Há poucos dias, passei de carro por lugares onde vivi minha infância no Rio de Janeiro. Não foi a primeira vez que passei por lá, mas, talvez por estar com minha neta, várias situações da minha infância voltaram de uma forma muito viva: algumas muito boas e outras nem tanto. Acabei mudando o rumo do que pretendia escrever hoje, pois, depois de muitos anos já vividos, consigo ver com clareza o quanto podemos criar imagens negativas de nós mesmos devido a pequenas coisas que vivenciamos desde a primeira infância e que vão sendo reforçadas ao longo dos anos, nos exigindo um trabalho árduo de colocar nossa autoimagem no seu devido lugar, quando “crescemos”, para que tenhamos uma vida mais plena.
A autoestima refere-se à maneira como alguém avalia a si mesmo, o que pode expressar aprovação ou reprovação (no caso de uma baixa autoestima); refere-se à maneira como a pessoa se vê ou se sente – capaz ou incapaz, significativa ou insignificante, boa ou má, por exemplo. A maneira como a criança se sente em relação a si mesma, a forma como se vê, certamente, sofre a influência das mensagens que recebe do seu entorno desde os primeiros anos de vida. É uma experiência subjetiva, ou seja, se relaciona à própria percepção de uma pessoa, o que pode se tornar acessível a outros através da expressão verbal e de comportamentos que podem ser observados.
As pessoas importantes para a criança, especialmente os pais e aqueles que são responsáveis pelos seus cuidados iniciais, têm grande influência sobre ela e a formação da imagem que tem de si mesma, o que vai interferir na forma com que vai gerir sua vida, assim como nos rumos de seu processo de amadurecimento. A criança quer ser amada, e para isso, muitas vezes, contraria necessidades básicas ou seu modo natural de ser para ser aceita e aprovada pelos que ama. Quando as pessoas vão se afastando de seu próprio potencial, tentando ser aceitas ou sendo direcionadas pelo que os outros valorizam, tendem a se tornar retraídas e ansiosas.
Não se trata de forma alguma de deixar de orientar e corrigir a criança, de deixar de lhe impor limites, isso faz parte do processo de educar que pais e professores têm a seu cargo, trata-se de ser necessário que suas dificuldades e especificidades, ou seja, de que sua forma de ser seja respeitada. É importante que os sentimentos da criança sejam reconhecidos; que ela seja estimulada a vencer desafios e superar dificuldades, mas sem críticas negativas se ainda não conseguiu chegar lá; elogios pontuais são sempre bem vindos, e os erros podem ser mostrados com amorosidade. É fundamental sermos honestos, não mentindo para ela; dando-lhe possibilidades de fazer escolhas para ganhar autonomia sempre que possível e quando não prejudicar a disciplina necessária. E cuidado com as generalizações: “Você é muito chata… (muito boba… muito teimosa… irritante)”, “não gosto mais de você”, “você nunca faz o que digo”, “nunca faz as coisas certas”, “sempre faz manha”, “sempre faz bobagem”. Seja mais específico: “estes gritos me incomodam”, “não gosto quando chuta seus brinquedos”, “entendo que está zangada, mas não adianta se jogar no chão!”, “com esta manha, não vai conseguir nada”. Sei o quanto uma criança pode nos irritar em determinados momentos, mas nós somos os adultos da relação, não podemos agir como crianças. Vale contar até dez e respirar fundo antes de reagir.
Na universidade, ouvi relatos de algumas alunas que lembravam de professoras que as chamavam de burras ou afirmavam que nunca iriam aprender e o quanto isso as marcou e interferiu em sua autoestima. Usar formas depreciativas pode causar marcas profundas, especialmente se vêm reforçar uma autoimagem negativa já existente. Tive uma aluna muito quietinha num oitavo ano de uma escola particular, e era comum perceber pelo seu olhar que não havia entendido alguma coisa, mas não fazia perguntas, mesmo se eu lhe dava essa chance. Um dia fiquei com ela na sala para conversar depois da aula sobre isso. Ela, muito tímida, me contou que fora ridicularizada, anos atrás, por um professor que lhe disse gerando risos da turma: “Se é pra perguntar bobagem, fique de boca fechada”. É triste, mas alguns professores também fazem bullying.
Trabalhar a corporeidade da criança, de que temos falado em artigos anteriores, é fundamental para um sentido mais forte de si. Trabalhar respiração e relaxamento, bem como oferecer-lhes atividades que trabalhem os cinco sentidos e movimentos corporais é fundamental, pois isso a faz entrar em maior contato consigo, a aprender sobre suas possibilidades e, não, se ver a partir do outro. Sentirá maior bem-estar e será mais ela mesma, sem tentar ser como “alguém” gostaria que fosse.
Nem todas as crianças são afetadas por atitudes depreciativas, vai depender de seu grau de sensibilidade, de seu histórico de vida e de suas características. Crianças que crescem cercadas por afeto, atenção e estímulo têm chances bem maiores de desenvolver sua autoestima. Entretanto serem humilhadas, rejeitadas ou sofrer punições descabidas ou intransigentes pode resultar em uma baixa autoestima e em se acreditarem merecedoras de desrespeito.
Acredito que uma criança que tenha uma alta autoestima e apoio afetivo pode lidar com situações de bullying de forma mais tranquila que aquelas que a tenham baixa. Quem leu o artigo anterior sobre resiliência, deve se lembrar que a autoestima positiva é uma das características do ser resiliente, assim como os vínculos afetivos, a autonomia, a criatividade e a flexibilidade, características estas que nos dão condições de lidar com as dificuldades que todos nós enfrentamos ao longo da vida.
Este assunto não se esgota aqui e a ele retornaremos mais adiante, pois a autoestima contribui para que o indivíduo não se deixe levar pelo que os outros querem e valorizam por se julgar incapaz de aceitar a si mesmo.
Suas sugestões, comentários e perguntas são sempre muito bem-vindos. Deixe-os no espaço abaixo. Responderei assim que possível.
Um grande abraço e até a próxima.
Fotos de meu arquivo pessoal.