Cuidando de si: o educador, a Bioexpressão e a resiliência

Muitos autores apontam para o adoecimento docente cada vez mais presente na realidade brasileira. As longas jornadas, os baixos salários, a falta de recursos e as más condições de trabalho, entre elas a violência psicológica e mesmo física, são alguns dos inúmeros fatores que influenciam a prática do professor, ocasionando doenças e síndromes que afetam tanto a saúde física quanto a saúde mental e emocional desse profissional. E este problema não é só vivido por professores, mas pela sociedade de um modo geral, o que significa que o que proponho, neste artigo, se aplica não apenas aos professores, mas a todo o nosso público alvo: os educadores, que têm um papel essencial na nossa sociedade: o de prepararem nossas crianças para assumirem seu lugar no mundo. Nos dois artigos anteriores, falamos da importância de estimular a capacidade resiliente dos nossos pequenos. Desta vez, vamos analisar possibilidades de desenvolver também esta capacidade nos educadores.

Considero fundamental que aqueles que atuam com a criança possam preservar o seu equilíbrio e sua capacidade de lidar com as situações adversas que envolvem a todos nós, superando os entraves do caminho. Primeiro, porque cada um de nós precisa ter qualidade de vida; segundo, porque de nós depende a qualidade de vida e o bom desenvolvimento dos nossos pequenos.

Pensando nisso, trago algumas sugestões que podem contribuir para esse equilíbrio e trazer bem-estar, isto é, que podem nos ajudar a estimular em nós a habilidade de superar as dificuldades e prosseguir – a resiliência. Vale relembrar que isso não significa sair ileso, pois não somos super-heróis, todos nós temos vulnerabilidades. Não significa ser forte e invencível ou ter nascido resiliente ou não. Significa investir nessa capacidade que pode ser desenvolvida e aprender como fazê-lo.

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Entrar em contato consigo, se perceber e se cuidar estimulam a capacidade resiliente

As sugestões trazidas vêm dos conhecimentos teórico-práticos que adquiri ao criar, aplicar e pesquisar, por mais de vinte e cinco anos, a Bioexpressão. Vale contar aqui que a Bioexpressão é fruto da minha história de vida pessoal e profissional, das dores e das pedras encontradas ao longo da minha caminhada que interferiam na totalidade da minha existência, das experiências vividas em sala de aula para superar as adversidades e de muitos estudos realizados como o do meu doutoramento. É fruto da vontade de levar a outros educadores e a meus alunos as saídas encontradas. Por que conto isso? Porque não estou falando apenas de algo que aprendi nos livros, mas de algo que vivenciei, que alunos da Educação Básica e do Curso de Pedagogia experienciaram, que orientandos de mestrado e doutorado pesquisaram com resultados significativos como o caso de Jaqueline Madeira, com quem escrevi três artigos de Educação Emocional da Criança para este site. Falo de algo que tem me ajudado, assim como a outros educadores, jovens e crianças, a serem mais resilientes.

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Atividades de respiração em grupo

Fundamentada na teoria de Wilhelm Reich e seus continuadores, a Bioexpressão é um conjunto de conhecimentos e vivências corporais que têm a finalidade de estimular a autopercepção, o autocuidado e maior conhecimento de si, tendo por base atividades corporais. Trabalhamos com mais ênfase o corpo, mas nossa corporeidade está sendo trabalhada de forma integrada – cognição, afetividade, motricidade, relações e espiritualidade. E apresento algumas sugestões que são simples e que podem ser executadas diariamente e que se mostram como possibilidades de liberar tensões, aumentar o fluxo de energia, tranquilizar os pensamentos agitados que não nos dão muito sossego. Como nossas mentes são tagarelas, não é mesmo? Acalmá-las é fundamental. Assim como permitir que nossa energia possa fluir por todo o nosso organismo. Pensamos muito e ficamos reféns de nossos intermináveis ou repetitivos pensamentos, muita energia se gasta com tanto que pensamos sem nos levar a nada. Gosto muito da imagem que Yvonne Bergé usa: o cérebro se empanturra, mas o corpo permanece esfomeado. É importante frisar que nossa energia pode facilmente se dispersar se pensamos em mil coisas ao mesmo tempo. Ter foco é fundamental para canalizá-la e utilizá-la com mais eficiência. Quantas vezes, já na rua, saindo de casa, nos perguntamos se fechamos a janela, pois parece que vai chover, e se desligamos o ferro de passar roupa que usamos às pressas. Fazemos tudo de forma tão automática que não nos damos conta do que fizemos ou deixamos de fazer. Este é o nosso famoso piloto automático. Lembram?

Investir em si mesmo, buscando possibilidades de lidar com o estresse e os desafios diários, contribui para que o autoequilíbrio seja mantido e, para isso, é necessário preservar um tempo para diminuir nosso ritmo, liberar pressões, renovar o quadro mental, descansar, desligar de problemas para permitir que o processo natural de autorregulação do nosso organismo possa ocorrer (daqui a pouco falaremos disso). Aí, vocês vão me perguntar: mas como conseguir isso? Sei que nem sempre é fácil, mas é necessário, pois significa mais vitalidade e saúde, e, em pouco tempo, sentiremos os resultados.

Na verdade, deveríamos começar com alguma forma de movimento que liberasse mais facilmente os excessos de nossa mente e das nossas emoções. Mas como sei que é mais difícil, vou começar por aquilo que você pode fazer exatamente agora que lê este texto. O primeiro passo é respirar de forma consciente. E uma boa puxada de ar e um bom suspiro ou um sopro do máximo de ar que esvazie os pulmões pode marcar o início do processo, o que, muitas vezes, o corpo, em sua sabedoria, nos induz a fazer naturalmente.

A respiração consciente acalma, relaxa, ajuda a restabelecer o equilíbrio físico, mental e emocional, aumenta o nível de bioenergia, de foco, ou seja, nos ajuda a nos centrarmos. Como se diz popularmente, nos ajuda a “voltar para a casinha”, isto é, para nós mesmos, nossa primeira casa. Além de tudo isso, contribui para o autoconhecimento, pois, quando nos voltamos para nós, podemos perceber melhor os avisos que nosso corpo nos envia todo o tempo. Respirar bem é fundamental para o bom funcionamento do metabolismo humano, porém, as tensões do dia a dia fazem com que tenhamos uma respiração curta e superficial.

Respirar profunda e relaxadamente aumenta o senso de concentração. Também não podemos esquecer que, ao reequilibrarmos a respiração, estamos reequilibrando a energia emocional. Através da respiração profunda há aumento da carga energética, o que significa, literalmente, que o corpo ganha mais vida. Reich enfatiza que o oxigênio fornece a energia que move o organismo, logo, quando a respiração é inadequada, o nível de vitalidade do organismo tem uma queda sensível. Respirar é equilibrar a pulsação vital, o que significa equilibrar todo o organismo.

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Os movimentos de braços na inspiração permitem que o diafragma se mobilize, permitindo que o ar chegue a pontos dos pulmões em que o ar viciado se aloja

Pode-se trabalhar a respiração simplesmente prestando-se atenção a ela, sem nada fazer, sem nada forçar, simplesmente respirando e percebendo o movimento de entrada e saída do ar, o que já altera o ritmo e a profundidade respiratórios. Experimente agora, observando sua inspiração e expiração, soltando bem seu corpo. Mas também podem ser utilizadas atividades orientadas. O importante é que todos os exercícios respiratórios devem ser feitos de forma relaxada e consciente, dando uma pausa entre a inspiração e a expiração, respeitando o próprio tempo. Essa pausa permite melhor absorção da energia que se encontra no ar. É importante estar consciente também de que a respiração é uma forma eficaz de relaxar e energizar-se, e que deve receber nossa atenção em qualquer atividade.

Aproveite para fazer isso antes de dormir para relaxar, enquanto “conta até dez” para não dizer uns desaforos a alguém, na fila do banco, na sala de espera do médico, antes de iniciar uma atividade que exija sua total atenção, antes de enfrentar situações ou pessoas difíceis… Nunca me esqueço de que estava tão nervosa antes da prova de seleção para o mestrado, que ao ler as questões, “tive um branco”, não sabia nada e entrei em pânico. Lembrei da respiração e, durante alguns minutos, fechei os olhos e permaneci respirando. Aos poucos, o coração voltou a bater mais tranquilo e fui me acalmando. Relendo as questões, vi que sabia respondê-las sim, tendo sido aprovada.

Uma dica importante: use a respiração consciente no seu dia a dia para que se torne um hábito saudável. Se deixar para usar em uma situação de emergência, será mais difícil se entregar a ela. Muitas vezes, não podemos mudar o que nos cerca, mas podemos mudar a forma de lidar com as situações.

No próximo artigo, trarei mais reflexões e sugestões para que você possa se cuidar com carinho. Com certeza, se nós estivermos mais equilibrados, nós e nossos pequenos seremos mais beneficiados.

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos utilizadas são da dissertação de Cíntia Lúcia de Lima e foram tiradas nos encontros de Bioexpressão do Curso de Pedagogia.

 

Como estimular a capacidade resiliente da criança?

Um novo ano se inicia, tempo em que procuramos rever atitudes e fazer mudanças. Um bom momento para traçarmos metas e nelas investir. Que tal investir em estimular a capacidade de lidar melhor com as adversidades e superá-las, ou seja, estimular a nossa resiliência? Embora nosso foco seja a criança, nós, os adultos, também podemos nos beneficiar com algumas das maneiras que apresento de desenvolver a capacidade resiliente.

Como analisamos no artigo anterior (se você não leu, vale dar uma olhada), a resiliência não é inata, embora a vivência de cada um possa gerar maior ou menor estrutura resiliente e está vinculada ao desenvolvimento e crescimento humanos. Outro ponto importante e muito positivo é ser uma capacidade que pode ser trabalhada, tanto individualmente quanto em grupo, o que significa que a escola é um espaço propício para isso.

