“Vovó, está muito complicado ter aula pela internet. Fico com a mão levantada um tempão, tenho colegas que não respeitam a professora, que conversam entre eles… Fico muito cansado e muitas vezes não consigo ouvir. (…) Parece que pra ela também é difícil”. A fala de meu neto, que está cursando o segundo ano do Ensino Fundamental II, traz alguns dos problemas vividos com as aulas remotas. São problemas que unem crianças, mães e professoras. Tenho pessoalmente vivido algumas dificuldades com cursos pela internet, e procurado ouvir especialistas, assistir a seminários, ler desabafos de pais e educadores, mas este não é o espaço para aprofundamentos. Acredito, porém, que saber que as dificuldades vividas não acontecem apenas conosco, pode nos ajudar a redimensionar a questão.
Perguntei a meu neto: qual a pior coisa e a melhor de não poder ir à escola? Ele adora a escola e ficou muito triste com a parada das aulas. “A pior é não poder abraçar os amigos, conversar com eles, estar lá. A melhor é ficar protegido”. Esta resposta aponta para uma questão fundamental: é um momento de preservar a saúde, de preservar a vida. Embora com pouca idade, com a conversa que tivemos, ele deixou muito claro que este é um momento difícil, que não pode estar conosco, seus avós, com quem se preocupa, não pode estar com os amiguinhos da escola, ir à pracinha onde brinca após as aulas e subir nas árvores; que não pode tomar sorvete na padaria perto de casa, ou brincar com os amiguinhos do prédio onde mora. É um tempo de reclusão, sofrido e preocupante. É importante entender que a criança, como nós, adultos, se ressente com tantas mudanças e tantas dificuldades; que não é estranho que surja irritação e agitação excessiva.
Após um tempo de adaptação, as escolas começaram a oferecer aulas remotas. Pensando nisso, resolvi fazer uma pesquisa informalíssima, mas que me permitisse ouvir algumas vozes, saber de colégios e locais diferenciados, de formas de ação. Isso porque em uma linha de percepções, tem-se de “acho ótimo” a “isso não faz sentido”. Pedi ajuda a ex-alunas que são mães e professoras. Por uma questão de respeito só darei o primeiro nome daquelas que me autorizaram a isso, às demais dei um nome fictício. Também omiti o nome das escolas. A intenção aqui não é tecer críticas ou tecer comparações, mas apresentar um quadro que claramente mostra que as experiências são muito variadas e que há um esforço muito grande das professoras no sentido de fazer algo para o qual não foram preparadas na grande maioria das vezes.
Quando falamos de aulas remotas, estão incluídos os aspectos humano, tecnológico e metodológico que não podemos desconsiderar. O lado humano é muito marcante, as professoras com quem tive contato sentem saudades, deixam recadinhos e fica evidente em suas falas que se preocupam com os pequenos. Tecnológica e metodologicamente, todas as professoras entrevistadas foram unânimes em afirmar que foi muito difícil no início, e que ainda há muitas dificuldades a serem vencidas. Mas que já não gastam tantas horas para conseguir um pequeno vídeo, nem tentar tantas vezes até sair bom. Algumas me enviaram os vídeos que vêm fazendo, onde claramente se percebe o cuidado e o empenho. Mas ainda persistem aulas em que a professora fala e os alunos ouvem, precisamente pelo desconhecimento de técnicas às quais nunca tiveram acesso. Há escolas que oferecem aulas três vezes por semana e nas terças e quintas enviam atividades escritas. Outras oferecem as aulas todos os dias e chats para que os alunos tirem dúvidas. Há, ainda, outras formas de comunicação com os pais. Não há uma forma única.
Laura, professora de uma escola particular em Belo Horizonte, conta que fica desesperada, pois, no grupo de whatsapp destinado aos pais, estes perguntam, o que chega a ser um absurdo, como o que fazer com a agitação da criança, com o fato de não querer acordar de manhã para a aula, de a criança estar sendo agressiva ou levantam questões que estão descritas nos vídeos enviados e que a própria criança poderia responder se ouvido com atenção. A ansiedade dos pais quer respostas da professora, que não é formada para ser psicóloga nem para assumir responsabilidades com o que não lhe cabe, tirando-lhe um tempo precioso de cuidar da própria família. Outro problema que também se mostra é o fato de os pais fazerem as tarefas, possivelmente para acabarem logo. A quem isso ajuda? Qual o objetivo disto?
