Limites e a formação da criança

Estabelecer limites é imprescindível para a formação da criança, é uma forma de proteção e de preparação para a vida. Trata-se de ensinar aos nossos pequenos o que é ou não permitido, quais são ou não os comportamentos aceitáveis, o que, nem sempre, é uma tarefa fácil. Cada idade exige limites adequados e estes precisam ser enunciados com firmeza e olhando a criança nos olhos, colocando-se na sua altura: “não pode puxar a toalha da mesa, celular não é brinquedo, brincadeiras com água só no banho ou na varanda,  …”.

agressividade-crianca-1383583892277_1920x1280Além de proteger a criança de acidentes como não deixá-la puxar a toalha posta para o jantar ou brincar com objetos cortantes e tomadas, é importante protegê-la de si mesma quando os sentimentos são intensos e difíceis para ela controlar sozinha. Por exemplo, com muita raiva, porque não a deixam brincar com o celular, lança longe o primeiro objeto que encontra e o quebra, ou se joga no chão gritando. Devemos reconhecer sua raiva (isso é importante), mas deixar claro que é inadmissível tal atitude: “Sei que está muito zangada, mas não vou permitir que faça isso!”.

Um aspecto que precisa ser considerado são as mudanças que estão ocorrendo nas últimas décadas que exigem que os pais fiquem mais tempo longe de seus filhos devido às demandas profissionais, acadêmicas e/ou financeiras. Muitas crianças frequentam a escola em tempo integral ou são cuidadas por avós, outros parentes ou, ainda, por babás. Isso pode gerar o sentimento de culpa nos pais que buscam compensar o tempo de afastamento, exagerando, muitas vezes, nos presentes, no atendimento às vontades da criança, e deixando de impor os limites necessários. As crianças acabam por se transformar nos reis e rainhas da casa, ou melhor, em “tiranos” que ditam as ordens. Tais atitudes acarretam a perda de autoridade dos pais, e extrapolam o núcleo familiar, atingindo a escola, e geram muita dificuldade em se manter o controle das situações.

Colocar limites e estabelecer regras para a criança é uma tarefa demorada, exige persistência e atenção dos educadores. Exige que aprendam a distinguir a manha, os caprichos e artimanhas infantis das dificuldades ou necessidades dos pequenos. Mesmo que reclame e sinta raiva, a criança é capaz de entender que seus pais se preocupam com ela e com seu bem estar, o que lhe traz segurança e a faz sentir-se cuidada e protegida.

Crianças, mesmo as bem pequenas, podem ser muito ardilosas e desafiadoras. Há pouco tempo, na hora da refeição, minha nora disse a meu neto que ele não poderia tomar mais suco até acabar de comer. Desafiadoramente, ele pegou o copo e foi para baixo da mesa, olhando para mim e para a mãe, fazendo questão de mostrar que estava nos testando.

Podem também usar o recurso da sedução, da simpatia. Minha sobrinha, quando tinha cerca de cinco anos e vinha à nossa casa, ficava encantada com meus livros infantis, material que utilizava nas minhas aulas da faculdade e queria levá-los para sua casa. Ela se aproximava, me beijava, abraçava e disparava seu discurso habitual: “Tia Lucinha, você está tão bonita! Amo muito você … me dá seus livrinhos de história?”

tuyet-chieu-do-tre-qua-con-tuc-gian-ma-khong-can-ipadCrianças que não recebem limites têm muita dificuldade de viver em grupo, de aceitar as normas de boa convivência, imprescindíveis na vida familiar, estudantil e, futuramente, profissional. São estas normas que asseguram direitos e deveres de todos os envolvidos, assim como a capacidade de respeitarem e serem respeitados. Imagine alguém que quer sempre que suas vontades e ideias prevaleçam, o famoso “dono da verdade”. Esta criança (futuro jovem e adulto) terá dificuldade em ser aceita em um grupo, em estabelecer vínculos afetivos significativos e duradouros, o que pode trazer danos emocionais profundos e sofrimento gerados pelo isolamento.

Convivi com uma pessoa com tais características. Não aceitava as regras, mexia céus e terras para conseguir o que queria, usava de sedução e artimanhas, desrespeitava opiniões e avisos, impunha sua vontade. Dizia o que queria (e, claro, ouvia o que não queria também), enfim, não tinha limites. Todos se afastavam dela, apesar de suas tentativas de se aproximar, pois a convivência era muito incômoda e tensa. Ela sofria com isso, mas não conseguia ver que ela era a responsável, e que não era apenas uma implicância dos outros, coisa em que, realmente, acreditava.

Frustrações fazem parte da existência, não há como evitá-las: um carro ou a casa almejada que não podemos ter, uma viagem que fica no desejo num ano difícil, um concurso em que somos excluídos, um texto não aceito para publicação, um emprego perdido, um namoro bruscamente terminado…  São muitos os nãos que recebemos nas mais diversas situações e com os quais precisamos aprender a lidar para não nos tornarmos pessoas amargas e que desistem de buscar seus intentos e construir sua própria vida. E esta aprendizagem tem início na infância, quando a criança aprende que não pode ter tudo o que quer, nem fazer tudo que deseja. Que algumas coisas são possíveis, mas outras não, que há valores a serem respeitados.

Cabe a nós, educadores, mostrar à criança que todos temos limites a serem considerados, que o mundo não gira a nosso redor, ensinar-lhe a superar frustrações, com a clareza de que a estamos preparando para se tornarem adultos mais equilibrados e maduros. Colocar limites não é bater, gritar ou impor castigos de forma autoritária sem explicações. O importante é que isso seja feito com firmeza e amor, que seja expresso com clareza e coerência, em linguagem compreensível para a idade da criança, mostrando-lhe o que é possível ou não e o porquê, apontando implicações dos seus atos. Vale ressaltar que violência ou severidade excessiva em palavras ou atos pode prejudicar em vez de solucionar problemas.Dampak-Buruk-Anak-Sering-Dimarahi

A psicóloga Tânia Zagury, em seu livro Limites sem trauma, atenta para o quadro que pode se desenvolver com a falta de limites: dificuldade progressiva em aceitá-los, distúrbios comportamentais, descontrole emocional, ataques de raiva, desrespeito a pais, colegas, professores e outras figuras de autoridade, incapacidade de concentração e de concluir tarefas, agressões físicas quando surgem contrariedades.

Fico muito incomodada quando vejo crianças chutando ou xingando os pais, tendo acessos de raiva, se jogando no chão, ou dando gritos e ouço os responsáveis dizendo: “ele é rabugento, ela é temperamental, está irritado, cansado, entendiado,…”. Isso não pode ser considerado algo aceitável e corriqueiro, e sim algo a ser trabalhado e olhado com atenção. Claramente há necessidade de limites.autoritarismo

A falta de limites não permite que a criança tenha clareza do seu espaço e do espaço do outro, e que os respeite. Isso gera egoísmo, atitudes egocêntricas, isto é, um indivíduo que só consegue “olhar para o próprio umbigo” como bem expressa o ditado popular. A firmeza dos educadores na contenção de condutas inadequadas se somará ao aumento progressivo da maturidade e da capacidade de autocontrole da criança, resultando em uma gradual mudança das atitudes impulsivas e inaceitáveis em condutas apropriadas. Colocar limites, afirma Zagury, também é fazer a criança compreender que seus direitos acabam onde começam os do outro. Dar limites é respeitar a criança e promover a sua autoestima e autonomia.

Conhecer as fases de desenvolvimento da criança nos ajuda a melhor compreender nossos pequenos e suas atitudes, de forma a podermos estabelecer os limites com mais segurança. Mais que ensinar regras de convivência, os limites são fundamentais para a saúde mental e emocional da criança (futuro adolescente e adulto). É, ainda, uma forma de ajudar esses seres em formação a respeitarem, ao longo de suas vidas, os próprios limites e os do outro, a saberem dizer não quando necessário, o que, com certeza, lhes trará maior qualidade de vida e relações mais saudáveis.

No próximo texto, vamos refletir sobre a questão dos limites na escola, onde, muitas vezes, a criança chega sem tê-los recebido em casa, gerando problemas delicados para os professores.

Suas observações, comentários e sugestões são sempre muito bem-vindos. Deixe-os no espaço abaixo e responderei logo que possível.

Grande abraço e até o próximo encontro.

As imagens foram retiradas da web.

A criança e a tecnologia: ganhos ou perdas?

