Este é o nosso terceiro texto sobre educação emocional, em que psicologia e pedagogia dialogam através do trabalho conjunto da psicóloga Jaqueline Marilac Madeira e da pedagoga Lucia Helena Pena Pereira. Nos artigos anteriores, falamos dos fundamentos da educação emocional. Falamos também da Bioexpressão, uma proposta pedagógica teórico-prática de autoria de Lucia Helena, que oferece a metodologia para o desenvolvimento de um Programa de Educação Emocional que fez parte da pesquisa do doutorado na Espanha de Jaqueline. Na última postagem, falamos das atividades dos dois primeiros eixos que formam o trabalho bioexpressivo, centramento e base (ou grounding). No texto de hoje, temos como objetivo apresentar como se desenvolveram as atividades de autoexpressão (o terceiro eixo) e seus objetivos mais significativos, finalizando com os resultados obtidos com as crianças.
Os últimos 20 minutos de cada sessão são dedicados a estimular a expressão pessoal, buscando-se propiciar a cada criança do grupo oportunidades diversas para se expressarem, estimulando-se sempre uma manifestação própria, singular. Nesta etapa, a produção artística de cada criança é o mais importante: desenhar, colorir, pintar o que está sendo sentido, colocando formas e cores no papel, desenhando ou escrevendo no ar através de gestos, ou se deslocando no espaço através do movimento criativo.
No processo de educar, é fundamental dar espaço às crianças e ouvi-las, criar e desenvolver um diálogo real, perguntando a sua opinião e o significado que cada vivência teve para ela, observando as formas que a criança vai desenvolvendo de comunicar o que ela quer ou pensa. E, para nós adultos, é uma aprendizagem respeitar as possíveis diferenças entre a expressão e a percepção da criança e o nosso jeito de ver o mundo. Deveria ser nossa prioridade desenvolver a empatia e colocar-nos sempre no seu lugar, analisando a situação sob a perspectiva infantil e, só depois, acrescentar o nosso parecer adulto.
Um dos objetivos desta etapa do trabalho, em que as crianças podem mostrar seus pensamentos e sentimentos, é lhes dar espaço para se expressarem de formas variadas para que descubram como se sentem mais confortáveis, mais à vontade, isto é, que possam descobrir o jeito de se manifestarem que mais se adequa a seu modo de ser, e que, também, tem mais a ver com o seu momento. Podemos exemplificar isso citando a proposta de que demonstrem medo, tristeza ou outras emoções. Isso pode ocorrer de muitas maneiras, lembrando que pode ser com o corpo ou com palavras.
Ainda podemos trabalhar para que identifiquem sentimentos através de gestos, expressões faciais e palavras que usamos, e também para que compreendam como podemos mudar os nossos sentimentos quando mudamos os gestos e as palavras, ou seja, a nossa expressão, ensinando formas mais saudáveis de expressar nossa raiva, indignação ou até mesmo nosso medo. É importante que comecem a perceber que nossa postura, nossas manifestações gestuais, nossas atitudes, nossas palavras têm o poder de modificar o que sentimos, assim como o que o outro sente. Jogar coisas é diferente de colocá-las em algum lugar, assim como conter gritos e falar de forma mais tranquila o que nos incomoda. As diferenças de atitude causam diferentes reações no outro.
Importante considerar que, no início do trabalho com as crianças, a imitação é o mais comum, sendo mesmo esperado que seja assim. À medida que vão se sentindo à vontade e sendo estimuladas a se manifestarem de forma diferente do outro, vão também conseguindo experimentar e descobrir outros modos de estar no grupo, e a autoexpressão passa a ser natural e única.
No início do trabalho, foram usados alguns círculos de cores diferentes, recortados de cartolina para metaforizar que cada criança tem seu espaço no grupo, que este lhe é próprio e que é diferente do espaço do outro, sendo decorados por cada pequeno à sua escolha. Eles se sentavam em cima do círculo, inicialmente, também como forma de marcar seu lugar e aprender a respeitar o espaço do outro. À medida que interiorizam que têm seu lugar no grupo e sua participação vai aumentando, vão aprendendo que os colegas também devem ter seu espaço respeitado, e a escuta do outro melhora. Ou seja, têm o direito de falar, mas devem também saber ouvir. E como precisamos deste exercício atualmente, não é?
