Mover-se e relaxar: opostos ou complementares?

Mais uma vez, o texto foi escrito para vocês, educadores – pais, professores e todos aqueles que cuidam de crianças, o que é um grande e importante desafio. No artigo anterior, falamos da respiração como uma forma de autocuidado e autopercepção, elementos fundamentais da Bioexpressão para o estímulo de nossa capacidade resiliente, isto é, nossa capacidade de superar as dificuldades que enfrentamos ao longo da vida, sem “desmoronar”. Dois outros fatores fundamentais para isso, que abordaremos hoje, são o relaxamento e o movimento.  Aí vocês podem retrucar: “Como assim, Lucia Helena, me movimentar mais do que já faço o dia todo, correndo de um lado para outro para cumprir todas as tarefas que tenho que realizar? Mais movimento é igual a menos relaxamento”. Calma, eu explico! Não é da correria nossa de cada dia que falo. É do movimento que permite que liberemos tensões, que nos traz prazer, percepção de como está o nosso corpo, que nos permite relaxar, alcançar uma nova energia e equilíbrio.

Nas cidades, especialmente nas maiores, a tecnologia é responsável por boa parte da nossa inércia física. Além disso, nossa corporeidade – que integra movimentos, afetividade e pensamentos – não é trabalhada como um todo, o que já se mostra na infância, quando já tem lugar uma educação centrada na formação intelectual, contrariando necessidades básicas da criança. E também nós, adultos, vamos ficando cada vez mais distantes de nosso corpo. Yvonne Berge assegura que, na nossa civilização tecnológica, o instrumento corporal está profundamente desafinado, e nos relacionamos mal conosco, temos dificuldades espaciais e temporais (dificuldades rítmicas); e, consequentemente, mau relacionamento com os outros. É importante que aprendamos a conhecer o nosso corpo, a ouvir seus pedidos e seus avisos, que saibamos, enfim, entender a sua linguagem, o que permitirá uma convivência mais harmoniosa com nós mesmos e com nosso meio ambiente.

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Estudos como os da Bioexpressão defendem a ideia de que soma e psique são um todo indissociável, e que o movimento pode funcionar como um meio de reorganização do nosso organismo, de estímulo à sua autorregulação. A limitação de nossos movimentos (assim como a respiração superficial) causa a diminuição do fluxo de nossa energia vital, diminuindo nossa vitalidade, nosso ânimo. E acontece o que chamo de efeito panela de pressão: as tensões, emoções, pensamentos repetitivos, preocupações ficam sem saída e se realimentam, gerando mal estar e ansiedade crescente. O movimento nos ajuda a descarregar tanta pressão contida.

Percebemos o mundo externo e também a nós mesmos através dos sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. Entretanto, como analisei em artigo anterior – A vida com sentidos: percebendo o que nos cerca – nossos sentidos não são bem trabalhados e vão se perdendo, ficando nosso contato com o mundo menos sensível, menos afinado. Apesar da importância indiscutível do intelecto, há outras partes do nosso organismo total que precisam ser cuidadas, desenvolvidas e usadas para que fiquemos bem.  

Há, ainda, uma sensibilidade sensorial que vamos perdendo, e que é importante retomar: a cenestesia. Diferente da cinestesia, sentido da percepção do movimento, a cenestesia indica as impressões sensoriais que ocorrem internamente em nosso organismo, não dependendo dos órgãos dos sentidos. Ela expressa a nossa corporeidade e a nossa relação de uma forma mais global com o mundo, que pode nos parecer iluminado em um dia chuvoso ou escuro e triste apesar de o sol brilhar no céu. Essa forma de sensibilidade nos faz sentir bem-estar ou mal estar (que estamos em paz com a vida ou “de mal” com ela, precisando fazer as pazes); que um ambiente é agradável ou opressor e que devemos aproveitá-lo ou evitá-lo; que algumas pessoas nos causam repulsa, enquanto outras trazem serenidade e que é bom estar com elas. Podemos nos sentir tensos ou relaxados; como se carregássemos um peso enorme ou como se flutuássemos de tão leves. Esta forma de sensibilidade nos ajuda a buscar meios de nos preservar do que não é saudável e de nos aproximar do que nos traz conforto. A cenestesia é o que nos ajuda a procurar compreender o que nos incomoda e buscar soluções como sair para respirar ou abrir as janelas se nos sentimos sufocados, dar uma pausa suplicada pelo corpo para espairecer antes de voltar ao relatório que temos que terminar, às provas que temos que corrigir e a mexer o corpo para aliviar as tensões.