A primeira questão fundamental a considerar (o que as pesquisas que desenvolvi ao longo de alguns anos me ajudaram a confirmar) é que a resiliência se relaciona com a corporeidade, que envolve pensamentos, sentimentos e ações (atitudes/comportamentos) e as relações estabelecidas com o outro e com o meio ambiente. Não foi à toa que iniciei esta série de artigos falando da corporeidade, isto é, de uma visão integrada do ser humano. O distanciamento do ser humano de sua corporeidade explica algumas dificuldades em lidar com os problemas que surgem no dia a dia, gerando muita ansiedade e angústia pela dificuldade de a pessoa entender as próprias emoções, de lidar com elas e de expressá-las. Por isso já foram dedicados três artigos à Educação Emocional.

José Tavares, estudioso educação e resiliência, considera que todos nós deveríamos possuir características resilientes tais como vínculos afetivos, flexibilidade, empatia, criatividade, inteligência, autonomia, liberdade, autenticidade, autoconfiança, sendo capazes de enfrentar situações adversas mantendo nosso equilíbrio. Entretanto, o ritmo de vida acelerado e competitivo de nossos dias faz com que as pessoas não percebam a si mesmas, vivam ligadas no piloto automático e em permanente estresse. E, acreditem, crianças também se estressam. Afinal, elas são extremamente sensíveis ao que as cerca. Assim, as características apontadas por Tavares como “naturalmente resilientes” vão se perdendo, ou mesmo, sendo abafadas. A flexibilidade dá lugar à rigidez, a autenticidade e a criatividade abrem espaço ao senso comum, e a autoestima e autoconfiança acabam se perdendo.

Então, como podemos estimular a criança a ter maior contato com ela mesma e ter essas características estimuladas? Como podemos contribuir objetivamente para desenvolver sua capacidade resiliente?

Brincando com a Professora Guiomar

Vamos considerar, aqui, aspectos que podem ser facilmente compreendidos e vivenciados. O primeiro ponto a considerar são os vínculos afetivos. O ser humano é um ser social, por isso necessita do contato com o outro para a sua formação como indivíduo. Sentir-se amada e protegida traz segurança para a criança, e isso inclui o estabelecimento de regras e limites e não apenas fazer o que ela deseja. A convivência com os avós, a família e os amiguinhos deve ser sempre estimulada. É importante que os pais tomem muito cuidado para não “jogar” a criança contra seus professores, pois estes são vínculos preciosos para ela. Se houver algum problema detectado, converse com o profissional em questão, mas se abstenha de críticas com a criança e perto dela (ouvidos de criança captam tudo, mesmo que ela pareça estar distraída com algo) ou de tirar a sua autoridade. É necessário muito tato para que uma relação que deve ser de confiança e de autoridade (não de autoritarismo) seja preservada pelo bem de nossos pequenos. Outras relações significativas também merecem ser cuidadas. Respeitar os responsáveis pela educação da criança evitará muito sofrimento e frustrações no futuro, o que temos presenciado com muita frequência.

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Experimentando uma nova aventura

O segundo ponto importante são as brincadeiras, o prazer e a alegria. Alguns autores consideram que o humor (o bom humor, é claro!) é um dos pilares da resiliência. Acredito que nosso povo passe por tantas sem desmoronar por seu senso de humor tão aguçado. Assim, possibilite situações em que haja espaço para o riso, a leveza, a alegria. Deixe que as crianças corram, pulem, rolem no chão; deixe que se sujem na areia, que tenham contato com as plantas, com a água, com o sol e com espaços abertos. O ato motor está relacionado não só ao mundo físico, mas também à afetividade e à cognição, não é simplesmente o deslocamento no espaço físico, ele é repleto de expressividade, reflete muito do que sentimos e pensamos.

A escola, muitas vezes, é um ambiente que tolhe, não permitindo que a criança brinque ou se movimente para não quebrar as regras. Não há flexibilidade ou momentos de liberdade para as brincadeiras. Fique atento a isso se possível. Uma outra dica: não lote a agenda da criança com mil atividades: natação, inglês, balé, judô, informática, piano, futebol, etc, etc, etc. A criança precisa de tempo para brincar, tempo para se entregar e se encantar.

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O agradável contato corporal com os amiguinhos da turma da Profª Guiomar, na brincadeira com parlendas

Sair correndo de uma atividade para a outra de olho no relógio gera estresse para adultos e crianças. Veja o que é mais significativo para ela, o que ela gosta de fato, como reage às atividades, o que é mais apropriado para a fase em que se encontra. O importante é que possa curtir tais momentos sem correria e aprender brincando, a melhor maneira de aprender algo nessa primeira etapa da infância.

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Agasalho, criativamente, vira boneca no imaginário infantil

As brincadeiras de faz de conta não podem ficar de fora, são uma oportunidade ímpar para as crianças trabalharem suas emoções, processarem suas tristezas, aquilo que ainda não conseguem entender bem. A criança, através deste tipo de brincadeira, pode transferir para os personagens que cria suas ansiedades, angústias, desencantos e dúvidas e olhar para eles de outra maneira. Todas as salas de aula deveriam ter um cantinho especial para isso ou, pelo menos, criar possibilidades. Panos coloridos e caixas de vários tamanhos forradas podem se transformar naquilo que se desejar: de bercinho de boneca a carro de corrida, e (quem sabe?) em um barco ou um tambor. Tais atividades trabalham a autoexpressão, criatividade, flexibilidade, empatia, liberdade, espontaneidade e autonomia, características resilientes.

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A pequena pintora e a descoberta da tinta guache

O terceiro ponto são as atividades artísticas, formas incríveis estimular autoexpressão, criatividade e todos os outros aspectos citados por Tavares. As atividades de artes na educação infantil devem proporcionar momentos prazerosos, que provoquem na criança o desejo da descoberta, a flexibilidade manual, a destreza, a criatividade, a produção e a reflexão, nas quais podem ser explorados diversos materiais. Não são recomendáveis o colorido de figuras xerocadas ou a cópia de modelos, uma vez que podam a expressão pessoal. Se a criança quiser desenhar um super-herói, estimule-a a criar a situação em que ele se encontra ou a fazer o seu próprio desenho. Geralmente, elas adoram livros de colorir e não há problema em usá-los se desejam. Mas não deixe de estimular um espaço de autonomia e criatividade. Deixe que dancem, que representem personagens dos livros infantis ou que criarem.

Brincadeiras e jogos, pintura e colagem, cantigas, jogos musicais e teatrais, contação de histórias, dança e muito mais são atividades lúdicas e permitem que a corporeidade da criança seja trabalhada.

Quanto mais trabalharmos a relação com nossa corporeidade, compreendendo a indissociabilidade das dimensões humanas – motora, cognitiva, afetiva, espiritual e social, mais chances teremos de desenvolver nossa capacidade resiliente. Raiva, tristeza e frustrações fazem parte da vida do ser humano, e poder reconhecê-las e expressá-las de forma adequada pode contribuir para buscarmos melhores maneiras de enfrentar os problemas de forma mais equilibrada, com mais flexibilidade.

As boas experiências vividas com regularidade na infância deixam marcas indeléveis que ficam registradas no corpo e no eu mais profundo, e que estarão disponíveis quando o sofrimento bater à sua porta. Essa forma de nutrição da alma permite que novas forças sejam acessadas quando se fizerem necessárias. Uma criança que teve uma infância feliz, que teve (tem) o apoio de quem cuida dela, seja pai, mãe ou outro responsável, que se sabe amada e respeitada terá chances maiores de se tornar um adulto mais equilibrado, mais feliz e mais resiliente.

Um feliz ano mais resiliente para todos nós.

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As fotos utilizadas são do meu arquivo pessoal, duas delas cedidas pela Professora Guiomar Machado da Silva.

 

Resiliência: a capacidade de prosseguir apesar de…

A palavra resiliência vem sendo muito usada atualmente, mas nem sempre se apresenta fiel ao conceito que representa ou à sua complexidade. Modismos à parte, é muito importante que todos nós – adultos, adolescentes, idosos e crianças – aprendamos a estimular nossa capacidade resiliente. Minha intenção neste artigo é apresentá-la de uma forma simples, mas não simplificada, de modo a contribuir, especialmente, com professores, pais e todos aqueles que estão envolvidos com crianças, uma vez que desenvolver a resiliência significa criar possibilidades de uma vida com mais qualidade e flexibilidade, ou seja, uma vida mais feliz para nós e para os que nos cercam.

Mas o que é, afinal, resiliência?

Resiliência, um conceito comumente empregado na Física e na Engenharia, refere-se à capacidade de materiais voltarem à sua forma original quando cessa a pressão exercida sobre eles. Podemos visualizar essa ideia facilmente se pensarmos em um elástico que volta ao seu tamanho quando deixa de ser puxado ou em uma esponja que, se apertada, muda de aparência, mas quando a pressão da mão deixa de existir, ela retorna ao seu aspecto inicial.

xtimidez.jpg.pagespeed.ic.ECyz6_9B_FTransferindo este conceito para as ciências humanas e sociais, a resiliência se expressa na capacidade de um indivíduo ou um grupo enfrentar as adversidades de forma a superá-las. Isso não significa ser invulnerável, ou seja, passar pelo problema sem ser afetado, e sim de ser capaz de encontrar respostas positivas para as situações, mesmo com a existência de dor, angústia e de conflitos. Significa poder continuar a viver de forma participativa e produtiva; ser capaz de se reconstruir, de se comprometer com a vida, sem “entregar os pontos”. Ser capaz de “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima” como apregoa a conhecida canção popular.

Cada pessoa tem sua forma própria de lidar com as dificuldades. Algumas “desmoronam” por muito pouco, outras “balançam”, mas conseguem se refazer; há ainda as que se desesperam ou se revoltam e não conseguem encontrar saídas. O importante é saber que a capacidade resiliente pode ser desenvolvida, que não é algo inato, isto é, não é algo com que já nascemos; que há momentos em que podemos estar mais fragilizados que em outros.

