem manifestadas com mordidas, socos, chutes ou outras atitudes inaceitáveis. Expressar emoções apropriadamente é uma aprendizagem necessária.

Embora evite um maior sofrimento, como vimos, as couraças interferem no fluxo da energia e na autorregulação. Leonardo Jeber, estudioso da teoria reichiana, enfatiza que “a autorregulação é possibilitada por um entorno acolhedor na organização da aula e no jeito de o educador se vincular e se posicionar diante dos alunos, o que significa também colocar limites, mas nunca com violência”. Chamo a atenção de que esta afirmação é válida também para a relação entre pais e filhos. É muito importante, também, ter clareza de que atitudes permissivas, a total falta de limites, o hábito constante de “passar a mão na cabeça da criança” ou fingir não ver seus erros são atitudes extremamente perniciosas como discutimos anteriormente.

 

Respiração, pulsação e flexibilização das couraças. Como o respirar bem vai se perdendo?

Respirar bem é fundamental para o bom funcionamento do metabolismo humano, porém, as tensões do dia a dia fazem com que a respiração profunda passe a uma respiração curta e superficial. Tentando evitar sensações de angústia e ansiedade, a criança interrompe o ritmo natural da respiração e tensiona o abdômen, tentando se proteger, diminuindo sua capacidade respiratória. Esta atitude é automática e universal. Entretanto esta diminuição da capacidade respiratória contribui para reduzir o fluxo energético, assim como o fluxo da criatividade, da autonomia e da espontaneidade.

Respirar profunda e relaxadamente aumenta o senso de concentração. Também não podemos esquecer que, ao se reequilibrar a respiração, se reequilibra a energia emocional. Através da respiração profunda há aumento da carga energética, o que significa, literalmente, que o corpo ganha mais vida. Reich enfatiza que o oxigênio fornece a energia que move o organismo, logo, quando a respiração é inadequada, o nível de vitalidade do organismo tem uma queda sensível. Respirar é equilibrar a pulsação vital, o que significa equilibrar todo o organismo.

O contínuo estado de contração, de tensão ou o seu oposto, um estado permanente, de lassidão, não são desejáveis, e sim o equilíbrio entre contração e expansão.  Esta pulsação que Reich denomina de homeostase é o que favorece a autorregulação.  A ausência de pulsação representa o encouraçamento. 

Conter a respiração é um mecanismo natural de defesa, uma vez que ela é afetada diretamente pelos estados emocionais. O medo de algo visto como perigoso ou de uma punição gera ansiedade que bloqueia o diafragma. Imagine uma criança que vive com medo de levar uma surra quando o pai chegar em casa. Mesmo que não aconteça, o fato de quem cuida dela repetir o dia todo: “quando seu pai chegar, você vai ver, vai ter castigo”, é o suficiente para que o diafragma seja afetado pela ansiedade quando o carro do pai entra na garagem ou a porta de casa se abre. Também poderia ser a insegurança devido a alguém de quem a criança espera amor que sempre afirma que não gosta mais dela pelos atos cometidos. Serem amados é uma necessidade dos pequenos (Aliás, é uma necessidade de todos nós). Podemos dizer sim que não gostamos do que eles fizeram, que ficamos zangados, mas não que deixamos de amá-los. Há um arsenal de atitudes que geram tensão e se transformam em verdadeiros pesadelos: “O monstro vai levar você embora. Ele tá chegando” ou “Se teimar, o bicho papão vai pegar você. Ouviu o barulho dele? Ele está andando no telhado”. Vale lembrar que nosso cérebro não distingue o que é verdadeiro do que não é, mais uma razão para termos cuidado com o que falamos para a criança.

Essa interferência das emoções na respiração é fácil perceber em nós: a raiva nos faz respirar mais depressa, pois o organismo se prepara para o ataque/defesa; o medo paralisa, então, o diafragma se contrai e a respiração fica contida, bloqueando a ação; os estados de tranquilidade e de relaxamento nos permitem uma respiração mais profunda.

A educação autoritária faz com que o professor se mantenha distante do aluno, por acreditar que os vínculos afetivos interferem negativamente no processo de aprendizagem e tiram sua autoridade (uma grande inverdade). Assim, acabam desconsiderando que, especialmente na primeira infância, o aconchego, a aproximação corporal, o abraço carinhoso, o saber ouvir e acolher são necessidades básicas da criança.