Cantar, recitar poesias, dizer frases de que gostam e fazer jogos de líderes onde eles decidem o que o grupo tem que fazer traz benefícios para este trabalho. Em um dos grupos, eles adoravam brincar de “chefinho” e dar as instruções, pedindo uma e outra vez para repetir a brincadeira. Esta é uma forma de trocar os papéis e criar as regras. Esta atividade, aqui no Brasil, corresponde a “Seu mestre mandou…”.
Naturalmente, dependendo da idade dos pequenos, muitas possibilidades existem, mas é fundamental, em qualquer idade, que seu espaço, sentimentos e pensamentos sejam respeitados; e que aprendam a respeitar o espaço, sentimentos e pensamentos de seus companheiros. Afinal, nos parece que o desrespeito ao outro é um dos grandes problemas do nosso mundo, fonte de muita violência física e psicológica, entre elas, as manifestações de bullying.
Alguns resultados mais significativos obtidos
As crianças que participaram deste programa aprenderam brincando a se tranquilizar, aumentaram a sua consciência emocional, superaram medos, aprenderam a expressar as suas emoções de uma forma mais positiva e como planejar o seu próprio comportamento para superar suas dificuldades. E ao superarem suas próprias dificuldades, aprendem também a dar mais valor a si mesmos, aumentando a autoestima. Além de aprenderem o que poderíamos chamar o ”caminho das pedras”, que é aprender como podemos enfrentar nossos medos, dificuldades e fortalecer ainda mais os nossos pontos fortes.
A teoria diz que o funcionamento social e emocional começa a se estabilizar por volta dos oito anos e que estas habilidades podem indicar a saúde mental na vida adulta. Se antes e durante este período, aprendem a expressar as suas emoções de uma forma construtiva e estão implicados em relações de afeto e de respeito, aumentam as possibilidades de que sejam capazes de evitar a depressão, a agressividade e os comportamentos perigosos no futuro, como o uso de drogas, por exemplo.
Pode-se afirmar que foi possível verificar estas crianças experimentando uma nova forma de se relacionarem consigo mesmas e com as demais, compreendendo a afetividade. Pôde-se observar, também, que pequenas ações, afetam e provocam grandes mudanças. Com autonomia e oportunidades de praticar o que aprendem, têm a possibilidade de construir uma imagem positiva de si mesmas, enfrentar desafios e crescer emocionalmente mais saudáveis. Os relatos dos pais nos trouxeram muitas surpresas positivas, de como, por exemplo, apresentavam reações mais equilibradas em casa.
Com base na educação bioexpressiva, insistimos na necessidade de que as crianças sejam educadas com uma autonomia saudável que lhes permita a expressão e a comunicação afetiva, com diálogos e intercâmbios, em que os pais e professores sejam guias do processo de aprendizagem. O primeiro passo é a tranquilização, quando aprendem a respirar e a identificar em seu corpo as sensações e a compreensão de que todas as emoções são importantes e têm a sua função.
A prática bioexpressiva atua notadamente a partir de uma perspectiva corporal, com a convicção de que quando se atua no corpo também estão sendo trabalhados sentimentos e pensamentos, equilibrando-se a corporeidade que, como já enfatizamos, integra cognição, afetividade, motricidade, e ainda as relações com o outro e com nosso meio ambiente. Vale pontuar que, desta forma, estão sendo estimuladas as inteligências intra e interpessoal propostas por Howard Gardner, o que traz possibilidades de maior autoconhecimento e de relações mais saudáveis.
Como nos diz Aitziber Barrutia, psicóloga que trabalha com a inteligência emocional, esta não é magia, “requer esforço, implicar-se, aprender bem os conceitos, colocar em prática e constância”. Pensamos que a constância é fundamental e os resultados nos mostram que vale a pena investir e persistir.
Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.
Até a próxima!!
As fotos são do arquivo de Jaqueline Madeira e foram tiradas durante as atividades desenvolvidas.
Jaqueline Marilac Madeira é Doutora em Psicologia pela Universidad de Oviedo, na Espanha, onde reside. Graduada em Psicologia na Universidade Federal de São João del-Rei, hoje se dedica a projetos de educação emocional no âmbito escolar e familiar.
Olá! Lucia Helena,
Venho acompanhando as postagens do Blog que está me ajudando muito no trabalho com as crianças.
Abraços!!!
Olá, Luciana, fico feliz que os textos a ajudem com as crianças e agradeço seu comentário, ele é importante pra mim.
Beijos