Estudiosos afirmam que quando o indivíduo consegue resistir a situações potencialmente desfavoráveis, ele pode neutralizar ou diminuir suas consequências negativas, inclusive vindo tais adversidades a contribuir para sua flexibilidade e o seu amadurecimento, aumentando sua capacidade resiliente. Convivi com duas irmãs criadas em um ambiente de violência doméstica devido ao pai alcoólico. Uma delas, embora retraída, tinha um bom desempenho escolar, apresentando atitudes que denotavam amadurecimento para os seus seis anos; a outra, com sete anos, apresentava atitudes bastante agressivas e não conseguia acompanhar o ritmo da turma, tendo muitas dificuldades de interação.

Algumas características do ser resiliente

garota-triste-sofrendo-bullying-na-sala-de-aula-foto-monkey-business-imagesshutterstockcom-00000000000172C6José Tavares aponta  cinco características que considero fundamentais para serem trabalhadas desde a primeira infância: autoestima, criatividade, autonomia, flexibilidade e vínculos afetivos. A autoestima positiva permite a autoaceitação e o respeito a si mesmo e ao outro, ajuda a aceitar críticas e saber usá-las em favor próprio. A criatividade permite buscar formas diferenciadas de resolver ou fazer algo, de solucionar um problema, de encontrar um meio de expressar alguma coisa. Ter autonomia é ser capaz de buscar as próprias soluções considerando regras, valores, a perspectiva pessoal e a do outro. É ter competência para atuar no seu mundo. A flexibilidade é a capacidade que permite produzir mudanças no modo de agir ou reagir de acordo com o momento, buscar respostas alternativas para solucionar um problema, elaborar uma resposta mais adequada para uma dada situação. Em sentido mais amplo, é a capacidade de se adaptar a uma nova circunstância, a superar dificuldades ou obstáculos.

apoio familiarOs vínculos afetivos são, considerando as pesquisas que desenvolvi e a minha própria experiência como educadora, um ponto crucial para o fortalecimento da capacidade resiliente e sobre isso vale tecer algumas observações. As relações familiares são os primeiros vínculos que se estabelecem e, hoje, assumem formas diferenciadas de constituição. A organização pai, mãe e filhos já não é necessariamente a apresentação mais comum. Podemos ter pai ou mãe com seus filhos, casais homossexuais em que há duas mães ou dois pais, famílias de novos casamentos que, ainda, podem unir filhos de casamentos diferentes, crianças criadas por avós, enfim, um grande mosaico de possibilidades. Outro ponto importante a considerar é que, atualmente, de modo geral, ambos os cônjuges precisam trabalhar, ficando a criança mais tempo sem a sua companhia. E são muitos os desdobramentos destas, muitas vezes, complicadas organizações.

Nesse contexto, é muito importante que a criança se sinta acolhida, amada, que tenha regras e autoridade dos responsáveis bem estabelecidas, limites claros no contexto familiar e uma rotina instituída. Estes pontos são fundamentais para que se sinta segura e saiba não só de seus direitos, mas também de seus deveres. Que não seja o reizinho ou a princesinha da casa que dita todas as leis, a criança que ganha tudo o que quer porque os pais se sentem culpados de não terem tempo ou energia suficiente para estabelecerem os limites necessários. Estas posturas não são provas de amor, nem estabelecem os vínculos necessários que gerem segurança, respeito e confiança. Estas posturas infantis se refletirão nas suas relações, tendendo a gerar muitos conflitos na escola e na sociedade.

Isso não pode[5]Se a criança se habitua a respeitar regras em casa, a ter limites estabelecidos, ficará muito mais fácil atender às regras e limites necessários na escola e na sociedade, o que temos visto não ser muito fácil para algumas crianças e adolescentes.

A aprendizagem do respeito aos limites e ao outro começa sempre com a própria vivência do ser respeitado quando se é criança, de esta criança ter seus limites físicos ou emocionais também considerados; e da compreensão de que as regras são construídas para uma melhor convivência, e não impostas aleatoriamente. Ou seja, instituir regras é tão importante quanto a forma de fazê-lo, estabelecendo e discutindo em conjunto tais regras.

Quem tem filhos sabe o quanto os auxiliares são importantes em determinadas situações, sejam eles pessoas que trabalham para a família ou amigos, vizinhos e parentes que nos tiram de situações difíceis e que podem trazer nossos filhos da escola, acolhê-los numa emergência ou, até mesmo, levá-los ao médico ou à festa do coleguinha. Entretanto, cabe aos pais manter o comando e os cuidados da educação de seus filhos, estabelecer regras e limites, mostrar de forma clara o que pode ou não ser feito, o que é uma forma de amor. Assim como acolher, ouvir, dialogar, compreender, acarinhar também o é.

O amor é um vínculo poderoso e acredito que seja fundamental para que possamos sair das situações difíceis com mais inteireza e maior facilidade. Ter apoio da família torna tudo mais fácil para a criança. Da mesma forma, que poder contar com laços de amorosidade amiga e confiança ajuda também a nós, adultos, a superar muitas crises. Humberto Maturana afirma que “a maior parte do sofrimento humano surge com a negação do amor, e a maior parte da nossa falta de compreensão do sofrimento humano resulta da nossa falta de compreensão do papel fundamental que o amor desempenha na biologia humana”. Afirma, ainda, que sem amor, “não há respeito mútuo, não há respeito por si mesmo, não há colaboração, isto é, não há convivência social, só há comunidades nas quais se vive na dominação e na obediência, na competição e na negação mútua, na inveja, na apropriação do que é do outro, na agressão, sem consciência e sem responsabilidade individual e social, e, por último, sem ética”. Aprender a dar e receber amor é também aprender a ser resiliente e a ensinar resiliência.

No próximo artigo, continuaremos este assunto, pensando possibilidades de estimular nossa capacidade resiliente. Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos foram retiradas da web.

 

As atividades bioexpressivas e a educação emocional da criança

Este é o nosso terceiro texto sobre educação emocional, em que psicologia e pedagogia dialogam através do trabalho conjunto da psicóloga Jaqueline Marilac Madeira e da pedagoga Lucia Helena Pena Pereira. Nos artigos anteriores, falamos dos fundamentos da educação emocional. Falamos também da Bioexpressão, uma proposta pedagógica teórico-prática de autoria de Lucia Helena, que oferece a metodologia para o desenvolvimento de um Programa de Educação Emocional que fez parte da pesquisa do doutorado na Espanha de Jaqueline. Na última postagem, falamos das atividades dos dois primeiros eixos que formam o trabalho bioexpressivo, centramento e base (ou grounding). No texto de hoje, temos como objetivo apresentar como se desenvolveram as atividades de autoexpressão (o terceiro eixo) e seus objetivos mais significativos, finalizando com os resultados obtidos com as crianças.

CAM00462Os últimos 20 minutos de cada sessão são dedicados a estimular a expressão pessoal, buscando-se propiciar a cada criança do grupo oportunidades diversas para se expressarem, estimulando-se sempre uma manifestação própria, singular. Nesta etapa, a produção artística de cada criança é o mais importante: desenhar, colorir, pintar o que está sendo sentido, colocando formas e cores no papel, desenhando ou escrevendo no ar através de gestos, ou se deslocando no espaço através do movimento criativo.

No processo de educar, é fundamental dar espaço às crianças e ouvi-las, criar e desenvolver um diálogo real, perguntando a sua opinião e o significado que cada vivência teve para ela, observando as formas que a criança vai desenvolvendo de comunicar o que ela quer ou pensa. E, para nós adultos, é uma aprendizagem respeitar as possíveis diferenças entre a expressão e a percepção da criança e o nosso jeito de ver o mundo. Deveria ser nossa prioridade desenvolver a empatia e colocar-nos sempre no seu lugar, analisando a situação sob a perspectiva infantil e, só depois, acrescentar o nosso parecer adulto.

CAM00471Um dos objetivos desta etapa do trabalho, em que as crianças podem mostrar seus pensamentos e sentimentos, é lhes dar espaço para se expressarem de formas variadas para que descubram como se sentem mais confortáveis, mais à vontade, isto é, que possam descobrir o jeito de se manifestarem que mais se adequa a seu modo de ser, e que, também, tem mais a ver com o seu momento. Podemos exemplificar isso citando a proposta de que demonstrem medo, tristeza ou outras emoções. Isso pode ocorrer de muitas maneiras, lembrando que pode ser com o corpo ou com palavras.

Ainda podemos trabalhar para que identifiquem sentimentos através de gestos, expressões faciais e palavras que usamos, e também para que compreendam como podemos mudar os nossos sentimentos quando mudamos os gestos e as palavras, ou seja, a nossa expressão, ensinando formas mais saudáveis de expressar nossa raiva, indignação ou até mesmo nosso medo. É importante que comecem a perceber que nossa postura, nossas manifestações gestuais, nossas atitudes, nossas palavras têm o poder de modificar o que sentimos, assim como o que o outro sente. Jogar coisas é diferente de colocá-las em algum lugar, assim como conter gritos e falar de forma mais tranquila o que nos incomoda. As diferenças de atitude causam diferentes reações no outro.

Importante considerar que, no início do trabalho com as crianças, a imitação é o mais comum, sendo mesmo esperado que seja assim. À medida que vão se sentindo à vontade e sendo estimuladas a se manifestarem de forma diferente do outro, vão também conseguindo experimentar e descobrir outros modos de estar no grupo, e a autoexpressão passa a ser natural e única.

CAM00487No início do trabalho, foram usados alguns círculos de cores diferentes, recortados de cartolina para metaforizar que cada criança tem seu espaço no grupo, que este lhe é próprio e que é diferente do espaço do outro, sendo decorados por cada pequeno à sua escolha. Eles se sentavam em cima do círculo, inicialmente, também como forma de marcar seu lugar e aprender a respeitar o espaço do outro. À medida que interiorizam que têm seu lugar no grupo e sua participação vai aumentando, vão aprendendo que os colegas também devem ter seu espaço respeitado, e a escuta do outro melhora. Ou seja, têm o direito de falar, mas devem também saber ouvir. E como precisamos deste exercício atualmente, não é?