Um aspecto fundamental que não pode ser desconsiderado é que as aulas remotas para quem as acompanha causam um desgaste muito maior que as aulas presenciais. O Professor José Moran, renomado estudioso e conferencista sobre novas tecnologias, assim como o neurologista Fernando Gomes entre outros estudiosos das neurociências enfatizam que o tempo de aulas virtuais não pode ser o mesmo das aulas presenciais. Elas exigem atenção maior e um maior nível de perda de energia, o que aprofundaremos no próximo post.
O que dizem as mães-professoras: alguns depoimentos
Juliana trabalha em uma instituição particular de ensino onde seu filho também tem aulas, em São Joao del-Rei – MG. Ela diz: “Como mãe não está sendo fácil, e não tenho tido tempo de acessar a plataforma todos os dias. Deixo para o fim de semana, fica tudo acumulado. Meu menino fica muito cansado, apesar de a professora ser bastante dinâmica e apresentar vídeos e jogos atrativos, ele não consegue fazer as atividades sozinho devido à idade, tem só seis anos, está no primeiro ano. Eu tenho apenas um notebook e fico das nove da manhã às nove da noite por conta das aulas que tenho que preparar para meus alunos,de responder aos pais no whatsapp, aos alunos no chat e de preparar os vídeos e as atividades”.
Enquanto estava relendo as falas de Juliana, ela me enviou um áudio, me contando do retorno ao trabalho como supervisora na Prefeitura, também remoto, e como a vida dela virou uma loucura com todas as atividades que lhe cabem preparar. E ainda há um agravante que não podemos desconsiderar. Estamos em meio a uma pandemia que nos cobra cuidados especiais, isolamento social e todas as dificuldades que a vida doméstica nos exige. Como será isso, vai deixar de dormir? E seu filho que já vem, com certeza, sentindo falta de sua presença e a falta do acompanhamento regular, pois só o tem maior nos finais de semana. Como será? Como dar conta de tudo, especialmente, quando há senso de responsabilidade e comprometimento?
Jaqueline foi minha orientanda de doutorado em Oviedo, na Espanha onde mora. Para suas meninas as aulas remotas não foram um problema como para muitos dos nossos professores e de nossas crianças. Está sendo uma experiência positiva, porque a escola já usava a plataforma há quatro anos como uma forma complementar e todos têm um computador, o que infelizmente não ocorre aqui. O governo se encarrega de garanti-los. Têm aulas por videoconferência, trabalhos em grupo, podem compartilhar experiências com os colegas. A mais velha, já exercitada nas aulas remotas antes do distanciamento social, resolve bem suas atividades. Mas mesmo assim, a menor tem dificuldades e necessita de apoio constante dos pais que se alternam para ajudá-la, até pela pouca experiência com as aulas virtuais, uma vez que está há menos tempo na escola. Segundo Jaqueline, as escolas rurais e públicas também tiveram acesso a computadores via governo.
Neste aspecto, temos um grave problema em nosso país, pois há um número enorme de crianças que não possuem computador, nem rede, e há aqueles que vêm tentando aprender na pequena tela de um celular. Uma amiga me conta que leu que há alunos que enfrentam grandes caminhadas para chegar ao alto de um morro onde é possível o acesso à rede.
Renata mora em Campo Grande – MS, é professora da rede municipal e tem dois filhos com ensino remoto, um de 6 anos no Primeiro Ano e outro de 9 anos no quarto ano. Ela diz: “No início achavam chato pelo excesso de atividades, mas a escola se reorganizou, as crianças se acostumaram e gostaram da integração com os colegas. Mas para os pais ainda é bem complicado!”
Renata, que é pedagoga, pontua que, se com formação pedagógica é difícil, que dirá para quem não a tem, ainda mais para crianças que estão no processo formal de alfabetização como um de seus meninos.
Renata me conta que a Secretaria de Educação solicitou que os professores fizessem um caderno de atividades. A escola imprime e entrega aos pais. “Não fazemos aulas virtuais, pois muitas famílias não têm acesso a computadores. E poucos pais participam do grupo do whatszap por onde orientamos como fazer as atividades”. Será que isso funciona ou gera mais tensão? As crianças aprendem? Estarão os pais em condições de ajudarem seus filhos?
Todas as mães-professoras se queixam do pouco tempo que podem disponibilizar para os próprios filhos, em especial aquelas que como Juliana, Renata, Thaís e Érica têm filhos em fase de alfabetização, fase esta que exige uma atenção muito especial e atenção dos professores.
Vimos que há vantagens e desvantagens. Mas, afinal, o que é melhor? Esta resposta é possível? Que cuidados precisam ser tomados? Como minimizar problemas?
Hoje ficamos por aqui, no próximo artigo, continuamos.
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Grande abraço e até a próxima
Fotos gentilmente cedidas por Jaqueline Madeira .