No último artigo, mais uma vez nos detivemos em questões significativas neste momento em que nossas vidas sofreram muitas mudanças. Filhos em casa, home office, aulas online, novos protocolos de comunicação e de convivência. Falamos da importância do que nos traz a BNCC, que não só nos orienta para a educação escolar como dá dicas valiosas para a educação familiar. Nesta postagem, vamos nos deter mais um pouco na importância de criar rotinas e aproveitar este momento para trabalhar mais a autonomia da criança e a resiliência.
Rotina: mais segurança e equilíbrio
Estabelecer rotinas proporciona maior segurança aos nossos pequenos e ajuda a minimizar a ansiedade. Neste momento, em que muitas foram as mudanças sofridas, a manutenção de novas regras cria, além de uma “nova normalidade”, uma forma de equilibrar a convivência familiar, de estabelecer novos padrões que possam conciliar atividades de pais e de filhos. Como salientei no texto anterior, propor tarefas para todos é também um modo de desenvolver a autonomia das crianças e de incluí-las nas atividades da casa, o que as ajuda, ainda, a criar um maior senso de pertencimento. Cada um poderá ajudar com pequenas tarefas ou maiores, dependendo de sua idade e aptidão.
Mas não confunda rotina com camisa de força; se assim for, o resultado será infalivelmente o estresse. As atividades podem ser combinadas e passar por rodízios. Há muito a ser feito como molhar as plantas, alimentar o bichinho de estimação, colocar objetos no lugar ou recolher a roupa para lavar. Outro aspecto que volto a enfatizar é a importância de abrir espaço para o diálogo que una a família para trocas, para conversas. Dizer o que se pensa e do que se gosta ou não de fazer pode ajudar a criança a falar do que a incomoda e pode nos dar a chance de fazer o que talvez seja possível lhe oferecer. Ajudar, dialogar e expressar sentimentos é muito mais simples quando a criança ainda é pequena. E são maneiras de trabalhar a sua autonomia e a inteligência emocional.
Relembrando as orientações da Base Nacional Comum Curricular- BNCC para a Educação Infantil, se estabelecem seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças que lhes asseguram situações em que possam ter papel ativo e que lhes permitam vivenciar desafios, sendo estimuladas a resolvê-los. Mesmo em casa, tais situações podem e devem ser proporcionadas. A ideia é que possam, assim, “construir significados sobre si, os outros, e o mundo social e natural”. Tais direitos são: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.
Autonomia: o que toda criança precisa desenvolver
É comum vermos pais que por pressa devido à pressão dos horários, por quererem ajudar a criança, para evitar sujeira ou mesmo com medo que se frustre, tomam a frente para resolver situações que precisam ser vividas por ela. São tarefas das mais simples às mais elaboradas como guardar brinquedos, amarrar cadarços, tirar a roupa ou colocá-la, arrumar a mochila, comer sozinha e outras tantas. Cada fase tem os seus desafios. Mas todas elas precisam de estímulo para que os pequenos, passo a passo, ganhem autonomia motora, cognitiva e emocional.
Uma forma de estimular a autonomia da criança e que os especialistas apontam como fundamental é incentivá-la a brincar sozinha. Além de criar suas próprias brincadeiras, ela terá o tempo necessário para “conviver consigo mesma” e desenvolver mecanismos de se divertir e aprender sozinha. Isso não significa que a criança não tenha a companhia do adulto para suas brincadeiras em outros momentos, o que os neurocientistas afirmam gerar sentimentos de segurança e de prazer, sendo muito positivo para o seu desenvolvimento. Falamos aqui de um tempo que ela possa se entregar às brincadeiras e à fantasia, tempo que também é importante para seus pais.
Para estimular seus pequenos a brincarem sozinhos e a cumprir pequenas tarefas, deixe-os com brinquedos que não precisem da ajuda do adulto e que lhes permita brincar em segurança. Deixe-os imaginar situações, conversar com os personagens da sua fantasia, criar suas próprias regras. Jogos de encaixe e bloquinhos de construção são brinquedos que oferecem sempre novas possibilidades, que viram carros, aviões, barcos, casas e o que mais a imaginação comandar. E não podemos nos esquecer também das atividades de desenho e pintura se a criança puder ser deixada com canetinhas na mão sem pintar a casa toda.
Seu filho se atrapalha para montar o quebra-cabeça ou calçar a sandália? Coloca os dois pés na mesma perna da bermuda? Deixe que tente algumas vezes solucionar a questão ao invés de correr para resolver. Este é um pequeno começo de exercitar a busca da solução. Estimule-o a fazer de outro modo, a lidar com seu erro, a encontrar uma a forma de fazer.
Incentivar a criança a desenvolver atividades como as tarefas rotineiras de que falei acima é muito significativo, pois ela vai ser desafiada a buscar meios de realizar os afazeres que lhe cabem. Também realizar tarefas passadas pela escola, mesmo que supervisionada pelos pais, as ajuda a assumirem a responsabilidade que lhes cabe, e a se sentirem seguros de realizar tarefas. O psicólogo e neurocientista Hudson de Carvalho observa que, para um desenvolvimento psicológico saudável, é necessário propor à criança situações que estimulem a busca ativa por soluções. Isso significa que é benéfico para a criança lidar com situações que a desafiem a buscar saídas para superar dificuldades.
Lidar com a frustração: mais que um problema, uma solução
Frustrações fazem parte da vida, não há como evitá-las. E, por mais que seja difícil, precisamos ensinar nossos pequenos a enfrentá-las ou estaremos criando jovens e adultos insatisfeitos, que têm dificuldade de ser gratos, e que não conseguem lidar com os revezes da vida. Somente aprendendo a suportar as frustrações, tendo clareza de que a vida não nos oferece apenas respostas positivas, mas nos dá inumeráveis retornos negativos e que a persistência faz parte do processo de crescimento do ser poderemos viver com maior equilíbrio. A frustração desde que em graus toleráveis faz parte do processo educacional. A criança não pode e nem deve ter tudo o que quer, precisa também saber ouvir nãos. Também nós, adultos, precisamos desta aprendizagem. Afinal, a vida não atende a todos os nossos desejos, e maturidade emocional é saber aceitar isso e ter os meios para seguir em frente. Esta é a base da resiliência. Ser resiliente não significa passar pelos problemas sem sofrimentos, mas sim ser capaz de superar a si mesmo, de se recompor, até mesmo se fortalecendo.
Resiliência é a capacidade de passar por dificuldades sem que o desespero nos incapacite para a ação, é ser capaz de enfrentar pressões, situações de estresse sem se deixar abater a ponto de desmoronar. Esta capacidade que temos tido necessidade de trabalhar em nós neste momento da pandemia, de grandes perdas para muitos, deve começar a ser estimulada ainda na primeira infância como acabamos de ver. E a este assunto voltaremos no próximo artigo.
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