Cantar, recitar poesias, dizer frases de que gostam e fazer jogos de líderes onde eles decidem o que o grupo tem que fazer traz benefícios para este trabalho. Em um dos grupos, eles adoravam brincar de “chefinho” e dar as instruções, pedindo uma e outra vez para repetir a brincadeira. Esta é uma forma de trocar os papéis e criar as regras. Esta atividade, aqui no Brasil, corresponde a “Seu mestre mandou…”.

Naturalmente, dependendo da idade dos pequenos, muitas possibilidades existem, mas é fundamental, em qualquer idade, que seu espaço, sentimentos e pensamentos sejam respeitados; e que aprendam a respeitar o espaço, sentimentos e pensamentos de seus companheiros. Afinal, nos parece que o desrespeito ao outro é um dos grandes problemas do nosso mundo, fonte de muita violência física e psicológica, entre elas, as manifestações de bullying.

Alguns resultados mais significativos obtidos

CAM00464As crianças que participaram deste programa aprenderam brincando a se tranquilizar, aumentaram a sua consciência emocional, superaram medos, aprenderam a expressar as suas emoções de uma forma mais positiva e como planejar o seu próprio comportamento para superar suas dificuldades. E ao superarem suas próprias dificuldades, aprendem também a dar mais valor a si mesmos, aumentando a autoestima. Além de aprenderem o que poderíamos chamar o ”caminho das pedras”, que é aprender como podemos enfrentar nossos medos, dificuldades e fortalecer ainda mais os nossos pontos fortes.

A teoria diz que o funcionamento social e emocional começa a se estabilizar por volta dos oito anos e que estas habilidades podem indicar a saúde mental na vida adulta. Se antes e durante este período, aprendem a expressar as suas emoções de uma forma construtiva e estão implicados em relações de afeto e de respeito, aumentam as possibilidades de que sejam capazes de evitar a depressão, a agressividade e os comportamentos perigosos no futuro, como o uso de drogas, por exemplo.

Pode-se afirmar que foi possível verificar estas crianças experimentando uma nova forma de se relacionarem consigo mesmas e com as demais, compreendendo a afetividade. Pôde-se observar, também, que pequenas ações, afetam e provocam grandes mudanças. Com autonomia e oportunidades de praticar o que aprendem, têm a possibilidade de construir uma imagem positiva de si mesmas, enfrentar desafios e crescer emocionalmente mais saudáveis. Os relatos dos pais nos trouxeram muitas surpresas positivas, de como, por exemplo, apresentavam reações mais equilibradas em casa.

Com base na educação bioexpressiva, insistimos na necessidade de que as crianças sejam educadas com uma autonomia saudável que lhes permita a expressão e a comunicação afetiva, com diálogos e intercâmbios, em que os pais e professores sejam guias do processo de aprendizagem. O primeiro passo é a tranquilização, quando aprendem a respirar e a identificar em seu corpo as sensações e a compreensão de que todas as emoções são importantes e têm a sua função.

CAM00469A prática bioexpressiva atua notadamente a partir de uma perspectiva corporal, com a convicção de que quando se atua no corpo também estão sendo trabalhados sentimentos e pensamentos, equilibrando-se a corporeidade que, como já enfatizamos, integra cognição, afetividade, motricidade, e ainda as relações com o outro e com nosso meio ambiente. Vale pontuar que, desta forma, estão sendo estimuladas as inteligências intra e interpessoal propostas por Howard Gardner, o que traz possibilidades de maior autoconhecimento e de relações mais saudáveis.

Como nos diz Aitziber Barrutia, psicóloga que trabalha com a inteligência emocional, esta não é magia, “requer esforço, implicar-se, aprender bem os conceitos, colocar em prática e constância”. Pensamos que a constância é fundamental e os resultados nos mostram que vale a pena investir e persistir.

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

Até a próxima!!

As fotos são do arquivo de Jaqueline Madeira e foram tiradas durante as atividades desenvolvidas.

Jaqueline Marilac Madeira é Doutora em Psicologia pela Universidad de Oviedo, na Espanha, onde reside. Graduada em Psicologia na Universidade Federal de São João del-Rei, hoje se dedica a projetos de educação emocional no âmbito escolar e familiar.

Bioexpressão: um caminho para trabalhar a educação emocional da criança

Neste artigo, damos continuidade à nossa última postagem, continuando a parceria entre a Pedagogia, meu campo de atuação, e a Psicologia, aqui representada por Jaqueline Marilac Madeira, em um trabalho a quatro mãos. Na verdade, falar de um modelo ou programa de educação emocional convida estes dois campos de conhecimento a dialogarem.

No texto anterior, apresentamos os conceitos e a teoria que fundamentam a educação emocional. Hoje falaremos mais especificamente das atividades desenvolvidas no trabalho de campo de uma pesquisa realizada na Espanha com crianças de 5 e 6 anos, por um período de 9 meses, como parte da construção da tese de doutorado de Jaqueline Madeira, co-orientada por mim.

Este é um modelo entre outros que existem para trabalhar as emoções. Nosso intuito de trazê-lo é duplo: primeiro mostrar um planejamento viável, o como fazer; segundo apontar os resultados positivos obtidos. Vale desde já observar que as atividades aqui propostas podem ser muito mais diversificadas (e foram, apenas trazemos exemplos) e que tais atividades podem fazer parte da rotina de uma sala de aula e mesmo acontecerem na sala de sua casa. Naturalmente, não obteremos os mesmos resultados, mas estaremos estimulando nossos pequenos a desenvolverem seus potenciais, a trabalharem suas emoções, pois isso deve ser um fazer contínuo.

CAM00466O trabalho prático realizado está baseado na união de três teorias: Inteligências Múltiplas, Inteligência Emocional e Bioexpressão. Só para recordar, em poucas palavras, a teoria das Inteligências Múltiplas aponta, principalmente, o conceito da individualidade. Cada pessoa se expressa e se relaciona com o mundo de uma determinada forma, de maneira única em função da combinação de inteligências que possui (linguística, lógico-matemática, musical, corporal-cinestésica entre outras) e a interação destas inteligências com o ambiente. E sempre em sinergia, ou seja, em um trabalho conjunto de cognição e emoção. Cada ser precisa aprender a se expressar com sua forma própria, com as suas peculiaridades. Assim, o trabalho precisa ser sempre pensado para a criança como ser único; precisa dar-lhe a possibilidade de ser ela mesma.

CAM00470A teoria da Inteligência Emocional aponta os 5 pilares guias do trabalho: autoconceito ou autoestima, automotivação, autocontrole, empatia e as habilidades sociais. E a Bioexpressão dá o formato lúdico e prático do trabalho, o como fazer, a estrutura das sessões e a contribuição da música, da arte e da literatura trabalhadas através da corporeidade, como meios de se alcançarem os objetivos.

Como é que se faz?

O quadro abaixo mostra os objetivos que tivemos a intenção de alcançar com as crianças, os meios utilizados para isso e de que forma tais objetivos repercutiriam na vivência do dia a dia.

Objetivos gerais

Como?

Utilidade

Aprender a se acalmar

Técnicas de relaxação, respiração e meditação

Enfrentar os medos, controlar os ataques de raiva

Aumentar a consciência emocional

Aprender a discriminar as reações corporais associadas aos sentimentos, assim como as várias sensações

Aprender a dar um nome às sensações e sentimentos, identificando os pensamentos

Desenvolver a necessidade de expressar-se

Desenvolver o hábito, fazendo um pouquinho a cada dia

Compreender que a expressão é fundamental para o bem estar físico e emocional

Aprender a discriminar as consequências dos próprios comportamentos e escolhas

Refletir a partir de contos, vídeos, atitudes dos adultos, observando a reação das pessoas

Melhorar a forma de se relacionar

Aprender a planejar e desenvolver estratégias

Resolver pequenos conflitos ou dificuldades

Evitar determinadas consequências

Estruturamos sessões semanais, de 1 hora de duração com grupos de 8 a 10 crianças. Estas sessões se dividiam em 3 momentos diferentes, que caracterizam os eixos bioexpressivos:

CAM00467a) Centramento: Acontecia nos primeiros 10 a 15 minutos do trabalho, dedicados à aprendizagem de técnicas de respiração e relaxamento. Uma vez familiarizados com essas técnicas, também eram aprendidas técnicas de meditação ativa (Mindfullness).

O primeiro passo é aprender a centrar a atenção na respiração seguindo a instrução: ”inspira devagar… Agora, espira… Respirar e soltar todo o ar…” O segredo é brincar com a respiração, com várias atividades. Podem ser emitidos sons como as vogais, serem usados jogos cantados, respirações profundas, acompanhando o ritmo da música e movimentos que seguem a respiração. Por exemplo: abrir os braços lateralmente inspirando, e voltar com eles à posição inicial expirando.CAM00468

Já a relaxação pode ser usada junto à visualização, o que facilita muito que os pequenos possam se desligar do seu entorno e se concentrar. Instruímos as crianças a imaginarem que são pudins, gelatinas ou um boneco de neve e realizar movimentos suaves de soltarem o corpo, e se moverem como os movimentos destes alimentos (imprimindo ao corpo um leve tremor). No caso da neve (aqui no Brasil, podemos também pensar em sorvetes ou picolés), imaginar que estão derretendo… derretendo… O importante é aprender a diferenciar no corpo a sensação de relaxado e tenso.