Os estudos reichianos e de seus continuadores como Alexander Lowen, criador da Bioenergética, nos mostram que quando não respiramos de forma apropriada (e poucos de nós o fazem) podemos ser acometidos por sentimentos e sensações de derrota, apatia, de medo, de angústia, de impotência. O baixo fluxo de energia nos torna apáticos, com menor nível de sensibilidade e de atenção. No momento que estamos vivendo, que gera tanta tensão e insegurança, as atividades de respiração devem fazer parte da nossa rotina diária.

Hoje, ficamos por aqui. No próximo post, vamos analisar as orientações da Bioexpressão para equilibrar a autorregulação e flexibilizar as couraças. Seus comentários, sugestões e dúvidas são sempre bem vindos. Preencha o espaço abaixo que responderei assim que possível.

As imagens foram retiradas da web

Grande abraço e até o próximo

 

Se desejar aprofundar em autorregulação sob o enfoque reichiano, leia o texto de Leonardo Jeber em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-98432006000100005

Resiliência e Bioexpressão: alguns arremates

Nos dois textos anteriores, trouxemos algumas definições e analisamos possibilidades de estimular nossa capacidade resiliente que desejo tenham podido ajudá-los a se sentir mais confortáveis em sua primeira casa – o seu corpo. A proposta deste texto é sintetizar o que vimos de forma a realçar os aspectos mais significativos dos dois artigos, complementando pontos citados.

A resiliência pode ser definida como a capacidade de passar por dificuldades e superá-las, mesmo que sejamos afetados por elas, pois não somos invulneráveis. Cada indivíduo tem sua própria maneira de lidar com as adversidades, assim, uma mesma causa estressora pode ser vivenciada de forma diferente por diferentes pessoas. Como vimos antes, a resiliência não é inata e pode ser desenvolvida em circunstâncias específicas. Também não é um atributo que se mantenha inalterável, pode se modificar dependendo das situações, tanto do nosso meio ambiente quanto do nosso mundo interno.

No decorrer da vida, uma pessoa pode se deparar com inúmeras situações que trazem uma forte carga de tensão que aumenta a probabilidade de vivenciar problemas físicos, emocionais e sociais. Desemprego, morte de um ser querido, separação, acidentes, doenças na família, e até outros menos traumáticos podem nos desestabilizar bastante, como lidar com problemas no ambiente de trabalho, a conhecida síndrome do ninho vazio com a saída dos filhos de casa, a aposentadoria, afastamento de um amigo próximo, dificuldades financeiras entre tantas outras circunstâncias das quais não temos como fugir. Se temos suporte emocional através da família, dos amigos, da nossa relação com a espiritualidade, lidar com os problemas pode se tornar mais fácil. E também podemos nos beneficiar de formas de cuidar de nós que possam nos fortalecer e equilibrar. Antes de relembrar e ampliar um pouco a listinha dessas formas de proteção aos riscos que todos nós corremos, quero trazer para vocês um conceito que trará maior compreensão de como agem essas formas de proteção: o de autorregulação. Apresento-a de maneira bem simplificada, apesar da sua complexidade, para que possam compreender um pouco mais a sabedoria de nosso organismo.

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Movimento livre expressivo

Autorregulação é um elemento central na teoria reicheana, base da Bioexpressão. É ela que permite a circulação energética no organismo e cria mecanismos de resposta às tensões do ambiente, modificando aspectos corporais e se adaptando às necessidades que surgem, atuando como forma de proteção. Entretanto, se esta circulação energética apresenta bloqueios (daí as sugestões dadas nos textos anteriores), as funções vitais sofrem alterações, havendo redução dessa capacidade autorreguladora. Para Wilhelm Reich, a autorregulação supõe a existência de uma espécie de competência espontânea, visceral, uma capacidade do próprio organismo, o que significa que um organismo saudável é um sistema regulado em si mesmo. Mais que permitir a volta ao estado de equilíbrio, a autorregulação permite um impulso para a mudança.

Autorregulação se relaciona à possibilidade de agirmos com autonomia e criatividade, respondendo adequadamente ao que a vida nos exige, gerando transformações. Isso, muitas vezes, pode significar não agir, esperar, se dar cuidado e atenção. Entretanto, não raro, estamos tão tensos, tão afastados de nós mesmos, de nossa corporeidade, tão paralisados pelo medo, pela insegurança, sem a percepção clara do que é realmente importante para nós, tão presos às exigências sociais e profissionais, tão embaralhados com os problemas, que essa capacidade de autorregulação de nosso organismo se perde. Não conseguimos ouvir que nosso corpo grita por socorro, que nossas emoções se chocam e não lhe damos atenção.

esticar-a-cordaEm textos anteriores, me reportei às dificuldades de respiração profunda, de relaxamento e de expressão das emoções; do mau uso do nosso corpo que gera tensões musculares, dificuldades espaço-temporais, desconhecimento de nós, dos sentidos mal trabalhados, da cenestesia embotada. Estas são também causas de nossa autorregulação não funcionar tão bem, pois este mau uso de si gera má distribuição do nosso fluxo energético. Imagine uma corda muito esticada, que sofre uma pressão maior do que pode suportar. O que acontece? Isso mesmo: arrebenta! Não é à toa que, muitas vezes, acabamos por adoecer.