Em textos anteriores, falamos da importância do movimento e da brincadeira para nossos pequenos e o quanto a imobilidade diante da tevê ou das telinhas de tablets e celulares pode bloquear o desenvolvimento de habilidades significativas para as crianças. Uma de nossas leitoras sugeriu em seus comentários que aprofundássemos um pouco mais a questão das relações entre a tecnologia e a criança, o que trazemos neste artigo.

crianca-segurando-tabletAs crianças têm verdadeiro fascínio por computadores e celulares e lidam com eles com uma facilidade que nos surpreende. Bem pequenos, já entram em sites e acessam seus vídeos preferidos. Marc Prensky denominou de nativo digital aqueles que já nasceram em um mundo em que a tecnologia criou uma realidade e formas diferenciadas de conectividade, exigindo de nós um novo olhar para as relações que se estabelecem entre a criança e as tecnologias atuais, uma vez que não podemos desconsiderá-las. Elas estão aí e nós as usamos todo o tempo. A criança quer fazer o mesmo, afinal, a imitação é uma forma de aprendizagem.

É impressionante a facilidade com que as novas gerações interagem com a tecnologia, enquanto nós, de gerações anteriores, tenhamos precisado nos dedicar a controlar até o movimento do mouse. Eu mesma fui “alfabetizada tecnologicamente” pelos meus filhos e precisava tomar um relaxante muscular a cada “aula”. Hoje, vendo a facilidade com que os pequenos dedinhos infantis fazem e desfazem, fico me perguntando como desconsiderar uma habilidade que talvez possamos chamar de “praticamente inata”.

Entendo, como alguns estudiosos do assunto, que a tecnologia tem o seu lado negativo e o positivo, podendo, portanto, trazer vantagens ou problemas, dependendo da forma como a criança se relaciona com ela. Quando falamos do processo de ensino e aprendizagem, ela pode trazer benefícios e se tornar uma importante ferramenta. Alguns canais próprios para o público infantil, por exemplo, oferecem programas pedagógicos de boa qualidade, estimulando a aprendizagem, o canto e a dança de maneira apropriada para o público infantil. Mas, infelizmente, isso, que eu saiba, só está disponível na tevê a cabo.

Alguns estudiosos podem se mostrar bastante radicais, como Valdemar Setzer, e acreditam que passatempos tecnológicos devem ser8630.16221-Jogando-videogame excluídos do mundo infantil. A razão deste autor citado para isso se deve ao fato de considerar que os meios eletrônicos exigem grande autocontrole e autodisciplina, o que ainda não foi adquirido pela criança. Argumenta, ainda, que antes de adquirir uma boa dose de discernimento entre o que é bom ou mau, verdadeiro ou falso, o que só é alcançado no final da adolescência, se torna um risco expor a criança a possibilidades e perigos com que ainda não está preparada para lidar. Acredito que isso aponta, inegavelmente, para um cuidado de que os pais não podem abrir mão, o de gerenciar por que caminhos virtuais navegam as crianças.

Um outro ponto mencionado por Setzer, que creio não poder ser desconsiderado, é o risco de  o computador estimular um pensamento muito exato e restrito para os pequenos, podado-lhes a imaginação e a criatividade, ideia compartilhada por outros estudiosos do assunto.

Tecnologia e saúde da criança

Um grande perigo, sem sombra de dúvida, é a substituição das brincadeiras e das atividades físicas pelos aparelhos eletrônicos. Como analisamos em textos anteriores, a criança se desenvolve e aprende através dessas atividades em que sua corporeidade pode ser trabalhada, o que inclui as relações com outras crianças, daí a importância de as escolas manterem espaço para o brincar. Sabemos que nem sempre a criança tem a oportunidade do contato com outros pequenos, e a escola é um espaço-tempo privilegiado para as trocas. Somos seres sociais e, como tais, precisamos aprender a lidar com pessoas, a enfrentar os desafios e prazeres da convivência, a aprendizagem das emoções.

crianca-comendo-computadorOutro ponto que vale enfatizar é que a inatividade gerada pelo uso abusivo da tecnologia tem gerado outro sério problema: a obesidade infantil e a rigidez corporal. A obesidade gerada pelo sedentarismo gera outros danos cujos índices registrados têm aumentado bastante: diabetes, hipertensão arterial e problemas cardíacos. A rigidez, além de poder provocar dores no corpo, diminui sensivelmente o fluxo da bioenergia, causando apatia e desânimo.

O uso indiscriminado da tecnologia, além dos riscos físicos já citados, pode trazer transtornos psicológicos como depressão, ansiedade, embotamento afetivo e social, isto é, a criança passa a ter dificuldades de expressar suas emoções e de se relacionar. Não podemos perder de vista que a criança, especialmente na primeira infância, está em fase de intenso desenvolvimento e amadurecimento cognitivo, afetivo, motor e social, cheia de energia e curiosidade, com muita imaginação e criatividade, pronta para descobrir o mundo que a cerca, o mundo real, mais importante que o virtual.

Não tenho dúvidas de que o uso indiscriminado e não supervisionado desses meios eletrônicos, é um grande risco. Cabe a nós,3231859613-criancas-brincando educadores – pais e professores, estimular o desenvolvimento infantil através da arte, das histórias, de atividades criativas e do movimento. De que seja valorizado o espaço para que possam vivenciar atividades lúdicas e que exigem movimento, estimulando-se a relação com familiares e amiguinhos.

O que fica muito claro para mim é o fato de que nós, educadores, precisamos ter bom senso Não se trata de proibir o uso da tecnologia, isso só causaria tentativas de burlar a proibição ou a sensação de ser diferente de outras crianças. Trata-se de criar limites e aproveitar as vantagens dos recursos tecnológicos que podem contribuir no processo de ensino-aprendizagem da criança, dosando-se o tempo de entrega da criança aos eletrônicos, evitando-se influências negativas que prejudiquem o desenvolvimento saudável de nossos pequenos.

Suas sugestões, comentários e perguntas são sempre muito bem-vindos. Deixe-os no espaço abaixo. Responderei assim que possível.

Um grande abraço e até a próxima.

Fotos de meu arquivo pessoal e da web.

 

CRIANÇA – profissão: brincar

Fui a uma cerimônia de formatura há algum tempo e fiquei observando duas menininhas que estavam no corredor ao lado das cadeiras. Elas conversavam com suas bonecas e as faziam conversar entre si; giravam com elas, as ninavam, fingiam dar-lhes comidinha que se materializou com confetes e pedacinhos de serpentina recolhidos do chão. Com todo cuidado para não sujar a roupinha da sua “filhota”, uma delas usou o lencinho de seu próprio vestido como babador. E ali ficaram completamente imersas em seu mundo de imaginação e fantasia, distantes dos aplausos, assovios e gritos da assistência, que comemorava outra importante etapa da vida.

A brincadeira faz parte da natureza da criança e ela sempre encontrará uma forma de seguir este impulso tão próprio da infância esteja onde estiver, com o que lhe for disponível. E além de ser um prazer para ela, é fundamental para seu desenvolvimento, sendo a base da inteligência criativa, tão necessária para a mudança do que nos cerca e a busca de novas possibilidades. Entretanto, como qualquer forma de inteligência, ela precisa ser desenvolvida para ter seu potencial atualizado, e os primeiros anos da infância são a época ideal para que esse desenvolvimento ocorra de forma mais intensa através de atividades apropriadas à etapa de vida dos pequenos. É, ainda, um estímulo ao pensamento reflexivo e um meio poderoso de trabalhar as emoções.

Brincadeiras-de-Crianca-em-Ingles

Não podemos esquecer que a brincadeira trabalha as dimensões cognitiva, afetiva e motora, contribuindo para o desenvolvimento integral da criança. Brincando, as crianças conhecem mais a si próprias e o mundo que as cerca, elaboram dificuldades, desenvolvem a linguagem corporal expressiva, as habilidades motoras e as possibilidades de interação. Dessa forma, é essencial que os educadores – professores, pais e responsáveis pela criança – lhes propiciem momentos de brincar.

4 competências das crianças de 4 anosComo já abordamos há um tempo, agendas lotadas tendem a causar estresse e algumas dificuldades como irritabilidade e agitação, pois a criança precisa de tempo para brincar, sua “profissão” nessa etapa da vida é esta. Brincar não é perder tempo, é ganhar em crescimento mental, emocional e motor, é nutrir-se e se fortalecer para lidar com os obstáculos que fazem parte da vida. O que importa é considerar as características da brincadeira de permitirem à criança momentos de entrega e integração, de estar vivendo imersa no aqui-agora. Neste sentido, pode viver as alegrias de pular amarelinha, pular corda, brincar de roda, com adivinhas ou trava-línguas, ouvir e contar histórias, brincar de casinha, com jogos de montar e uma infinidade de possibilidades.