Há outros exemplos descritos nos textos anteriores que tratam de respiração e relaxamento, para lê-los, acesse www.olapais.com.br/ola-educadores

A meditação ativa se constitui na aprendizagem de centrar a atenção no momento, ou seja, no aqui-agora, e na atividade que está sendo realizada. Os exercícios de respiração são um primeiro movimento para isso. Também podemos utilizar técnicas mais específicas como usar o som de um sino oriental que é preciso escutar até que este desapareça. Outro exemplo é saborear uma fruta que pode ser uma uva passa, chupá-la e sentir na boca sua textura e paladar.

CAM00471b) Base: As atividades de base são o momento central do trabalho, tendo como guia os pilares da educação emocional (autoestima, autocontrole, etc…), associando o tema do dia a movimentos corporais, construindo e vivenciando os sentimentos relacionados com o tema, assim como podem ser também trabalhados os medos, a resolução de conflitos, a alegria,…

As atividades da base são sempre preparadas em função das características de cada grupo.

Nesse segundo momento, o trabalho se dá no contato com o próprio corpo e os sentimentos. A base (enraizamento ou grounding) permite um importante contato com pés e pernas que são nossa sustentação. Sentir o corpo em cada movimento, sentir o espaço que este corpo ocupa, como se move e qual a sensação ou sensações experimentada(s) no momento presente. Esta percepção se dá através de movimentos de dança e a firmeza (assertividade) dos movimentos. É uma aprendizagem para encontrar o equilíbrio entre a firmeza da postura (tônus muscular) e o relaxamento, sem deixar a firmeza se desfazer. Uma aprendizagem de ser assertivo sem tensão e sem “desmoronar”. A birra tem uma relação muito íntima com este desmoronar. Como não se consegue o que se quer, o controle, o eixo se perde (E cá pra nós, tem muito adulto fazendo “birra” por aí).

c) Autoexpressão: Os últimos 15 a 20 minutos são dedicados a estimular a expressão pessoal, buscando-se propiciar a cada criança do grupo oportunidades variadas para se expressarem, estimulando-se sempre uma expressão própria, singular.

CAM00488Nessa etapa, o material artístico de produção de cada criança é o mais importante: desenhar, colorir, pintar o que está sendo sentido, colocando cor no papel e/ou no ar através de gestos, expressar-se, ainda, através do movimento criativo. Dependendo da produção, como os círculos que acompanhavam as crianças em suas atividades no solo (como o que aparece na imagem), o trabalho poderia ter continuidade no encontro seguinte.

Muitas são as possibilidades de expressão própria e, sobre elas, falaremos no próximo texto, trazendo exemplos mais concretos de atividades, e finalizando com os resultados obtidos com as crianças e algumas falas dos pais e professoras.

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos são do arquivo de Jaqueline Madeira e foram tiradas durante as atividades desenvolvidas.

Até a próxima!!!

Educação emocional: o que é exatamente isso?

Este texto foi escrito a quatro mãos pela psicóloga Jaqueline Marilac Madeira e por mim, Lucia Helena Pena Pereira, que a co-orientei em seu doutorado na Espanha, onde o trabalho com as crianças foi realizado. Por ser uma experiência muito rica e inovadora, trouxemos algumas considerações que nos parecem mais significativas para este site, em que optamos por uma linguagem sem o rigor acadêmico, com o objetivo de trazer contribuições para aqueles que estão envolvidos com crianças.

O termo educação emocional está na moda, suscitando muito interesse, curiosidade e dúvidas. E é na verdade tão importante quanto necessário, tanto para pais quanto para professores, conhecer mais e usar este conhecimento no dia a dia da educação das crianças. Afinal, quando sabemos lidar com nossas emoções, elas são grandes aliadas e não as vilãs da história como muitos dos que defendem a racionalidade acreditam.emocao

A primeira pergunta a ser feita é: É realmente necessário educar as emoções? Podemos educar os comportamentos (conjunto de hábitos) e o pensamento que está associado ao sentimento. A emoção é definida como uma reação psicofisiológica com três sistemas de respostas: O primeiro é o fisiológico (adaptativo) que se manifesta através de reações corporais: O que eu sinto? O medo, por exemplo, se manifesta fisicamente com contração muscular, suor frio, aceleração cardíaca. O segundo é o cognitivo, o nosso pensamento, que corresponde a uma linguagem interna que nos induz a reagir. Qual o meu impulso? Gritar por alguém? Esconder-me em algum lugar? O que eu penso? O terceiro é a atitude efetivamente tomada, a conduta que eu expresso: O que faço com o que eu sinto? Saio correndo, fico paralisado, choro, …?choro capa

A emoção tem um grande poder de ativação e motivação para as ações, pode mudar o resultado de qualquer objetivo quando bem utilizada. É fundamental para a tomada de decisões, como já demonstrou o neurocientista António Damásio, e para o processo de aprendizagem da criança. O que desperta prazer e traz alegria é muito mais facilmente apreendido pela criança. O que traz desagrado pode facilmente ser rejeitado e até esquecido. Se a criança está confiante, a tendência é desempenhar bem suas atividades, ter bons resultados em um teste, por exemplo. Entretanto, se estiver com medo, poderá chegar a “ter um branco”, não conseguir tomar atitudes necessárias ou não responder bem às questões de uma prova. Qualquer programa de educação emocional trabalha com estes três sistemas de respostas: sentimento, pensamento e conduta (ação), e a intervenção ocorre, principalmente, no pensamento e na conduta, de forma a permitir maior coerência na expressão do sentimento, e a equilibrar pensamento, sentimento e ação.

Você, que está acompanhando os textos publicados quinzenalmente, deve se lembrar de que, lá no primeiro texto, se falou da importância de começar nossa caminhada pela corporeidade. Lembra? Pois aí está, até para educar nossas emoções precisamos de toda esta estrutura que está sempre presente: pensamentos, sentimentos e ações, e as relações que estabelecemos com o mundo a nossa volta, incluindo, naturalmente, as relações humanas (que, cá pra nós, trazem grandes desafios), mundo de onde recebemos estímulos aos qlogo_familiauais reagimos todo o tempo.

Quem ensina ou educa as emoções? As habilidades vinculadas à educação emocional sempre foram historicamente aprendidas no seio familiar e na convivência com outras crianças, por meio de jogos e na relação com familiares. Mas a vida contemporânea limita cada vez mais as oportunidades de que as crianças adquiram estas habilidades de forma natural, uma vez que os pais ficam fora por mais tempo atendendo a demandas econômicas, não há mais brincadeiras na rua como antes, pois os riscos são maiores e as crianças ficam mais tempo na escola, muitas vezes. Daí surge a necessidade de se desenvolver um trabalho escolar em que estas habilidades possam ser aprendidas. Atualmente, o tempo das crianças está estruturado demais, elas têm, não raro, um acúmulo de atividades, agenda cheia, o que lhes deixa menos tempo para uma convivência verdadeiramente enriquecedora. Acreditamos, assim, que um trabalho que alie escola e família pode trazer resultados ainda mais proveitosos.

Um trabalho de pesquisa realizado e aplicado na Espanha uniu três trabalhos teóricos para desenvolver um programa de educação emocional: a teoria das Inteligências Múltiplas, criada e desenvolvida pelo psicólogo Howard Gardner; a da Inteligência Emocional do psicólogo Daniel Goleman, e a Bioexpressão, criada pela pedagoga Lucia Helena Pena Pereira, que ofereceu, além da base teórica, a possibilidade de criar atividades em um formato lúdico, o que caracteriza as vivências bioexpressivas. Esta união permitiu que as crianças pudessem vivenciar experiências prazerosas e com objetivos bem claros para a coordenadora da proposta, mas que, para elas eram só uma grande brincadeira. Mais adiante, vamos reproduzir algumas dessas vivências que poderão ser experienciadas em casa ou na escola, mas, primeiro, vamos entender alguns pontos importantes dessas teorias que podem ajudar muito aqueles que têm envolvimento com a formação de crianças.

A teoria das inteligências múltiplas defende a importância de estimular as crianças desde os primeiros anos a conhecer suas habilidades, seus pontos fortes e pontos fracos com o objetivo de seguir melhorando as habilidades, mas também de aprender a “trabalhar” as debilidades, aqueles pontos que precisam ser mais cuidados. Goleman defende a importância de adquirir durante e desde os primeiros anos do desenvolvimento as habilidades que estão associadas aos cinco pilares da Inteligência Emocional: a) autoestima (autoconceito), b) autocontrole; c) automotivação; d) empatia (capacidade de compreender o sentimento ou reação da outra pessoa imaginando-se na mesma situação) ; e) habilidades sociais.

P1020621A Bioexpressão completa o trabalho trazendo a forma de trabalhar através da corporeidade, integrando pensamentos, sentimentos e ações, e proporcionando a relação das crianças com o espaço e os amiguinhos, e também orientando-os no uso dos materiais a serem usados. A prática bioexpressiva trabalha com cinco focos: o trabalho corporal expressivo, as vivências lúdicas e artísticas, a respiração, o relaxamento e a ampliação da percepção sensorial. Estes focos foram trabalhados em artigos anteriores, quando se falou da importância desses aspectos para o desenvolvimento equilibrado dos nossos pequenos (e também dos adultos).

tampa ouvidosA teoria das inteligências múltiplas traz uma visão diferenciada de considerar as habilidades cognitivas. Uma criança que não tem maior competência em cálculos pode ter uma maior habilidade linguística ou musical, o que não significa ser mais ou menos inteligente. Quando se pensa em educação emocional, é importante considerar duas formas de inteligência entre outras que foram propostas por Gardner: inteligências intrapessoal e interpessoal. O psicólogo define a inteligência intrapessoal como a capacidade de construir uma imagem real, exata e verdadeira de si mesmo, e de ser capaz de usar essa imagem de forma eficaz. É ter a capacidade de discriminar as próprias emoções, dar nome a elas e saber usá-las para orientar decisões. É uma forma de inteligência que se relaciona à capacidade de se autoperceber e de desenvolver o autoconhecimento.a inteligência interpessoal é a capacidade de perceber, valorizar e trabalhar com as intenções e motivações de outras pessoas.

