Estabelecer limites é imprescindível para a formação da criança, é uma forma de proteção e de preparação para a vida. Trata-se de ensinar aos nossos pequenos o que é ou não permitido, quais são ou não os comportamentos aceitáveis, o que, nem sempre, é uma tarefa fácil. Cada idade exige limites adequados e estes precisam ser enunciados com firmeza e olhando a criança nos olhos, colocando-se na sua altura: “não pode puxar a toalha da mesa, celular não é brinquedo, brincadeiras com água só no banho ou na varanda, …”.
Além de proteger a criança de acidentes como não deixá-la puxar a toalha posta para o jantar ou brincar com objetos cortantes e tomadas, é importante protegê-la de si mesma quando os sentimentos são intensos e difíceis para ela controlar sozinha. Por exemplo, com muita raiva, porque não a deixam brincar com o celular, lança longe o primeiro objeto que encontra e o quebra, ou se joga no chão gritando. Devemos reconhecer sua raiva (isso é importante), mas deixar claro que é inadmissível tal atitude: “Sei que está muito zangada, mas não vou permitir que faça isso!”.
Um aspecto que precisa ser considerado são as mudanças que estão ocorrendo nas últimas décadas que exigem que os pais fiquem mais tempo longe de seus filhos devido às demandas profissionais, acadêmicas e/ou financeiras. Muitas crianças frequentam a escola em tempo integral ou são cuidadas por avós, outros parentes ou, ainda, por babás. Isso pode gerar o sentimento de culpa nos pais que buscam compensar o tempo de afastamento, exagerando, muitas vezes, nos presentes, no atendimento às vontades da criança, e deixando de impor os limites necessários. As crianças acabam por se transformar nos reis e rainhas da casa, ou melhor, em “tiranos” que ditam as ordens. Tais atitudes acarretam a perda de autoridade dos pais, e extrapolam o núcleo familiar, atingindo a escola, e geram muita dificuldade em se manter o controle das situações.
Colocar limites e estabelecer regras para a criança é uma tarefa demorada, exige persistência e atenção dos educadores. Exige que aprendam a distinguir a manha, os caprichos e artimanhas infantis das dificuldades ou necessidades dos pequenos. Mesmo que reclame e sinta raiva, a criança é capaz de entender que seus pais se preocupam com ela e com seu bem estar, o que lhe traz segurança e a faz sentir-se cuidada e protegida.
Crianças, mesmo as bem pequenas, podem ser muito ardilosas e desafiadoras. Há pouco tempo, na hora da refeição, minha nora disse a meu neto que ele não poderia tomar mais suco até acabar de comer. Desafiadoramente, ele pegou o copo e foi para baixo da mesa, olhando para mim e para a mãe, fazendo questão de mostrar que estava nos testando.
Podem também usar o recurso da sedução, da simpatia. Minha sobrinha, quando tinha cerca de cinco anos e vinha à nossa casa, ficava encantada com meus livros infantis, material que utilizava nas minhas aulas da faculdade e queria levá-los para sua casa. Ela se aproximava, me beijava, abraçava e disparava seu discurso habitual: “Tia Lucinha, você está tão bonita! Amo muito você … me dá seus livrinhos de história?”
Crianças que não recebem limites têm muita dificuldade de viver em grupo, de aceitar as normas de boa convivência, imprescindíveis na vida familiar, estudantil e, futuramente, profissional. São estas normas que asseguram direitos e deveres de todos os envolvidos, assim como a capacidade de respeitarem e serem respeitados. Imagine alguém que quer sempre que suas vontades e ideias prevaleçam, o famoso “dono da verdade”. Esta criança (futuro jovem e adulto) terá dificuldade em ser aceita em um grupo, em estabelecer vínculos afetivos significativos e duradouros, o que pode trazer danos emocionais profundos e sofrimento gerados pelo isolamento.