Brincadeiras de faz de conta

A brincadeira de faz de conta, o que nossas menininhas na formatura viviam, merece uma atenção especial, neste texto, devido a ser um espaço-tempo privilegiado de constituição da criança como sujeito produtor de história e cultura, além de ser também uma rica possibilidade de interação infantil, desenvolvendo as habilidades linguísticas e o desempenho de papéis.

med07As brincadeiras de faz de conta ou jogos simbólicos permitem que a criança pense e vivencie situações novas ou aquelas que fazem parte de sua realidade sem sofrerem riscos, pressões ou repreensões. Ela pode deixar de ser a filha e ser a mãe, ao invés de aluno passa a ser professor, pode ditar regras, pilotar um avião, dirigir um carro, ser médico ou astronauta, princesa ou bruxa. Por meio deste brincar, a criança busca superar impossibilidades e contradições, lidar com regras, com o imprevisível (nunca se sabe o rumo a que a brincadeira pode levar), com sua visão da realidade e da fantasia. Trabalham valores de seu grupo, representações sociais de algumas situações, aspectos do seu dia a dia, entram em contato com características emocionais de seus personagens.

As crianças são levadas a negociar a estruturação da brincadeira, a escolha de espaços e de personagens, e se tornam membros de uma pequena comunidade, que também tem suas normas de conduta, seus papéis a cumprir, o que as ajuda a ganhar autonomia e se tornarem participantes. É um exercício para assumir seu lugar na sociedade. E se algo não está bom, sempre é tempo de mudar o rumo da história, um bom exercício de buscar saídas.

Em uma brincadeira de faz de conta, cenários podem ser construídos e objetos assumir diferentes funções. Embaixo da cama pode estar uma gruta a ser explorada, vassouras se tornam cavalos, caixas assumem mil possibilidades, a toalha sobre cadeiras se torna uma cabana indígena… O professor ou aqueles que cuidam das crianças podem lhes possibilitar materiais e dar ideias, o que além de estimulá-las, cria laços afetivos.DSC04880

Brincar de faz de conta para nossos pequenos é mais que aprender conteúdos escolares, é aprender sobre a vida e dar significados ao que os cerca, para que compreendam o mundo e se percebam nele e como parte dele. É uma valiosa possibilidade de a criança construir sua identidade, de se relacionar com o outro e com os objetos. E vale enfatizar que o professor tem um papel fundamental para que isso ocorra no ambiente escolar, principalmente, da educação infantil.

A escola tende a pedagogizar a brincadeira usando-a como uma preparação para ler, escrever e contar. Entretanto, a brincadeira tem um fim em si mesma, e, por si só é capaz de propiciar a construção do conhecimento e o desenvolvimento da criança, estimulando-lhe a capacidade de superar os obstáculos, de enfrentar dificuldades e de conviver. E convenhamos, mais que nunca é necessário trabalhar as relações humanas, o diálogo, as responsabilidades pessoais, o respeito, a solidariedade e o afeto.

As fotos  foram retiradas da web.

Seus comentários, relatos e sugestões são muito bem vindos e importantes para mim. Deixe-os no espaço abaixo que responderei tão logo seja possível.

Abraços e até a próxima postagem.

Ainda sobre a autoestima da criança

Como vimos no último post, as bases da autoestima são construídas durante a infância através das relações estabelecidas, no dia a dia, entre a criança e aqueles que têm papel importante em sua vida. É, nesse processo, que ela incorpora valores, crenças, normas de conduta, hábitos que levará pela vida. As crianças precisam da aceitação e do afeto dos educadores e daqueles que lhes são importantes para desenvolverem a autoestima positiva, mas necessita, também, ter limites claros e regras a seguir, bem como a constante busca do equilíbrio para que lhe seja oferecido amor incondicional acompanhado de critérios bem definidos para dentro e fora da família e na escola.

A autoestima positiva na infância repercutirá ao longo da vida, permitindo ao indivíduo manter uma imagem constante e positiva de seu potencial, ter maior facilidade em assumir papéis sociais, ser criativo, expressar as próprias ideias e ter maiores possibilidades de ser mais bem sucedido nos estudos e profissionalmente, determinando a maneira de lidar com sua vida, de como se sentir em relação a si mesmo e a seu valor. A primeira infância (de 0 a 6 anos) é uma fase decisiva para que a criança desenvolva sua capacidade de gostar de si mesma e do outro, de confiar em si e em outras pessoas, de respeitar e ser respeitada, o que lhe permitirá desenvolver segurança interna e lidar melhor com dificuldades e frustrações. E isso é válido também para a vida escolar.

Gosto muito de dizer, por acreditar nisto, que não é a quantidade do tempo que dedicamos a nossos filhos que é o mais importante,P1020575 mas sim a qualidade deste tempo. Momentos em família são muito importantes, bem como o que fazemos neste tempo. Menos pode ser mais: que adianta, responder automaticamente à criança sem tirar os olhos do celular ou da televisão por horas a fio? Escutá-la é fundamental. Não basta um “hum-hum”, sem ouvir de fato o que dizem.

E não se preocupe com perfeição, educadores e familiares não precisam ser perfeitos (aliás, isto não existe, não é mesmo?!). É importante que estejam atentos, que sejam sensíveis, amorosos, que dialoguem com os pequenos, ouçam o que sentem e o que pensam, de forma que se sintam acolhidos e protegidos, compreendidos e orientados. Importante, também, que os educadores se habituem a pedir desculpas quando se equivocarem com a criança, se deram gritos por estarem cansados ou tensos, ou se a criança esqueceu alguma coisa… Assim, a criança crescerá sabendo que não precisa ser perfeita, mas que deve desculpas se algo não aconteceu como deveria.

Em seu livro Brincar e Amar – Fundamentos esquecidos do humano, Humberto Maturana e Gerda Verden-Zöller são enfáticos ao observar que o que possibilita à criança crescer com autoaceitação, autorespeito e aceitar o outro (fundamental para nós que somos seres sociais) é a “consciência operacional” de sua corporeidade, o que acontece quando a criança brinca com seu pai ou sua mãe, quando se veem, se escutam, se tocam com entrega e confiança.

Para os autores, brincar é estar atento ao que se faz no aqui-agora, sem preocupação com o futuro, é entregar-se ao momento. A aceitação mútua só ocorre sob a aceitação amorosa. O oposto do amor não é o ódio, e sim a indiferença, que não permite os encontros e nem que permaneçamos unidos. A criança requer, para seu crescer equilibrado, a relação amorosa entre ela, sua mãe e demais membros da família, fundamental para seu desenvolvimento fisiológico, corporal, sensorial e da consciência individual e social.

Comendo sozinhaQuando a criança aprende a gostar de si mesma e a acreditar que é capaz, ela se sente mais segura para lidar com os percalços naturais da vida e buscar soluções para situações novas, sentindo-se mais encorajada a tomar iniciativas e buscar saídas. Quem se sente bem consigo mesmo tem mais facilidade de se sentir de bem com a vida. A criança aprende com suas tentativas, com os erros, ela vai percebendo que precisa repetir e repetir até ganhar autonomia. Isso acontece todo o tempo, com coisas mais simples ou mais complexas. Quem já viu uma criança tentando montar um quebra-cabeça, amarrar o cadarço, abotoar a camisa ou comer sozinha sabe que são processos e que estes precisam ser estimulados para que ela possa ganhar confiança e vencer desafios. Se alguém corre e faz por ela porque sempre tem pressa, como vai aprender a fazer sozinha? Estimule-a, dê uma ajudinha, mas deixe-a tentar e ir ganhando autonomia. E não se esqueça de elogiar suas vitórias e conquistas.

A psicóloga Violet Oaklander, em seu livro Descobrindo Crianças, observa que nem sempre as crianças têm consciência de que não se sentem bem em relação a si mesmas, entretanto podem perceber que alguma coisa está errada. Ela aponta formas mais comuns com que a criança pode manifestar a baixa autoestima: viver choramingando, se vangloriando ou se desculpando; sempre ficar na defensiva, querer vencer e trapacear nos jogos; apresentar atitudes antissociais; sempre procurar chamar atenção dos outros com palhaçadas ou fazendo-se de boba; ser muito crítica em relação a si própria; sentir-se incapaz de fazer escolhas e tomar decisões; ter sempre desculpas para tudo, culpar os outros pelos próprios erros; ser retraída ou tímida em excesso; ter medo de experimentar coisas novas e ser muito desconfiada; estar sempre querendo agradar os outros; comer em excesso; nunca dizer “não”.

A criança passa por muitas fases e pode estar mais estressada com situações que ocorrem a sua volta, tendo atitudes incomuns.IMG-20160206-WA0003 Isso é natural! Mas vale ficar atento caso tais comportamentos sejam muito persistentes. Na escola não é diferente, estes comportamentos também se manifestam. É muito comum que as crianças assumam determinadas atitudes para chamar a atenção da professora e dos coleguinhas para si porque se sentem rejeitadas, e uma delas é fazer gracinhas todo o tempo. Costumava pedir-lhes ajuda, elogiar algo merecido, conversar…: “você pode recolher os trabalhos pra mim?”,  “Pode me ajudar a apagar o quadro?”, “Cortou o cabelo, eu gostei!”… Isso os fazia se sentirem valorizados e a sua agitação diminuía.