Tanto Gardner quanto Goleman defendem a necessidade de estimular a aquisição das habilidades que compõem ambas as inteligências – a intrapessoal e a interpessoal. Estas inteligências foram melhor explicadas ao serem divididas em habilidades ou competências, um trabalho realizado por estudiosos posteriores a Gardner. E são elas: a) identificar as emoções no momento em que são sentidas (considerada a pedra angular da Inteligência Emocional); b) capacidade de controlar-se (autocontrole); c) capacidade de motivar a si mesmo (automotivação); d) reconhecimento das emoções das outras pessoas; e) controle das relações (a capacidade de se relacionar adequadamente com outras pessoas).

Como podemos observar, essas competências exigem um trabalho contínuo e sensível, mas podem propiciar qualidade de vida bem maior a quem as possui – crianças ou adultos. Um dos resultados obtidos na pesquisa realizada aponta a importância do trabalho lúdico direcionado para a educação emocional das crianças. E esta será nossa próxima postagem. Falaremos da experiência vivida e de algumas atividades utilizadas. Até lá e grande abraço!

Se tiver sugestões, comentários, perguntas ou se quiser falar conosco, entre em contato no espaço que se segue. Sempre é bom receber seu retorno!

Fotos retiradas da web e de arquivo pessoal.

– Conta outra vez?! – Abrindo as portas de um mundo encantado… e encantador

Ouvir ou ler histórias é muito mais que um grande prazer, é um direito e uma necessidade de nossas crianças. É estimular o gosto pela leitura, o que significa abrir possibilidades de descoberta e de apreensão do mundo em que vivemos, de abrir portas para novas ideias, sonhos e invenções. É estar acompanhado, mesmo que solitário. É muito importante para a estruturação psicológica da criança, para sua educação emocional: uma forma de “exorcizar” fantasmas, crenças, preocupações e ansiedades. O encontro com a fantasia permite que se entre em contato com questões inconscientes que precisam ser trabalhadas, mexidas, (re)arrumadas. Imagens se constroem, novas estruturas se articulam, os sonhos voam, percorrem terras distantes, ou, quem sabe, palmilham o chão próximo que precisa ser mais bem conhecido, o chão das emoções que estão amontoadas, confusas, espantadas, esperando a chance para se recomporem, serem entendidas e conhecidas.

Contação-de-HistóriasQuem não gosta de ouvir histórias? Elas falam à alma infantil e também à “criança” que existe em todo adulto. O texto literário infantil toca a sensibilidade muito facilmente, abrindo espaço para a percepção do mundo do ponto de vista da criança, traduzindo, então, suas emoções, seus sentimentos, seus desejos, seus sonhos… A literatura infantil faz com que a capacidade de percepção e sensibilidade se desenvolvam, pois vai atuar principalmente sobre o sensível. Podemos apreender o mundo pela razão (lógica) ou pela intuição (imaginação). A linguagem informativa favorece a apreensão racional da realidade, ao passo que linguagem poética é a que, basicamente, permite a apreensão intuitiva. É através dela que os sonhos e as fantasias do ser humano se expressam. Vivemos momentos difíceis, momentos em que precisamos sonhar uma nova realidade, criar novas saídas, imaginar dias melhores. Assim, fica fácil entender a importância dos textos literários para o trabalho em sala de aula e em casa também.

As obras de literatura infantil se destacam pelo seu aspecto contemporâneo e por criar uma imediata empatia personagem-leitor. A vida, suas situações problemáticas, seus encantos e desencantos pulsam em cada página. Redescobrem-se sentimentos, reavivam-se emoções. Lá estão “nossos” medos, “nossas” angústias, “nossas” alegrias, “nossas” esperanças… Nesse encontro, cria-se um elo de cumplicidade. Dissolve-se a solidão. Ali estou “EU”, ali estão os amigos e os opositores, a sociedade em que vivo… Cria-se, assim, o processo de identificação, de adesão afetiva. Pinote e Janjão

Os contos infantis atuam também, em nosso processo de conscientização crítica por permitirem níveis novos de compreensão, não só de si, mas também do outro. Além do trabalho interno que se processa com a literatura infantil, esta apresenta uma linguagem capaz de seduzir não apenas as crianças, mas também os adultos. Não é à toa que a criança, muitas vezes nos pede: Conta de novo?! Ela já sabe a história, até nos corrige quando mudamos alguma coisa, mas precisa ouvi-la mais uma vez, e mais outra … para se organizar internamente, ter respostas para suas dúvidas, saber que mais alguém (no caso, alguma personagem) também vive o mesmo conflito, tem as mesmas dúvidas, pode resolver o que é necessário, que pode ter um final feliz…

O texto literário tem características imaginativas, criativas e lúdicas que trazem muito encantamento e desenvolvimento cognitivo; traz também contribuições para a formação do pensamento crítico e para a reflexão, o que é fundamental para a aprendizagem. Levanta questionamentos sobre a realidade, possibilita que o mundo possa ser mais bem decodificado e compreendido.

Devemos ficar atentos à escolha dos livros, uma vez que muitos trazem apenas imagens bonitas, mas nada de instigante, de criativo. Nada que permita à criança se aliar aos personagens, se envolver com a trama, viajar na fantasia, se fazer perguntas, procurar respostas… E a ilustração também conta uma história, é um outro texto que se abre aos olhos da criança (e também aos nossos). quemtemmedo600

Os textos infantis não são um simples recurso para desenvolver a leitura, são uma verdadeira linha condutora de muitas aprendizagens. Através deles, se desenvolve a percepção de si e a sensibilidade. Sensibilizado para si mesmo, o homem se sensibiliza para o outro, sendo capaz de melhor compreender e melhor conviver.

No texto infantil, valoriza-se a palavra sonora, o jogo verbal, a plurivocidade da linguagem, ou seja, a multiplicidade de sentidos, o encantamento de manipular significantes (a forma das palavras) e significados. E aí está a ludicidade que atrai, que desperta ideias e emoções, que estimula a criatividade, que desvenda o mundo fantástico das relações simbólicas onde sempre há uma janela a ser aberta.

Geralmente, mais abertos ao jogo, à fantasia e ao universo poético que o adulto, o texto pode se tornar uma grande brincadeira mágica para os pequenos em que tudo pode acontecer, em que tudo pode ser recriado, em que os interesses comunicativos são menos importantes que os imaginativos.

Quando se fala em textos para “crianças”, não se pode deixar de lado a figura do contador de leer en familia 8 histórias, elemento importantíssimo nesse processo. É ele quem facilita a entrada nesse mundo mágico, quem pode aproveitar os recursos de voz e expressão, chamando a atenção do ouvinte para detalhes e particularidades nas incursões por esses novos-velhos caminhos. É quem vai dirigir o prazer de ler, criar e recriar, quem vai orientar a descoberta da euforia e da plenitude consequentes ao ato de fruição estética, ou seja, de desfrutar a beleza, de se deleitar. E quem poderá assumir esta “mágica” tarefa? Os educadores, naturalmente.

O psicólogo Bruno Bettelheim, que se dedicou aos estudos dos contos de fadas, observa que aqueles que contam histórias cheias de aventuras, magia e encantamento para as crianças, criam uma maior aproximação afetiva com elas, pois entram no jogo infantil. Ao fazê-lo, passam a mensagem de que as aceitam como são, respeitando a forma de raciocínio mágico dessa faixa etária. Como não há reprovações, o pensamento infantil se sente livre para manipular os significados do conto, podendo aprovar ou desaprovar, aceitar ou descartar e elaborar a seu modo as ideias que lhes são apresentadas, o que eu considero importante, também, para estimular sua autonomia.

A leitura de textos de literatura infantil sempre foi uma constante em minhas atividades docentes – tanto para crianças, quanto adolescentes e meus alunos da Universidade, desde que me envolvi com este universo mágico. Tais textos facilitam a reflexão, motivam, humanizam, preparando terreno para novas incursões no campo da compreensão humana. Posso afirmar que sempre trouxeram ganhos valiosos, estruturando e aprofundando os laços afetivos.

Mais adiante, voltarei a esta temática, trazendo mais algumas reflexões e propondo algumas sugestões para usar os livros em sala de aula ou na sala de casa. O tema é muito significativo e merece nossa atenção, até porque, em tempos de muita internet e de fast food, fast reading (leitura rápida), fast tudo, pois tudo parece urgente e tem que ser rápido, acabamos, se não tomamos cuidado, caindo na superficialidade. Mas o que é fundamental, como a preparação de nossos pequenos para a vida, não pode se tornar fast também, passando batido pelas suas vidas. Deles depende a possibilidade de criarmos um mundo melhor.

Leitura

Seus comentários, relatos e sugestões sempre são bem vindos. Use o espaço do site para isso.

Abraços e até a próxima postagem.