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Movimento expressivo: deixando o corpo sentir a música e as emoções

 

Essa sensibilidade própria do ser humano pode ser estimulada através de atividades de autopercepção e autocuidado. Atividades que nos permitam entrar em contato conosco como as artesanais, yoga, tai chi chuan, dança expressiva ou danças circulares, entre outras, enfim atividades reconhecidamente terapêuticas e que são formas de meditação em movimento, pois nossa atenção está plenamente voltada para elas quando as executamos, em contato conosco, vivendo o aqui-agora. Tais atividades desenvolvem características consideradas como resilientes: autoestima, flexibilidade, autonomia, criatividade, autoconfiança, vínculos afetivos.

Outra atividade que nos permite adquirir muitos benefícios e que está ao alcance de todos são as caminhadas, de preferência em ambientes mais próximos da natureza, ou, pelo menos, o mais longe possível dos escapamentos dos carros e da barulhada. Caminhar em silêncio, de forma relaxada, procurando perceber o corpo e os movimentos, mantendo a atenção na respiração, inspirando pelo nariz e soltando o ar pela boca permite mobilizar nosso fluxo energético e aliviar as tensões de imediato. Nas fases mais difíceis da minha vida, quando me sentia à beira de perder o controle, calçava o tênis e saia para caminhar. Se não tinha como, me trancava em algum cômodo da casa, ligava o som, tirava os sapatos e deixava o corpo se movimentar com um ritmo mais acelerado. Depois respirava até o ritmo cardíaco voltar ao normal. E sempre funcionou muito bem. Experimentem e me contem!

21-08-2016
As danças circulares nos conectam conosco e com o outro, trabalham  ritmo, coordenação motora, autoconfiança, flexibilidade, estimulam autoconhecimento e autocura, trazem alegria, energia e bem-estar, e muito, muito mais…

Relaxar não significa ter que se deitar, embora entregar o corpo ao chão seja uma das formas mais efetivas de relaxamento. Mas a respiração, de que falamos no texto anterior, exercícios de relaxação através do movimento, de meditação ativa (de que falei acima), ou através de uma das técnicas variadas que tenha “a sua cara” são ótimas formas de nos desligarmos das preocupações e ganharmos nova sustentação, um novo alento, estimulando nossa capacidade resiliente. Sempre sugiro em meus cursos que coloquemos uma música suave e ritmada, deixando que o corpo possa se movimentar com liberdade diariamente, mexendo cada parte do corpo, especialmente as articulações que guardam muita tensão. Esta forma de expressão espontânea e criativa permite que o corpo se manifeste como desejar (e ele sabe o que precisa, e como sabe!) para aliviar as tensões e ganhar nova energia.

As possibilidades são inúmeras. O importante é permitir que se vivencie o aqui-agora, deixando fora de você a agitação, o que, no início pode ser difícil. Entretanto, com o tempo vai ficando mais fácil essa entrega, sendo atingido um relaxamento mais profundo. Entretanto, a liberação de nossas resistências, que quanto mais antigas mais arraigadas, depende de que haja disponibilidade, consentimento para esse ato de entrega total do ser. O relaxamento não é um “se entregar apático”, ao contrário, exige uma observação do que está acontecendo em nós, um perceber-se, é uma forma de autocuidado e de carinho conosco.

No próximo texto, vamos fechar alguns pontos que ficaram em aberto, falando um pouco mais da autorregulação, da música e do humor, dois santos remédios.

Deixo abaixo um link para quem desejar saber um pouco mais da teoria e prática da Bioexpressão.

www.serie-estudos.ucdb.br/index.php/serie-estudos/article/view/706

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos utilizadas são da dissertação de Cíntia Lúcia de Lima e de meu arquivo pessoal e foram tiradas nos encontros de Bioexpressão ou de nosso grupo de Danças Circulares, o Todos na Roda.

Author

Lucia Helena Pena Pereira é pedagoga e doutora em Educação. Atua com palestras e oficinas para professores da Educação Infantil, compartilhando a experiência adquirida em pesquisas e em sala de aula na Educação Básica e no Ensino Superior.