Algumas situações familiares são consideradas por alguns autores como um grande risco, podendo ocasionar a baixa autoestima infantil: ambientes em que os conflitos sejam constantes; pais e outros responsáveis pela criança que a encarem como um peso a carregar, que a tratem de forma desatenta e negligente; famílias em que não há normas estabelecidas ou em que as regras não são consideradas ou levadas a sério; famílias em que as punições são constantes e se manifestem através da força e de posturas excessivamente autoritárias. Considero que tais situações também se reproduzem na escola e que, também lá, podem gerar a baixa autoestima. Vale lembrar que não é o autoritarismo que gera respeito, muito menos a violência. Geram, sim, medo.

Oaklander aponta ainda que a sociedade pode ser causadora de um baixo senso de valor próprio através das várias formas de discriminação: com os gordinhos, os muito magros, os negros, os pobres, os pouco atraentes, pertencentes a minorias… Parece-me, nestes casos, que a família e os professores precisam ser mais cuidadosos, aquela para manter permanente diálogo e estes para estimular a inclusão ao invés de fomentá-la. Um dos mais tristes relatos que escutei de uma aluna da Pedagogia foi o comentário da professora com ela na frente de um aluno com dificuldades na sala onde estagiava: “Não se preocupe com este aqui não. Ele não aprende mesmo, é muito limitado”. Comentários desumanos como este podem destruir a autoestima de uma criança e marcá-la profundamente. Este tipo de violência, que não é física, mas psicológica, também pode afetar o seu equilíbrio emocional. Ressalto que a violência psicológica, muito mais presente em casos de bullying, não é menos dolorosa e grave que a violência física.

Não perca as chances de parabenizar suas crianças quando elas superarem dificuldades, tiverem acertos, conseguirem realizar algo que lhes era difícil. Este sentimento de conseguir realizar algo reforça a sua autoestima. E se ainda não conseguiu, não a critique; se ela fez algo que não deveria, diga-lhe que não gostou de sua atitude, mas nunca diga que não gosta mais dela. O que merece desaprovação não é a criança, mas o seu comportamento.

Se a criança se sentir amada e acolhida, se houver a escuta do que tem a dizer, o respeito a sua forma de pensar e sentir, mesmo que receba repreensões justas, na adolescência, terá menos chances de buscar fora de casa formas de se sentir especial e ser aceita, de se envolver com os desajustes da nossa sociedade.

As fotos são do meu arquivo pessoal.

Seus comentários, perguntas e sugestões são sempre bem-vindos. Deixe-os no espaço abaixo e responderei assim que possível. Grande abraço e até a próxima!

Autoestima: a vida com mais inteireza

Há poucos dias, passei de carro por lugares onde vivi minha infância no Rio de Janeiro. Não foi a primeira vez que passei por lá, mas, talvez por estar com minha neta, várias situações da minha infância voltaram de uma forma muito viva: algumas muito boas e outras nem tanto. Acabei mudando o rumo do que pretendia escrever hoje, pois, depois de muitos anos já vividos, consigo ver com clareza o quanto podemos criar imagens negativas de nós mesmos devido a pequenas coisas que vivenciamos desde a primeira infância e que vão sendo reforçadas ao longo dos anos, nos exigindo um trabalho árduo de colocar nossa autoimagem no seu devido lugar, quando “crescemos”, para que tenhamos uma vida mais plena.

A autoestima refere-se à maneira como alguém avalia a si mesmo, o que pode expressar aprovação ou reprovação (no caso de uma baixa autoestima); refere-se à maneira como a pessoa se vê ou se sente – capaz ou incapaz, significativa ou insignificante, boa ou má, por exemplo. A maneira como a criança se sente em relação a si mesma, a forma como se vê, certamente, sofre a influência das mensagens que recebe do seu entorno desde os primeiros anos de vida. É uma experiência subjetiva, ou seja, se relaciona à própria percepção de uma pessoa, o que pode se tornar acessível a outros através da expressão verbal e de comportamentos que podem ser observados.

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_ Vai, filho!!! Tentando acertar, mesmo sendo difícil (Arquivo pessoal)

As pessoas importantes para a criança, especialmente os pais e aqueles que são responsáveis pelos seus cuidados iniciais, têm grande influência sobre ela e a formação da imagem que tem de si mesma, o que vai interferir na forma com que vai gerir sua vida, assim como nos rumos de seu processo de amadurecimento. A criança quer ser amada, e para isso, muitas vezes, contraria necessidades básicas ou seu modo natural de ser para ser aceita e aprovada pelos que ama. Quando as pessoas vão se afastando de seu próprio potencial, tentando ser aceitas ou sendo direcionadas pelo que os outros valorizam, tendem a se tornar retraídas e ansiosas.

Não se trata de forma alguma de deixar de orientar e corrigir a criança, de deixar de lhe impor limites, isso faz parte do processo de educar que pais e professores têm a seu cargo, trata-se de ser necessário que suas dificuldades e especificidades, ou seja, de que sua forma de ser seja respeitada. É importante que os sentimentos da criança sejam reconhecidos; que ela seja estimulada a vencer desafios e superar dificuldades, mas sem críticas negativas se ainda não conseguiu chegar lá; elogios pontuais são sempre bem vindos, e os erros podem ser mostrados com amorosidade. É fundamental sermos honestos, não mentindo para ela; dando-lhe possibilidades de fazer escolhas para ganhar autonomia sempre que possível e quando não prejudicar a disciplina necessária. E cuidado com as generalizações: “Você é muito chata… (muito boba… muito teimosa… irritante)”, “não gosto mais de você”, “você nunca faz o que digo”, “nunca faz as coisas certas”, “sempre faz manha”, “sempre faz bobagem”. Seja mais específico: “estes gritos me incomodam”, “não gosto quando chuta seus brinquedos”, “entendo que está zangada, mas não adianta se jogar no chão!”, “com esta manha, não vai conseguir nada”. Sei o quanto uma criança pode nos irritar em determinados momentos, mas nós somos os adultos da relação, não podemos agir como crianças. Vale contar até dez e respirar fundo antes de reagir.

Vini
Lidando com os desafios (Arquivo pessoal)

Na universidade, ouvi relatos de algumas alunas que lembravam de professoras que as chamavam de burras ou afirmavam que nunca iriam aprender e o quanto isso as marcou e interferiu em sua autoestima. Usar formas depreciativas pode causar marcas profundas, especialmente se vêm reforçar uma autoimagem negativa já existente. Tive uma aluna muito quietinha num oitavo ano de uma escola particular, e era comum perceber pelo seu olhar que não havia entendido alguma coisa, mas não fazia perguntas, mesmo se eu lhe dava essa chance. Um dia fiquei com ela na sala para conversar depois da aula sobre isso. Ela, muito tímida, me contou que fora ridicularizada, anos atrás, por um professor que lhe disse gerando risos da turma: “Se é pra perguntar bobagem, fique de boca fechada”. É triste, mas alguns professores também fazem bullying.

Trabalhar a corporeidade da criança, de que temos falado em artigos anteriores, é fundamental para um sentido mais forte de si. Trabalhar respiração e relaxamento, bem como oferecer-lhes atividades que trabalhem os cinco sentidos e movimentos corporais é fundamental, pois isso a faz entrar em maior contato consigo, a aprender sobre suas possibilidades e, não, se ver a partir do outro. Sentirá maior bem-estar e será mais ela mesma, sem tentar ser como “alguém” gostaria que fosse.

Nem todas as crianças são afetadas por atitudes depreciativas, vai depender de seu grau de sensibilidade, de seu histórico de vida e de suas características. Crianças que crescem cercadas por afeto, atenção e estímulo têm chances bem maiores de desenvolver sua autoestima. Entretanto serem humilhadas, rejeitadas ou sofrer punições descabidas ou intransigentes pode resultar em uma baixa autoestima e em se acreditarem merecedoras de desrespeito.

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Com uma ajudinha, dá pra fazer (Arquivo pessoal)

Acredito que uma criança que tenha uma alta autoestima e apoio afetivo pode lidar com situações de bullying de forma mais tranquila que aquelas que a tenham baixa. Quem leu o artigo anterior sobre resiliência, deve se lembrar que a autoestima positiva é uma das características do ser resiliente, assim como os vínculos afetivos, a autonomia, a criatividade e a flexibilidade, características estas que nos dão condições de lidar com as dificuldades que todos nós enfrentamos ao longo da vida.

Este assunto não se esgota aqui e a ele retornaremos mais adiante, pois a autoestima contribui para que o indivíduo não se deixe levar pelo que os outros querem e valorizam por se julgar incapaz de aceitar a si mesmo.

Suas sugestões, comentários e perguntas são sempre muito bem-vindos. Deixe-os no espaço abaixo. Responderei assim que possível.

Um grande abraço e até a próxima.

Fotos de meu arquivo pessoal.