 

Expressão e organização das emoções na ponta dos lápis de cor

Na minha última postagem, um dos pontos enfatizados foi a importância de a criança ir, gradativamente, reconhecendo seus sentimentos, emoções e sensações para que, passo a passo, aprenda a lidar com eles. Bem-estar ou incômodo, medo, raiva, alegria e tristeza, talvez sejam os primeiros a serem identificados. Mas até que isso possa ocorrer e que haja a ampliação dessas identificações e do que as causou, o que é um processo longo, é importante que a criança possa expressar o que sente, mesmo que ainda não saiba nomear o que se passa com ela. E duas formas de expressão muito acessíveis à infância são as brincadeiras de faz de conta, das quais falamos alguns artigos atrás, e os desenhos, dos quais falaremos hoje.casanova

Em primeiro lugar, vale pontuar que desenhos mimeografados que são apenas coloridos pelas crianças, não trazem esta possibilidade expressiva. Pior ainda quando lhes dizem que cores devem usar, podando sua possibilidade de escolha e de autonomia. Também não trazem qualquer possibilidade expressiva desenhos copiados da revista ou do quadro de giz, que direciona o caminho que a criança vai seguir. Para possibilitar a expressão de emoções e sua organização interna, assim como o estímulo à imaginação e à criatividade, os desenhos devem ser escolhidos pela própria criança. Através deles, ela tem a possibilidade de tentar compreender a sua realidade, o que ocorre à sua volta e, também, de mostrar o que sente, o que pensa e o que vive.DSCF0309

Mas desenhar vai muito além, trabalha a corporeidade da criança – cognição, afetividade, motricidade e suas relações com seu mundo. A expressão plástica da criança (desenho, pintura, escultura, …) não tem por finalidade preparar futuros artistas, e também não deve ter como fim agradar os adultos, embora ela possa fazê-lo se desejar, pois desenhar para alguém é um modo de presentear quem recebe tais produções. Estas atividades expressivas promovem o desenvolvimento sensorial, dão vazão à imaginação infantil, estimulam a criatividade, a sensibilidade e a autonomia, pois os pequenos deverão escolher o que desenhar, com que cores e com quais formas. Enfim, estas atividades devem propiciar que a fantasia tenha lugar garantido. A fantasia para a criança não é se enganar, se iludir ou se esconder como o é, muitas vezes, para o adulto, é uma forma de recriar sua realidade, de pensar alternativas, de viver em um mundo que lhe é próprio e necessário.

Uma situação que vivi em uma escola na zona portuária do Rio de Janeiro, em que era supervisora itinerante, há mais de vinte anos atrás, me mostrou claramente o quanto o contato apenas com a dureza do cotidiano pode interferir na capacidade criativa das crianças e o quanto o estímulo à criatividade pode ajudá-las a sair de um círculo aprisionante. Era uma turma de terceiro ano, crianças com nove anos de idade em média, com grandes dificuldades de atenção. Com um pedaço de pano nas mãos, propus que cada um criasse uma história. Já havia feito a proposta a outras crianças de outras escolas e eram mágicas e criativas as ideias que surgiam. O pano se transformava em capa de bruxa ou de um super-herói, em tapete mágico, nas velas de um barco que rumava para terras a serem descobertas ou em embarcações de piratas, em pássaros de outros planetas, em nuvens que vinham à terra para conversar com as crianças.super-heroi Eram muitas as histórias que surgiam e que permitiam a interação com os coleguinhas e comigo, se encadeando e se fundindo umas às outras. Mas na turma em questão, o tecido para as crianças era apenas um pedaço de pano que servia para limpar carros e ganhar uns trocados, diminuir a entrada de água por baixo da porta com temporais, era roupa para ser lavada, flanela pra limpar o chão, passar cera e exemplos afins. Estimulei-os a criar algo diferente, algo que desejassem. De um modo geral, ouvia: “Não sei, tia!” Mas alguns ganhos se mostraram: “Ah! É uma cortina pra não acordar com o sol no olho”; “é pra fazer um vestido pra passear”, “um lençol pra forrar o chão onde durmo”… Esta turma passou por um trabalho conjunto meu e da professora pelos quase sete meses de aula que restavam, e pudemos, ao final do ano letivo, observar resultados muito positivos na expressão, na imaginação, no comportamento, e até nas avaliações e, principalmente, no envolvimento entre as crianças que, no início, brigavam muito entre si. O que foi feito de diferente? Basicamente: mais contações de história, desenhos e brincadeiras,.. e muito carinho, conversa e atenção.

1__89561_zoomOs desenhos (as artes de um modo geral) e as brincadeiras promovem a autoidentificação e a autoexpressão, estimulando o senso de si, de pertencer ao grupo, a autovalorização, tão necessários nesta sociedade conturbada, em que pais e mães precisam se afastar para ganhar seu sustento e/ou oferecer uma melhor qualidade de vida às suas famílias, ficando muito tempo distantes das crianças, que, com muita frequência, ficam sozinhas quando não estão na escola, espaço essencial para novas experiências.

Edith Derdyk, estudiosa do desenho infantil e artista plástica, aponta que a criança, através da expressão gráfica, revela seu modo de compreensão do mundo e o sentimento de como se sente nele, suas necessidades e potencialidades, o que é fundamental para seu desenvolvimento mais equilibrado. O desenho é, entre outros aspectos, diversão e prazer. É um jogo em que ela própria cria as regras, que não exige companheiros, que lhe traz a possibilidade de aprender a estar sozinha (o que posso afirmar ser um caminho para o autoconhecimento). Com seu desenho,  ela estabelece o seu espaço.drawing-614x350

A arte (e o desenho aí se coloca) permite que se trabalhe o pensamento divergente, ou seja, a capacidade de encontrar pensamentos diferenciados, de buscar soluções novas para um determinado problema. É um pensamento que se relaciona mais à criação, à intuição e à imaginação, diferente daquele em há um predomínio da lógica e da racionalidade. O desenvolvimento integral da inteligência necessita que o pensamento divergente seja trabalhado, assim como o pensamento visual e o pensamento simbólico, característicos da expressão visual.

E cabe a nós, pais e professores, estimular e valorizar esta rica linguagem da criança, dando-lhes estímulo, condições materiais (papel, lápis de cor, lápis-cera, …) e o tempo necessário para que o processo de expressão possa ocorrer. Na construção do saber, é importante que consideremos a multiplicidade de fatores que permeiam o processo e a necessidade de quebrar o que está posto de forma cristalizada para que se criem novas possibilidades. A ludicidade e a expressão plástica se mostram, nesse contexto, recursos valiosos para repensar a prática pedagógica e propor transformações, principalmente por se configurarem como atividades criativas e formas próprias de sentir, pensar e agir.

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As fotos das crianças são de Rosilene Maria da Silva Gaio e os desenhos foram tirados da internet.

Seus comentários, relatos e sugestões sempre são muito bem vindos e importantes para mim.

Abraços e até a próxima postagem.

Educar as emoções: possibilitar uma vida melhor

Educar a criança e cuidar dela com carinho significam dar-lhe uma base para toda sua vida. Crianças felizes se tornam adultos que lidam melhor com as dificuldades da adolescência e da fase adulta. Crianças que têm sua corporeidade trabalhada, ou seja, consideradas em sua integralidade física, mental, emocional e espiritual têm chances bem maiores de se transformarem em adultos mais inteiros, que aprendem a valorizar-se e a levar em conta sua totalidade.

Como enfatizei no primeiro artigo, nossa educação está pautada prioritariamente no trabalho mental, e não é difícil encontrarmos adultos com um grande desenvolvimento intelectual, mas imaturos emocionalmente e com sérias dificuldades corporais. É só olhar em volta que encontraremos muitos exemplos disso. Saber lidar com as próprias emoçõesIrmãos-brigando é um dos grandes investimentos que precisam ser considerados tanto na escola quanto em família.

Há muitos estudos de diferentes autores sobre inteligência emocional. Entre eles, os do psicólogo Daniel Goleman são mais conhecidos no campo da Educação. Ele a define como a “capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros, de nos motivarmos e de gerir bem as emoções dentro de nós e nos nossos relacionamentos” .

Saber gerir bem as emoções nos possibilita melhores relações em casa, na escola, no trabalho, ou seja lá onde for. Pessoas que desenvolvem a gentileza, a solidariedade, o respeito pelo outro, a amorosidade, a empatia têm maiores chances de boas relações e de estarem bem consigo mesmas. E aí entra o aspecto da espiritualidade, que como observei em texto anterior, nada tem a ver com religião, mas com a possibilidade de nos tornarmos pessoas melhores, de crescermos como pessoas, enfim, de nos tornarmos mais sensíveis, de nos humanizarmos.

Multi-racial children hug eachother

Respirar e relaxar é sentir o próprio corpo, se conhecer um pouco mais, perceber melhor o que acontece conosco e se dar um tempo para esfriar a cabeça quando necessário. É também facilitar a aprendizagem de identificar e lidar com nossas emoções. Significa poder assumir o leme quando elas chegam e geram alguma forma de desequilíbrio. Já ouvi muitos professores (e também outros profissionais) afirmarem que temos que ser racionais acima de tudo, que, na escola, a razão tem que tomar a frente para que a aprendizagem ocorra. Nada mais falso! Vamos de forma objetiva, analisar duas questões.

A primeira, da qual falei no nosso quarto artigo, é que estudiosos de várias áreas de conhecimento apontam que a racionalidade depende das emoções para seu funcionamento equilibrado.  O renomado neurocientista António Damásio pontua que todo conhecimento, por mais racional que seja, se origina no organismo como um todo, o que significa que corpo, mente, emoções e o meio ambiente trabalham em conjunto.

A segunda é que identificar que estamos sob o efeito de uma emoção, seja ela raiva, medo ou qualquer outra, nos permite lidar melhor com a situação. Por exemplo, se estou com muita raiva de alguma coisa, tenho que ter cuidado para não jogá-la sobre quem não tem nada a ver com isso. Gostaria muito de ter podido educar meus filhos (já homens feitos) com o conhecimento que tenho agora. Às vezes, descontava neles, sem me dar conta disso, a raiva ou a frustração que alguma situação gerava.Tudo começava com um aborrecimento com algo que faziam e eu acabava misturando tudo, pois não tinha clareza das outras emoções, o que gerava uma reação desproporcional. E isso pode facilmente ocorrer com qualquer adulto, e com as próprias crianças, por que não?

Se não estivermos conscientes do que sentimos e que gera em nós um desequilíbrio, isso pode nos envolver e dominar. Revolta, inveja, ciúme, raiva, entre outras emoções e sentimentos, são naturais, surgem sem convite. E o problema não são os sentimentos em si, mas, sim, o que fazemos com eles, de que maneira podemos canalizar tais sentimentos ou emoções.

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Pensando mais especificamente nas crianças, que estão ainda começando a identificar as próprias emoções, e que, aos poucos, precisam aprender a lhes dar nomes, temos que considerar que puni-la pelo que sente não faz sentido, mas é necessário educá-la quanto a suas reações. Um amigo professor me contou uma situação que vale ser contada, pois vale mais que muitas linhas de definição.