Vale ainda relembrar o que José Tavares, estudioso da resiliência, apresenta como características resilientes: vínculos afetivos, autoestima positiva, flexibilidade, criatividade e autonomia. Outra característica que acredito ser fundamental e que é considerada por alguns estudiosos como um grande pilar da resiliência é o humor. Este tem múltiplas formas de se apresentar, mas sempre se mostra como um modo criativo e crítico de confrontar a adversidade. Volto a afirmar que acredito que o brasileiro é tão resiliente por ser capaz de fazer graça tanto a partir das coisas mais banais quanto das mais graves que afetam o país inteiro. Tirando as grosserias e o mau gosto, o humor  permite expressar o que incomoda com mais leveza, pode provocar boas risadas e, como diz o povo, “desopilar o fígado”. E a alegria é um excelente tônico para nos fortalecer. Humor e resiliência

Então, vamos relembrar as atividades que podem nos ajudar a lidar com as dificuldades, expandindo nosso fluxo de energia vital, ou seja, nossa vitalidade, trazendo-nos maior equilíbrio e bem-estar, além de estimular as características resilientes:

Respiração profunda consciente e meditação;

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Dança em espiral, variação da dança circular

Atividades artesanais, yoga, tai chi chuan ou danças circulares, entre outras, enfim atividades de cunho terapêutico e que são formas de meditação em movimento, pois nossa atenção está plenamente voltada para elas quando as executamos;

Massagens que podem ser realizadas por profissionais ou entre pessoas que tenham empatia e desejo de se cuidar e cuidar do outro;

Movimentos livres que permitam a entrega do corpo ao som de músicas que nos fazem bem e que convidam nosso corpo à expressão e muitas outras que estimulam nossa corporeidade.

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Massagem em duplas em um encontro de Bioexpressão

A música merece uma nota especial, pois ela favorece o desligamento dos ruídos externos, dos “barulhos mentais”. Anima o corpo em movimento, ajuda a eliminar zonas de resistência e leva o corpo a distender-se de forma mais instintiva, emocional. A música induz o corpo a abandonar a inércia, ajudando a superação de temores.

Nosso organismo é profundamente afetado pela música, que provoca mudanças biológicas como alterações nos batimentos cardíacos e na respiração; diminui a fadiga muscular, amplia o trabalho metabólico, a sensibilidade, facilitando o acesso a outras formas de estímulo e percepção. O sistema auditivo está diretamente conectado com o sentido do equilíbrio e da direção, do qual depende o controle dos movimentos.

Procure passar um tempo, sempre que possível, com pessoas de alto astral, alegres, de bem com a vida. Principalmente se já estiver para baixo, evite aqueles que adoram falar de doenças, que vivem de mau humor, que sempre têm um comentário azedo. E fale apenas de seus problemas com quem possa lhe dar apoio e/ou um retorno nutritivo.

As sugestões que apresento foram vividas por mim e por muitos participantes dos encontros de Bioexpressão, trazendo respostas positivas. Passamos a ter maior percepção de nós e do nosso entorno, nos dando a oportunidade de refletir e criar possibilidades para enfrentar os desafios aos quais somos expostos ao longo da vida e de investir em nosso processo de desenvolvimento da capacidade resiliente, o que contribui para uma melhora da qualidade de vida tanto pessoal quanto profissional.13770290_10204920654056500_2867686598932824908_n

Mas para que isso aconteça de fato, é importante fazer uma pausa, desligar o piloto automático, prestar atenção a você, se entregar ao vivido, ser tocado por ele, sentir seu corpo, ouvir suas emoções, deixar-se expressar, ter paciência e carinho com você, respeitar suas dificuldades (comece pelo mais fácil), persistir e se dar conta de que você pode ter um belo encontro com você mesmo(a) e que isso é muito bom e revigorante.

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos utilizadas são de meu arquivo pessoal  e da web.

Grande abraço e até nossa próxima postagem, quando nossos pequenos reassumem seu protagonismo!!