Tempo de ser criança e ser feliz – o movimento

O tempo da infância, mesmo o das crianças pequenas, no momento em que vivemos, tem se caracterizado por muitas pressões e cobranças, considerando-se que há uma grande preocupação dos educadores – tanto na família quanto na escola, em preparar a criança para que tenha sucesso no futuro, sendo bem sucedida no mercado de trabalho. E o presente? É vivido e sentido com a intensidade que merece?

Marcha soldadoRespeitar o tempo de ser criança de nossos pequenos é um dos nossos grandes desafios em um mundo corrido e dominado pela tecnologia. Este cuidado é fundamental se quisermos preservar uma educação humanizadora. O processo de desenvolvimento da criança não pode ser acelerado ou ter etapas suprimidas. E cada uma tem seu próprio tempo, suas próprias características.

As atividades livres, as brincadeiras, as expressões espontâneas da infância acabam perdendo seu espaço-tempo. Em nome de um futuro mais promissor, o aqui-agora é deixado de lado, esmagado por muitas obrigações que sobrecarregam as agendas infantis e atropelam esta fase tão importante da vida que deixa marcas pela existência afora.

A primeira infância é um tempo em que há processos de desenvolvimento intensos e significativos como o amadurecimento cerebral, o desenvolvimento da linguagem, das emoções, da capacidade de aprender, das relações sociais, … E a criança necessita interagir com os desafios e possibilidades do mundo que a cerca, da sua realidade e, não, passar horas em contato com o mundo virtual, paralisada à frente da tela da tv, do celular ou do computador.

Quanto melhores forem as condições de desenvolvimento nessa etapa, mais chances terá a criança de se tornar um jovem e, posteriormente, um adulto mais equilibrado, com maiores possibilidades de desenvolver seus potenciais. A infância é um tempo de ser criança.

A criança e o movimento, expressão de vida

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É essencial que pais e professores da educação infantil possibilitem às crianças oportunidades de se movimentarem de forma espontânea, mais livre e que estimulem os cinco sentidos: audição, visão, paladar, tato e olfato de forma a experimentarem novas sensações, fazerem descobertas, atuarem no mundo que as envolve, de forma a serem mobilizadas corporalmente para a aprendizagem.

O movimento é muito mais que um deslocar-se no espaço ou uma forma de comunicação. Henri Wallon, conhecido estudioso da criança, aponta que o ato motor tem um importante papel na afetividade e na cognição infantil. Por volta do primeiro ano, com os primeiros passos, a criança explora de forma mais intensa o mundo à sua volta. Antes mesmo de falar, os gestos intencionais já nos mostram os desejos e respostas da criança: apontando o que quer, nos levando até o que deseja, interagindo conosco, mostrando que entende o que perguntamos ou falamos.

P1020691O movimento é fundamental para que a criança descubra o mundo, tendo dele consciência. É através do movimento que ela trava relações consigo mesma, com o outro e com o seu entorno. Ela conhece e experimenta o mundo através de seu corpo, é este que permite a aprendizagem. Pegar, sentir na pele, ouvir, discriminar ruídos, ver, experimentar cheiros diferentes, texturas variadas, novos sabores. Novas vozes, novas emoções, experiências de afetos, … e assim o mundo vai se mostrando, sendo descoberto, vivido e sentido. Assim vai aprendendo sobre limites, respeito e liberdade.

A primeira infância tem como características marcantes a necessidade de movimento, a curiosidade e a interatividade, o que precisa ser considerado por quem lhe oferece atividades, organizando-as de maneira mais dinâmica para que a criança pense, sinta e aja com todo o corpo. Um problema comum da escola é a proposta de movimentos automatizados e repetitivos que priva a criança de criar seus próprios movimentos, estimulando-as à cópia e à repetição.

Os estudos da teoria walloniana mostram que até se aproximar dos seis anos, a criança ainda não consegue focar sua atenção e ficar em uma mesma posição por muito tempo. Por isso, para que a escola possa exercer seu papel de trabalhar o desenvolvimento da criança, a educação infantil não deve exigir que a criança fique imobilizada atrás de uma mesinha, o que contraria suas necessidades vitais. Ela precisa ser estimulada a usar sua imaginação, seu corpo, sua criatividade, sua expressividade. Que possa dançar, brincar, interagir, cantar, enfim, aprender e ter seu desenvolvimento estimulado com prazer e alegria.

É por volta dos seis/sete anos de idade que ocorre o fortalecimento da cognição, podendo a criança ter maior controle sobre seus movimentos e mais autonomia para uma aprendizagem formal. Compreender as fases do desenvolvimento infantil propicia relações mais equilibradas na sala de aula e menor desgaste dos educadores. Também permite melhor compreensão das atitudes infantis, de que não é de castigo que a criança necessita quando não consegue ficar parada por muito tempo, muito menos de remédios que a façam perder sua natural espontaneidade.

Com um trecho do significativo e sensível poema de Pedro Bandeira, Vai já pra dentro menino!, encerro nosso texto desta quinzena. A poesia o complementa lindamente.

[…]

Se eu me fecho lá em casa,

Numa tarde de calor,

Como eu vou ver uma abelha

A catar pólen na flor?

Como eu vou saber da chuva

Se eu nunca me molhar?

Como eu vou sentir o sol,

se eu nunca me queimar?

Como eu vou saber da terra,

Se eu nunca me sujar?

Como eu vou saber das gentes,

Sem aprender a gostar?

Quero ver com os meus olhos,

Quero a vida até o fundo,

Quero ter barro nos pés,

Eu quero aprender o mundo!

Suas sugestões, comentários e perguntas são sempre muito bem-vindos. Deixe-os no espaço abaixo. Responderei assim que possível.

Um grande abraço e até a próxima.

Fotos de meu arquivo pessoal.

 

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E a criança sensível cresce… Ser um adulto PAS

Dando continuidade ao texto sobre a alta sensibilidade, hoje falamos de ser e viver a alta sensibilidade como adulto. Ou como define Karina Zegers de Beijl em seu primeiro livro – ser um adulto que vive desde o (do) coração.

PAS – pessoas altamente sensíveis crescem com as mesmas quatro principais características ou pilares descritos anteriormente – alta capacidade de percepção sensorial, muita capacidade empática, grande capacidade reflexiva e necessidade de momentos de solidão, ainda que possam ter algumas destas características mais desenvolvidas pela experiência, e outras melhor utilizadas pela capacidade de desenvolver estratégias para lidar com elas de uma forma mais adequada. Também apresentam grande capacidade intuitiva, criatividade, integração total com seu trabalho e amizades. Processam todo tipo de informação com mais detalhes, e de forma mais elaborada, classificando tais informações com mais precisão. Elaine Aron deixa claro em seu livro que é um traço genético, herdado e neutro. Ou seja, que tem vantagens e desvantagens como quase todas as características humanas. Porém, no caso da sensibilidade, o problema é como a cultura em que se vive considera estas características. Por exemplo, no Japão, na Suécia e nas culturas orientais são características valorizadas. E aqui?

A vida na infância e a aceitação da família destas características são fundamentais para definir como essa pessoa vai crescer, aceitar e conviver bem ou não com a sua sensibilidade. Uma parte importante dos PAS sofre de problemas de autoestima, excesso de perfeccionismo e os acompanha uma sensação continuada de não se encaixarem em nenhum lugar, geradas pelo esforço de se adaptarem.

Dá-nos a impressão de que as PAS nascem com um código moral e de valores já aprendido, como se já soubessem antes o que é correto, e costumam sofrer por não entenderem o que se passa, e com as escolhas, contradições e mentiras dos que as cercam e que são capazes de perceber desde pequenas. Sentem-se vulneráveis frente a um mundo cada vez mais rápido, mais confuso, e costumam confundir-se com o exterior, sentindo-se habitualmente como o espaço ao seu redor. Muitas pessoas PAS se sentem inadequadas, imperfeitas e passam a vida lutando com seus conflitos. E o intento de se adaptarem, se sentirem e perceberem o mundo como os demais o sentem pode levá-los a desenvolverem transtornos psicológicos, depressão, ansiedades e até somatizações, que são muito comuns.

E a pergunta é… Por que ter características tão positivas e necessárias ao mundo atual, quase sempre gera tanto sofrimento? Acredito que, primeiro, por verem e sentirem, de uma forma diferente e minoritária. As mensagens que recebem desde pequenos podem lhes dar a sensação de que esta forma de sentir é incorreta ou demasiado complexa e, às vezes, pouco útil. Segundo, pela intensidade das vivências. O mundo está muito rápido, quando o que os PAS necessitam é tranquilidade; há muito egoísmo, quando os PAS necessitam união. O sofrimento está quase sempre dado pelo contraste de sua forma de viver, pensar e sentir e os valores transmitidos pela sociedade, educação e algumas vivências lhes são desagradáveis e se chocam com sua maneira de ser.