Convivi com uma pessoa com tais características. Não aceitava as regras, mexia céus e terras para conseguir o que queria, usava de sedução e artimanhas, desrespeitava opiniões e avisos, impunha sua vontade. Dizia o que queria (e, claro, ouvia o que não queria também), enfim, não tinha limites. Todos se afastavam dela, apesar de suas tentativas de se aproximar, pois a convivência era muito incômoda e tensa. Ela sofria com isso, mas não conseguia ver que ela era a responsável, e que não era apenas uma implicância dos outros, coisa em que, realmente, acreditava.
Frustrações fazem parte da existência, não há como evitá-las: um carro ou a casa almejada que não podemos ter, uma viagem que fica no desejo num ano difícil, um concurso em que somos excluídos, um texto não aceito para publicação, um emprego perdido, um namoro bruscamente terminado… São muitos os nãos que recebemos nas mais diversas situações e com os quais precisamos aprender a lidar para não nos tornarmos pessoas amargas e que desistem de buscar seus intentos e construir sua própria vida. E esta aprendizagem tem início na infância, quando a criança aprende que não pode ter tudo o que quer, nem fazer tudo que deseja. Que algumas coisas são possíveis, mas outras não, que há valores a serem respeitados.
Cabe a nós, educadores, mostrar à criança que todos temos limites a serem considerados, que o mundo não gira a nosso redor, ensinar-lhe a superar frustrações, com a clareza de que a estamos preparando para se tornarem adultos mais equilibrados e maduros. Colocar limites não é bater, gritar ou impor castigos de forma autoritária sem explicações. O importante é que isso seja feito com firmeza e amor, que seja expresso com clareza e coerência, em linguagem compreensível para a idade da criança, mostrando-lhe o que é possível ou não e o porquê, apontando implicações dos seus atos. Vale ressaltar que violência ou severidade excessiva em palavras ou atos pode prejudicar em vez de solucionar problemas.
A psicóloga Tânia Zagury, em seu livro Limites sem trauma, atenta para o quadro que pode se desenvolver com a falta de limites: dificuldade progressiva em aceitá-los, distúrbios comportamentais, descontrole emocional, ataques de raiva, desrespeito a pais, colegas, professores e outras figuras de autoridade, incapacidade de concentração e de concluir tarefas, agressões físicas quando surgem contrariedades.
Fico muito incomodada quando vejo crianças chutando ou xingando os pais, tendo acessos de raiva, se jogando no chão, ou dando gritos e ouço os responsáveis dizendo: “ele é rabugento, ela é temperamental, está irritado, cansado, entendiado,…”. Isso não pode ser considerado algo aceitável e corriqueiro, e sim algo a ser trabalhado e olhado com atenção. Claramente há necessidade de limites.
A falta de limites não permite que a criança tenha clareza do seu espaço e do espaço do outro, e que os respeite. Isso gera egoísmo, atitudes egocêntricas, isto é, um indivíduo que só consegue “olhar para o próprio umbigo” como bem expressa o ditado popular. A firmeza dos educadores na contenção de condutas inadequadas se somará ao aumento progressivo da maturidade e da capacidade de autocontrole da criança, resultando em uma gradual mudança das atitudes impulsivas e inaceitáveis em condutas apropriadas. Colocar limites, afirma Zagury, também é fazer a criança compreender que seus direitos acabam onde começam os do outro. Dar limites é respeitar a criança e promover a sua autoestima e autonomia.
Conhecer as fases de desenvolvimento da criança nos ajuda a melhor compreender nossos pequenos e suas atitudes, de forma a podermos estabelecer os limites com mais segurança. Mais que ensinar regras de convivência, os limites são fundamentais para a saúde mental e emocional da criança (futuro adolescente e adulto). É, ainda, uma forma de ajudar esses seres em formação a respeitarem, ao longo de suas vidas, os próprios limites e os do outro, a saberem dizer não quando necessário, o que, com certeza, lhes trará maior qualidade de vida e relações mais saudáveis.
No próximo texto, vamos refletir sobre a questão dos limites na escola, onde, muitas vezes, a criança chega sem tê-los recebido em casa, gerando problemas delicados para os professores.
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