Era dia de banho de mangueira na escola e a professora mandara um bilhetinho pedindo que se levasse roupa de banho e toalha. A mãe preparou a sacola, mas esta acabou sendo esquecida no carro do pai que levou a criança à escola, em razão da correria quase generalizada de nossos dias. Resultado: o menino não pode participar da festa geral que foi o banho e sua frustração não foi pequena. Quando o pai foi buscá-lo, ao final da aula, o pequeno estava com muita raiva. E cá pra nós, também nós teríamos ficado. Sentado na cadeirinha atrás do assento do pai, quando voltava da escola, ele chutava furiosamente o encosto do banco. No meio do trânsito caótico de uma cidade grande, o pai pediu que parasse mais de uma vez sem resultado. Quando teve a chance, encostou o carro, desceu e conversou com o filho, olhando-o nos olhos. Disse-lhe entender sua raiva, mas que sua reação colocava em risco os dois. Poderia haver um acidente se ele se distraísse com os gritos e os chutes, e que depois conversariam melhor. Esta postura me pareceu muito sensata, pois o pai deu validade à raiva da criança, mas foi firme não aceitando uma postura birrenta, agressiva e, até mesmo, perigosa.

Birra

Outro ponto que não podemos desconsiderar é que crianças aprendem o que vivem. Se temos atitudes que não queremos ver repetidas, não podemos tê-las, e se acontecer (às vezes, nos descontrolamos mesmo), é importante mostrarmos que não foi uma boa forma de reagir. Se aceitarmos manhas e cedermos, ou mesmo se passarmos a mão na cabeça da criança dizendo: “ele(a) é assim mesmo”, “ é o jeito dele(a), “isso é coisa de criança”, “ele(a) é muito nervoso(a)” (agitado(a), temperamental, sensível, …) estaremos dando razão à birra, ou seja, a uma postura inconveniente, que criará problemas inúmeros mais adiante, pois os que nos cercam e a própria vida não serão tão complacentes.

Os famosos combinados que muitos professores adotam é uma boa forma de estabelecer regras para que a criança aprenda a lidar com limites, com os quais terão que lidar a vida toda. Estes combinados podem (e é conveniente que sejam) conversados com a criança, explicados a ela, pois serão mais facilmente aceitos, porque terão sentido para ela. E, claro, também neste caso, vale abrir mão da rigidez caso seja necessário, como dormir um pouco mais tarde se a criança tem amiguinhos que estão com os pais que nos visitam, ou se há um evento na escola que justifique algumas mudanças. Mais uma vez, flexibilidade e bom senso são palavras-chave.

Claro que o assunto não se esgota aqui e que a ele voltaremos. Na próxima quinzena, vamos trazer as manifestações artísticas à cena, pois estas são formas por excelência de expressar emoções, organizá-las e sensibilizar, além de trabalhar a corporeidade.

As fotos desta postagem são de meu arquivo pessoal e da internet.

Seus comentários, relatos e sugestões sempre são muito bem vindos.

Abraços e até a próxima postagem.

Relaxar: aprendizagem para a vida inteira

Como analisamos anteriormente, tensões não são “coisas apenas de adulto”.  E, cada vez mais, dois grandes males do nosso século, depressão e ansiedade, invadem também o mundo infantil. Assim como adultos, crianças obtêm ganhos significativos se aprenderem a relaxar. Enrijecimento muscular, dores de cabeça e de barriga, cansaço e irritação são comuns nos pequenos por excesso de tensão. Um comportamento aparentemente irracional ou uma agitação que extrapola o que é esperado da criança pode ser, também, manifestação de tensão física e/ou emocional.

Muitas são as causas como tratamos em artigos anteriores, mas volto a repetir algumas mais comuns: crianças não brincam tanto quanto deveriam, têm agendas com excesso de atividades, vivem mais num mundo adulto do que naquele adequado à sua idade. E, algumas vezes, é simples lidar com as tensões, basta que a elas se contraponham momentos de prazer. Estes podem ser antídotos perfeitos, pois à contração se segue a expansão, o relaxamento.

Propor formas de relaxar na sala de aula é algo que beneficia a todos (educandos e educadores). No campo educacional, o relaxamento visa, sobretudo, à eliminação ou diminuição de contrações musculares inúteis, gerando uma aprendizagem de liberá-las. O relaxamento tem como objetivo um estado de repouso e de calma interior que proporciona uma integração psicossomática e maior equilíbrio diante das exigências da vida atual, incluindo os processos de aprendizagem.

Como enfatizei no último artigo, respirar é uma forma importante de liberar tensões, ansiedade e de relaxar. Mas há outras possibilidades que podem ser mais facilmente utilizadas quando a agitação da criançada está maior, que devem Leninha5anteceder ou podem até mesmo substituir uma atividade que exija mais quietude. Por exemplo, se a turma está voltando do recreio quando correu e se agitou muito, será quase impossível fazê-la ficar parada respirando ou ficar concentrada em outra atividade de relaxamento. Isso vale para nós, adultos, também. Imagine estar no meio da correria, a mil por hora, e dizerem para você: “para e relaxa agora!”. Difícil, não é? Mas se nos envolvemos em uma atividade relaxante e prazerosa, fica bem mais fácil, concorda? Por isso, se quero levar a criança a um estado de relaxamento, propor uma atividade que a envolva e de que goste pode ter um melhor resultado. Isso inclui se quero introduzir um novo conceito que precise ser trabalhado na aula de matemática ou de qualquer outra área com crianças do ensino fundamental ou mesmo da educação infantil.

Utilizar jogos cantados e brincar com sons: estalar a língua, imitar barulhos diversos, emitir chiados e sibilos (estes dois últimos são bem tranquilizadores) são formas de aprofundar a respiração de maneira muito prazerosa. Trabalhar a voz (cantar e emitir sons diversos) gera a possibilidade de relaxar áreas onde se concentra muita tensão: garganta, nuca, maxilar e diafragma (Vale repetir que isso é válido para qualquer idade).

Deixar que cada um crie sons associados a movimentos que serão repetidos pelo grupo traz uma excelente forma de liberar emoções e tensões musculares, além de gerar movimentos não usuais que mexem com partes diferentes do corpo, trabalhando atenção, concentração e ritmo. E é conveniente estimular a criança a fazer um movimento diferente do coleguinha ou mesmo ajudá-la com sugestões (mas sem críticas) se ela tiver dificuldade de fazer algo diferente. Esta atividade também a ajuda a ir percebendo possibilidades de seu corpo, trabalhando sua percepção corporal e sua criatividade.

Estudiosos da música apontam para o fato de que esta pode ser usada como meio de controle, uniformizando e disciplinando movimentos como a marcha, o que historicamente se mostra repetidamente na educação. Lembremo-nos das filas em que as crianças vão cantando: “um atrás do outro que nem gafanhoto…”, em que a intenção é manter a fila organizada. Esta não é minha intenção aqui. Vejo a música como um meio de desenvolver a sensibilidade, a criatividade e possibilitar a vivência do lúdico e do prazer, de trazer momentos de entrega à atividade, contribuindo para liberar tensões e permitir maior conhecimento do próprio corpo.

E há muitas outras maneiras de relaxar e trago alguns exemplos bem simples e que não exigem muito tempo. Músicas de fundo, mais tranquilas, com um volume mais baixo podem ser usadas, se desejado:

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A) Mover o corpo suavemente com a orientação do professor, soltando partes do corpo (vale ressaltar que as articulações guardam bastante tensão);

B) A forma tradicional de relaxamento também pode ser utilizada, com os corpos soltos no chão. Mas aqui tenho uma sugestão que é muito interessante e que facilita tudo para que o corpo brincante da criança se entregue: a visualização criativa. Ela pode imaginar-se como uma pedrinha de gelo que se derrete sob o sol gostoso, um sorvete que derrete na língua, um balão que voa ou uma pipa que faz piruetas pelo céu azul, um barquinho que navega pelas águas calmas da lagoa, e mais tantas imagens que você quiser criar. Este relaxamento ajuda muito nossos pequenos na hora de dormir. E uma dica muito importante: use imagens que façam parte da vida das crianças e que sejam significativas para ela.

A visualização criativa é um processo consciente imaginativo que é usado com uma finalidade específica, e a que proponho, neste momento, é a de relaxar. Ela ativa todos os sentidos do corpo e não apenas as imagens mentais. O número de pesquisas na área médica quanto ao processo de visualização consciente como auxiliar para a cura e o equilíbrio vem aumentando, como aponta o psiquiatra Gerald Epstein, que afirma serem as imagens mentais ou visualização um processo para entrarmos em contato com o nosso interior, de criarmos novas experiências, novas formas de lidar com as diferentes tensões e situações do dia a dia.

C) Deixar que seja usada a massagem entre as crianças.

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Algumas de minhas alunas do Curso de Pedagogia, que já davam aulas durante a graduação, após trabalharmos relaxamento e massagem, os faziam com suas crianças e me contavam muito contentes os resultados positivos que obtinham para conseguir acalmar a criançada e o quanto elas gostavam. Tive, ainda, alguns relatos muito significativos de professoras que trabalhavam na APAE ou mesmo nas escolas regulares com crianças deficientes, que mostravam o quanto estes momentos eram importantes tanto para professores quanto para a criança.

A criatividade pode e deve ser usada livremente. Flexibilidade é, também, uma palavra-chave. Comece com o que lhe parecer mais fácil, “que tenha a sua cara”. O importante é experimentar. E, depois, me conte!!!

No próximo artigo, vamos falar da educação emocional mais especificamente.

As fotos desta postagem são da dissertação de Rosilene Maria da Silva Gaio, por mim orientada.

Seus comentários, relatos e sugestões sempre são bem vindos. Quero muito saber se experimentou e como foi a experiência. Use o espaço do site para isso.

Abraços e até a próxima postagem.