O que é importante aprender?images.jpg bollha de sabao

A primeira aprendizagem é a autoaceitação. Saber que é um traço de personalidade herdado, com vantagens e desvantagens, não é uma patologia. Aprender a usar e canalizar esta sensibilidade pode ser um grande presente. E, para isso, o autoconhecimento é fundamental tanto para tirar partido das vantagens, como para aprender a gerenciar o estresse e as situações que não podemos mudar ou controlar. É necessário equilibrar o excesso de estímulos, aprender que as diferenças se complementam, que podemos aprender com o outro e com outras formas de ver as coisas. Podemos, e devemos todos, desenvolver a tão necessária RESILIÊNCIA. E, principalmente, aceitar que as outras pessoas não têm que pensar e sentir como nós. Aceitar o outro também é importante nesse processo.

A sensibilidade também permite poder desfrutar mais, muito mais do silêncio, da natureza, da arte, da música e da capacidade que temos de viver desde o (do) coração. Meu conselho? Desfruta da alegria de ser altamente sensível, de ver, sentir e viver desde o (do) coração. Um privilégio!!

Você quer saber mais? Leia os livros da Elaine Aron (The highly sensitive person), e Karina Zegers de Beijl (La alta sensibilidade: Vivir desde el corazón, Personas Altamente Sensibles).

Jaqueline Marilac Madeira é Psicóloga com especialização em Educação Emocional e Alta Sensibilidade. Doutora em Psicologia pela Universidad de Oviedo (Espanha).

Se você não leu o texto anterior, vale ler, as características das PAS estão mais explicadas. Se quiser saber mais sobre Resiliência e Educação Emocional, você também encontrará textos sobre o assunto em postagens anteriores, tanto voltadas para a criança quanto para o adulto.

Suas perguntas, opiniões e comentários são sempre bem-vindos. Use o espaço abaixo, e lhe responderemos assim que possível. Grande abraço e até o próximo artigo!

Lucia Helena

Queridos leitores,

Como está dito no início do texto anterior, ao qual este dá continuidade, a sua autoria é de Jaqueline Madeira, tendo cabido a mim apenas sua tradução. Muitas vezes, não me senti segura para responder às perguntas feitas, tendo enviado à psicóloga Jaqueline, especialista em alta sensibilidade, as questões formuladas, para serem respondidas diretamente por ela. Assim, peço que se desejarem maiores esclarecimentos, no caso específico deste artigo, acessem o seu site, entrando em contato direto com ela: https://www.jmmadeira.com

Agradeço a compreensão e os recadinhos enviados, lamentando nem sempre poder responder às questões formuladas.

Grande abraço

Lucia Helena

As imagens são do site Pixabay.

Crianças sensíveis? Alta Sensibilidade você sabe o que é?

Trazemos hoje um tema que vem sendo discutido em várias partes do mundo e que acredito seja do interesse de muitos educadores – pais, professores e outras pessoas que formam crianças. Para falar com mais propriedade do assunto, convidei Jaqueline Marilac Madeira, com quem escrevi três artigos para este site sobre Educação Emocional, para escrever o artigo de hoje, uma vez que é especialista nessa área e participou, no último mês de fevereiro, de uma jornada de PAS – Pessoas Altamente Sensíveis. O texto é de autoria de Jaqueline, cabendo a mim sua tradução. Este primeiro texto se volta mais para a criança, no próximo, será aprofundada a fase adulta. Boa leitura!

Recebemos, em Oviedo, Karina Zegers de Beijl, presidente da Associação de Pessoas Altamente Sensíveis da Espanha, máxima representante do grupo PAS, e grande divulgadora deste conjunto de características. Ela viaja pela Espanha dando oficinas e conferências sobre esse traço de personalidade descoberto e pesquisado pelo Drª. Elaine Aron, nos anos 90, chamado de PAS (HSP – Highly Sensitive Person). Estima-se que 15 a 20% da população apresentem estas características.

Conceito e características PAS

As pessoas altamente sensíveis podem ser como esta bolha de sabão da imagem. Grandes, com a beleza da cor e ao mesmo tempo transparentes. Tão permeáveis que, às vezes, se confundem com o mundo de fora. Elas apresentam um conjunto de características inatas, que chamamos também de traços de personalidade, se caracterizando, principalmente, por quatro pilares:

Alta capacidade de percepção sensorial – Tais pessoas têm uma capacidade superior de percepção e processamento de informações sensoriais, um sistema neuroperceptivo mais fino. Podem ser capazes de perceber cheiros, sabores e ruídos com mais intensidade e com mais frequência que o habitual; são capazes de perceber minúsculos gestos e/ou contradições nas falas e gestos das pessoas assim como em suas emoções. E tudo de uma vez, o que também, muito habitualmente, provoca saturação, desconforto ou fadiga antes do que seria comum em outras pessoas.

Alta capacidade empática e emotiva – de uma forma natural, elas “empatizam” e vivenciam o sofrimento ou a alegria dos outros como se fossem seus. A intensidade com que vivem e sofrem a crueldade e a injustiça pode surpreender. Ver e experimentar a crueldade ou injustiça, mesmo pela televisão ou cinema, para as PAS é, muitas vezes, quase a mesma coisa, vivências estas que podem levar a certa paralisação momentânea, as fazendo sofrer profundamente. Uma emoção à flor da pele permite que vivenciem a arte, a música e pequenos momentos com mais profundidade.

Grande capacidade de reflexão – as PAS são pessoas que constantemente estão pensando, questionando e fazendo perguntas sobre como o mundo funciona, muitas destas perguntas têm caráter existencial ou até mesmo espiritual. Desde a infância, a reflexão e os questionamentos são constantes.

Necessidade de momentos de solidão – as PAS precisam ter tempo de silêncio, refugiando-se na arte, na música e nas leituras. Embora gostem e aproveitem estar com pessoas, buscam estar sozinhas em alguns momentos. Parece ser uma forma de descansarem e reajustarem o excesso de estimulação vivida em outros momentos.

Além disso, podem ser extrovertidas ou introvertidas. São muito observadoras, porém não gostam de ser observadas, o que pode, inclusive, afetar o seu rendimento. Podem custar mais a tomar decisões; se sentir desconfortáveis com cenas de violência ou agressão, sendo mais sensíveis a críticas e mais intensas emocionalmente. A intensidade com que vivem tudo pode, muitas vezes, gerar dificuldades na vida diária. O perigo é que a intenção e o esforço de se adaptarem ao mundo, de vê-lo e senti-lo como os demais as possa levar a quadros de ansiedade, depressão ou somatizações.

Pesquisas neurológicas já demostraram que estas pessoas nascem com a parte direita do cérebro mais atuante, e com um sistema nervoso capaz de captar um maior número de estímulos e processá-los com mais detalhes. Da mesma forma, sua área da empatia é bem mais ativa. Isso explica que percebam mais cheiros e ruídos, e captem, mais rápido, as necessidades de outras pessoas.

A PAS desde a infância

Estas características são evidentes já nos primeiros meses de vida. São bebês que choram com mais facilidade, que diante de qualquer pequena mudança como alterações de luz ou ruído, geralmente, demonstram extremo desconforto.

São crianças que se assustam com mais frequência, muitas vezes se queixam de roupas que as incomodam, costuras de meias, tecidos ásperos ou etiquetas que lhes irritam a pele. Choram ou se paralisam com gritos ou reprimendas bruscas. Até mesmo algumas surpresas podem provocar um bloqueio inicial, com certo desconcerto.

Elas demonstram grande capacidade de perceber os sentimentos e pensamentos dos outros. Muitas vezes, têm um vocabulário mais rico e maior maturidade para a sua idade, são muito curiosas, criativas e apresentam interesses incomuns para sua pouca idade. Estão interessadas em compreender o mundo e o mostram de uma forma muito particular. Morte, filosofia e até mesmo o universo são temas frequentes de conversa. Elas também tendem a ser muito perfeccionistas, o que, às vezes, gera problemas escolares por suas altas expectativas a como realizar certas tarefas, pouco reais para a idade em que estão. Além das dificuldades com o barulho e a percepção dos sentimentos dos colegas e professores que precisam aprender a administrar.

São crianças emocionalmente muito intensas. Elas alternam o grude excessivo a alguns adultos e a necessidade de espaços solitários, precisam brincar e ficar sozinhas em alguns momentos. A sensibilidade acústica está presente em quase todas as crianças PAS; lugares cheios e barulhentos, geralmente, as bloqueiam, as paralisam.

É importante estar alerta e identificar essa característica, mas lembrando-se que não é um transtorno. E, se bem canalizadas, essas características são, na realidade, um grande dom, e as dificuldades podem ser facilmente superadas com lições simples para o dia a dia.

A capacidade de gerir e aprender a identificar as emoções é trabalho fundamental para as crianças ou adultos altamente sensíveis. É importante desenvolver a inteligência emocional, investir em autoconhecimento e aprender a construir uma rotina mais de acordo com suas próprias necessidades, o que inclui aprender a superar os bloqueios e desenvolver estratégias para tomar decisões melhores e mais rapidamente. Mas o mais importante e o primeiro passo é se aceitar e aceitar as características deste traço de personalidade. Nossa mensagem é de aceitação e de abertura a oferecer ao mundo a beleza do sensível e do sutil.

Quanto aos pais de crianças com estas características, cabe a aceitação e a gestão das pequenas dificuldades do dia a dia, fundamental para o adulto que ele será. Assim, caso não possam lidar sozinhos com as dificuldades, vale buscar ajuda profissional especializada.

A imagem é do site Pixabay.

Queridos leitores,

Como está dito no início deste texto, a sua autoria é de Jaqueline Madeira, tendo cabido a mim apenas sua tradução. Muitas vezes, não me senti segura para responder às perguntas feitas, tendo enviado à psicóloga Jaqueline, especialista em alta sensibilidade, as questões formuladas, para serem respondidas diretamente por ela. Assim, peço que se desejarem maiores esclarecimentos, no caso específico deste artigo, acessem o seu site, entrando em contato direto com ela: https://www.jmmadeira.com

Agradeço a compreensão e os recadinhos enviados, lamentando nem sempre poder responder às questões formuladas.

Grande abraço

Lucia Helena

 

 

Resiliência e Bioexpressão: alguns arremates

Nos dois textos anteriores, trouxemos algumas definições e analisamos possibilidades de estimular nossa capacidade resiliente que desejo tenham podido ajudá-los a se sentir mais confortáveis em sua primeira casa – o seu corpo. A proposta deste texto é sintetizar o que vimos de forma a realçar os aspectos mais significativos dos dois artigos, complementando pontos citados.

A resiliência pode ser definida como a capacidade de passar por dificuldades e superá-las, mesmo que sejamos afetados por elas, pois não somos invulneráveis. Cada indivíduo tem sua própria maneira de lidar com as adversidades, assim, uma mesma causa estressora pode ser vivenciada de forma diferente por diferentes pessoas. Como vimos antes, a resiliência não é inata e pode ser desenvolvida em circunstâncias específicas. Também não é um atributo que se mantenha inalterável, pode se modificar dependendo das situações, tanto do nosso meio ambiente quanto do nosso mundo interno.

No decorrer da vida, uma pessoa pode se deparar com inúmeras situações que trazem uma forte carga de tensão que aumenta a probabilidade de vivenciar problemas físicos, emocionais e sociais. Desemprego, morte de um ser querido, separação, acidentes, doenças na família, e até outros menos traumáticos podem nos desestabilizar bastante, como lidar com problemas no ambiente de trabalho, a conhecida síndrome do ninho vazio com a saída dos filhos de casa, a aposentadoria, afastamento de um amigo próximo, dificuldades financeiras entre tantas outras circunstâncias das quais não temos como fugir. Se temos suporte emocional através da família, dos amigos, da nossa relação com a espiritualidade, lidar com os problemas pode se tornar mais fácil. E também podemos nos beneficiar de formas de cuidar de nós que possam nos fortalecer e equilibrar. Antes de relembrar e ampliar um pouco a listinha dessas formas de proteção aos riscos que todos nós corremos, quero trazer para vocês um conceito que trará maior compreensão de como agem essas formas de proteção: o de autorregulação. Apresento-a de maneira bem simplificada, apesar da sua complexidade, para que possam compreender um pouco mais a sabedoria de nosso organismo.

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Movimento livre expressivo

Autorregulação é um elemento central na teoria reicheana, base da Bioexpressão. É ela que permite a circulação energética no organismo e cria mecanismos de resposta às tensões do ambiente, modificando aspectos corporais e se adaptando às necessidades que surgem, atuando como forma de proteção. Entretanto, se esta circulação energética apresenta bloqueios (daí as sugestões dadas nos textos anteriores), as funções vitais sofrem alterações, havendo redução dessa capacidade autorreguladora. Para Wilhelm Reich, a autorregulação supõe a existência de uma espécie de competência espontânea, visceral, uma capacidade do próprio organismo, o que significa que um organismo saudável é um sistema regulado em si mesmo. Mais que permitir a volta ao estado de equilíbrio, a autorregulação permite um impulso para a mudança.

Autorregulação se relaciona à possibilidade de agirmos com autonomia e criatividade, respondendo adequadamente ao que a vida nos exige, gerando transformações. Isso, muitas vezes, pode significar não agir, esperar, se dar cuidado e atenção. Entretanto, não raro, estamos tão tensos, tão afastados de nós mesmos, de nossa corporeidade, tão paralisados pelo medo, pela insegurança, sem a percepção clara do que é realmente importante para nós, tão presos às exigências sociais e profissionais, tão embaralhados com os problemas, que essa capacidade de autorregulação de nosso organismo se perde. Não conseguimos ouvir que nosso corpo grita por socorro, que nossas emoções se chocam e não lhe damos atenção.

esticar-a-cordaEm textos anteriores, me reportei às dificuldades de respiração profunda, de relaxamento e de expressão das emoções; do mau uso do nosso corpo que gera tensões musculares, dificuldades espaço-temporais, desconhecimento de nós, dos sentidos mal trabalhados, da cenestesia embotada. Estas são também causas de nossa autorregulação não funcionar tão bem, pois este mau uso de si gera má distribuição do nosso fluxo energético. Imagine uma corda muito esticada, que sofre uma pressão maior do que pode suportar. O que acontece? Isso mesmo: arrebenta! Não é à toa que, muitas vezes, acabamos por adoecer.

Vale ainda relembrar o que José Tavares, estudioso da resiliência, apresenta como características resilientes: vínculos afetivos, autoestima positiva, flexibilidade, criatividade e autonomia. Outra característica que acredito ser fundamental e que é considerada por alguns estudiosos como um grande pilar da resiliência é o humor. Este tem múltiplas formas de se apresentar, mas sempre se mostra como um modo criativo e crítico de confrontar a adversidade. Volto a afirmar que acredito que o brasileiro é tão resiliente por ser capaz de fazer graça tanto a partir das coisas mais banais quanto das mais graves que afetam o país inteiro. Tirando as grosserias e o mau gosto, o humor  permite expressar o que incomoda com mais leveza, pode provocar boas risadas e, como diz o povo, “desopilar o fígado”. E a alegria é um excelente tônico para nos fortalecer. Humor e resiliência

Então, vamos relembrar as atividades que podem nos ajudar a lidar com as dificuldades, expandindo nosso fluxo de energia vital, ou seja, nossa vitalidade, trazendo-nos maior equilíbrio e bem-estar, além de estimular as características resilientes:

Respiração profunda consciente e meditação;

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Dança em espiral, variação da dança circular

Atividades artesanais, yoga, tai chi chuan ou danças circulares, entre outras, enfim atividades de cunho terapêutico e que são formas de meditação em movimento, pois nossa atenção está plenamente voltada para elas quando as executamos;

Massagens que podem ser realizadas por profissionais ou entre pessoas que tenham empatia e desejo de se cuidar e cuidar do outro;

Movimentos livres que permitam a entrega do corpo ao som de músicas que nos fazem bem e que convidam nosso corpo à expressão e muitas outras que estimulam nossa corporeidade.

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Massagem em duplas em um encontro de Bioexpressão

A música merece uma nota especial, pois ela favorece o desligamento dos ruídos externos, dos “barulhos mentais”. Anima o corpo em movimento, ajuda a eliminar zonas de resistência e leva o corpo a distender-se de forma mais instintiva, emocional. A música induz o corpo a abandonar a inércia, ajudando a superação de temores.

Nosso organismo é profundamente afetado pela música, que provoca mudanças biológicas como alterações nos batimentos cardíacos e na respiração; diminui a fadiga muscular, amplia o trabalho metabólico, a sensibilidade, facilitando o acesso a outras formas de estímulo e percepção. O sistema auditivo está diretamente conectado com o sentido do equilíbrio e da direção, do qual depende o controle dos movimentos.

Procure passar um tempo, sempre que possível, com pessoas de alto astral, alegres, de bem com a vida. Principalmente se já estiver para baixo, evite aqueles que adoram falar de doenças, que vivem de mau humor, que sempre têm um comentário azedo. E fale apenas de seus problemas com quem possa lhe dar apoio e/ou um retorno nutritivo.

As sugestões que apresento foram vividas por mim e por muitos participantes dos encontros de Bioexpressão, trazendo respostas positivas. Passamos a ter maior percepção de nós e do nosso entorno, nos dando a oportunidade de refletir e criar possibilidades para enfrentar os desafios aos quais somos expostos ao longo da vida e de investir em nosso processo de desenvolvimento da capacidade resiliente, o que contribui para uma melhora da qualidade de vida tanto pessoal quanto profissional.13770290_10204920654056500_2867686598932824908_n

Mas para que isso aconteça de fato, é importante fazer uma pausa, desligar o piloto automático, prestar atenção a você, se entregar ao vivido, ser tocado por ele, sentir seu corpo, ouvir suas emoções, deixar-se expressar, ter paciência e carinho com você, respeitar suas dificuldades (comece pelo mais fácil), persistir e se dar conta de que você pode ter um belo encontro com você mesmo(a) e que isso é muito bom e revigorante.

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos utilizadas são de meu arquivo pessoal  e da web.

Grande abraço e até nossa próxima postagem, quando nossos pequenos reassumem seu protagonismo!!

Mover-se e relaxar: opostos ou complementares?

Mais uma vez, o texto foi escrito para vocês, educadores – pais, professores e todos aqueles que cuidam de crianças, o que é um grande e importante desafio. No artigo anterior, falamos da respiração como uma forma de autocuidado e autopercepção, elementos fundamentais da Bioexpressão para o estímulo de nossa capacidade resiliente, isto é, nossa capacidade de superar as dificuldades que enfrentamos ao longo da vida, sem “desmoronar”. Dois outros fatores fundamentais para isso, que abordaremos hoje, são o relaxamento e o movimento.  Aí vocês podem retrucar: “Como assim, Lucia Helena, me movimentar mais do que já faço o dia todo, correndo de um lado para outro para cumprir todas as tarefas que tenho que realizar? Mais movimento é igual a menos relaxamento”. Calma, eu explico! Não é da correria nossa de cada dia que falo. É do movimento que permite que liberemos tensões, que nos traz prazer, percepção de como está o nosso corpo, que nos permite relaxar, alcançar uma nova energia e equilíbrio.

Nas cidades, especialmente nas maiores, a tecnologia é responsável por boa parte da nossa inércia física. Além disso, nossa corporeidade – que integra movimentos, afetividade e pensamentos – não é trabalhada como um todo, o que já se mostra na infância, quando já tem lugar uma educação centrada na formação intelectual, contrariando necessidades básicas da criança. E também nós, adultos, vamos ficando cada vez mais distantes de nosso corpo. Yvonne Berge assegura que, na nossa civilização tecnológica, o instrumento corporal está profundamente desafinado, e nos relacionamos mal conosco, temos dificuldades espaciais e temporais (dificuldades rítmicas); e, consequentemente, mau relacionamento com os outros. É importante que aprendamos a conhecer o nosso corpo, a ouvir seus pedidos e seus avisos, que saibamos, enfim, entender a sua linguagem, o que permitirá uma convivência mais harmoniosa com nós mesmos e com nosso meio ambiente.

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Estudos como os da Bioexpressão defendem a ideia de que soma e psique são um todo indissociável, e que o movimento pode funcionar como um meio de reorganização do nosso organismo, de estímulo à sua autorregulação. A limitação de nossos movimentos (assim como a respiração superficial) causa a diminuição do fluxo de nossa energia vital, diminuindo nossa vitalidade, nosso ânimo. E acontece o que chamo de efeito panela de pressão: as tensões, emoções, pensamentos repetitivos, preocupações ficam sem saída e se realimentam, gerando mal estar e ansiedade crescente. O movimento nos ajuda a descarregar tanta pressão contida.

Percebemos o mundo externo e também a nós mesmos através dos sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato. Entretanto, como analisei em artigo anterior – A vida com sentidos: percebendo o que nos cerca – nossos sentidos não são bem trabalhados e vão se perdendo, ficando nosso contato com o mundo menos sensível, menos afinado. Apesar da importância indiscutível do intelecto, há outras partes do nosso organismo total que precisam ser cuidadas, desenvolvidas e usadas para que fiquemos bem.  

Há, ainda, uma sensibilidade sensorial que vamos perdendo, e que é importante retomar: a cenestesia. Diferente da cinestesia, sentido da percepção do movimento, a cenestesia indica as impressões sensoriais que ocorrem internamente em nosso organismo, não dependendo dos órgãos dos sentidos. Ela expressa a nossa corporeidade e a nossa relação de uma forma mais global com o mundo, que pode nos parecer iluminado em um dia chuvoso ou escuro e triste apesar de o sol brilhar no céu. Essa forma de sensibilidade nos faz sentir bem-estar ou mal estar (que estamos em paz com a vida ou “de mal” com ela, precisando fazer as pazes); que um ambiente é agradável ou opressor e que devemos aproveitá-lo ou evitá-lo; que algumas pessoas nos causam repulsa, enquanto outras trazem serenidade e que é bom estar com elas. Podemos nos sentir tensos ou relaxados; como se carregássemos um peso enorme ou como se flutuássemos de tão leves. Esta forma de sensibilidade nos ajuda a buscar meios de nos preservar do que não é saudável e de nos aproximar do que nos traz conforto. A cenestesia é o que nos ajuda a procurar compreender o que nos incomoda e buscar soluções como sair para respirar ou abrir as janelas se nos sentimos sufocados, dar uma pausa suplicada pelo corpo para espairecer antes de voltar ao relatório que temos que terminar, às provas que temos que corrigir e a mexer o corpo para aliviar as tensões.

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Movimento expressivo: deixando o corpo sentir a música e as emoções

 

Essa sensibilidade própria do ser humano pode ser estimulada através de atividades de autopercepção e autocuidado. Atividades que nos permitam entrar em contato conosco como as artesanais, yoga, tai chi chuan, dança expressiva ou danças circulares, entre outras, enfim atividades reconhecidamente terapêuticas e que são formas de meditação em movimento, pois nossa atenção está plenamente voltada para elas quando as executamos, em contato conosco, vivendo o aqui-agora. Tais atividades desenvolvem características consideradas como resilientes: autoestima, flexibilidade, autonomia, criatividade, autoconfiança, vínculos afetivos.

Outra atividade que nos permite adquirir muitos benefícios e que está ao alcance de todos são as caminhadas, de preferência em ambientes mais próximos da natureza, ou, pelo menos, o mais longe possível dos escapamentos dos carros e da barulhada. Caminhar em silêncio, de forma relaxada, procurando perceber o corpo e os movimentos, mantendo a atenção na respiração, inspirando pelo nariz e soltando o ar pela boca permite mobilizar nosso fluxo energético e aliviar as tensões de imediato. Nas fases mais difíceis da minha vida, quando me sentia à beira de perder o controle, calçava o tênis e saia para caminhar. Se não tinha como, me trancava em algum cômodo da casa, ligava o som, tirava os sapatos e deixava o corpo se movimentar com um ritmo mais acelerado. Depois respirava até o ritmo cardíaco voltar ao normal. E sempre funcionou muito bem. Experimentem e me contem!

21-08-2016
As danças circulares nos conectam conosco e com o outro, trabalham  ritmo, coordenação motora, autoconfiança, flexibilidade, estimulam autoconhecimento e autocura, trazem alegria, energia e bem-estar, e muito, muito mais…

Relaxar não significa ter que se deitar, embora entregar o corpo ao chão seja uma das formas mais efetivas de relaxamento. Mas a respiração, de que falamos no texto anterior, exercícios de relaxação através do movimento, de meditação ativa (de que falei acima), ou através de uma das técnicas variadas que tenha “a sua cara” são ótimas formas de nos desligarmos das preocupações e ganharmos nova sustentação, um novo alento, estimulando nossa capacidade resiliente. Sempre sugiro em meus cursos que coloquemos uma música suave e ritmada, deixando que o corpo possa se movimentar com liberdade diariamente, mexendo cada parte do corpo, especialmente as articulações que guardam muita tensão. Esta forma de expressão espontânea e criativa permite que o corpo se manifeste como desejar (e ele sabe o que precisa, e como sabe!) para aliviar as tensões e ganhar nova energia.

As possibilidades são inúmeras. O importante é permitir que se vivencie o aqui-agora, deixando fora de você a agitação, o que, no início pode ser difícil. Entretanto, com o tempo vai ficando mais fácil essa entrega, sendo atingido um relaxamento mais profundo. Entretanto, a liberação de nossas resistências, que quanto mais antigas mais arraigadas, depende de que haja disponibilidade, consentimento para esse ato de entrega total do ser. O relaxamento não é um “se entregar apático”, ao contrário, exige uma observação do que está acontecendo em nós, um perceber-se, é uma forma de autocuidado e de carinho conosco.

No próximo texto, vamos fechar alguns pontos que ficaram em aberto, falando um pouco mais da autorregulação, da música e do humor, dois santos remédios.

Deixo abaixo um link para quem desejar saber um pouco mais da teoria e prática da Bioexpressão.

www.serie-estudos.ucdb.br/index.php/serie-estudos/article/view/706

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos utilizadas são da dissertação de Cíntia Lúcia de Lima e de meu arquivo pessoal e foram tiradas nos encontros de Bioexpressão ou de nosso grupo de Danças Circulares, o Todos na Roda.