As crianças já deveriam vir educadas de casa, dizem muitos professores. E, infelizmente, temos percebido que há pais que delegam à escola tarefas que lhes cabem. Mas como lidar com a falta de limites de crianças que chegam à escola achando que podem tudo? Como vimos no texto anterior, a família é o primeiro núcleo com o qual a criança convive e onde inicia o seu processo de formação, o que implica por parte dos familiares responsáveis estabelecer limites e dizer não ao que é indevido, mesmo frustrando muitas vontades infantis. Equilibrar permissividade, rigor, afeto e autoridade pode ser um grande desafio. E este desafio não é apenas da família, mas também da escola.
Uma das características da instituição escolar é ser um grupo social que, diferentemente da família, que pode ser bem pequena e ter apenas um membro além da criança, agrega muitas diferenças. A escola oportuniza um rico espaço-tempo coletivo de aprendizagem, de reflexão, de autodescoberta e descoberta do outro, em que as questões de respeito ao diferente, de cooperação e de solidariedade, de que tanto precisamos nos dias atuais, podem ser trabalhadas de forma mais intensa. E impor limites é responsabilidade também dos professores que a dividem com os pais e com a sociedade. Embora nosso texto se volte para a educação infantil, vale enfatizar que essa responsabilidade cabe a todos nós, professores, seja qual for o nível de escolarização de nossos alunos.
Um primeiro ponto que me parece importante enfatizar é que devemos ter consciência da importância dessa colocação de limites, assim como das nossas atitudes e do respeito a nossos alunos em relação a isso, nos nutrindo de amorosidade, respeito, compreensão e firmeza, mas não de rigidez ou de autoritarismo. Paulo Freire, em sua Pedagogia da Autonomia, faz afirmações que sempre guiaram minha prática pedagógica nos diversos níveis de ensino. Segundo ele, ensinar é estar aberto ao querer bem aos alunos e à própria prática educativa.
É fundamental que pais e professores entendam que respeitar regras tanto em casa como na sala de aula é uma necessidade para o crescimento dos pequenos; que é um ato de amor e de cuidado. Seja em casa ou na escola, as crianças precisam, desde a mais tenra idade, manter rotinas, ter regras e hábitos estabelecidos. Mesmo os mais pequeninos vão aprendendo a fazer manha se não têm o que desejam ou se querem chamar nossa atenção. Daí surgem as reações intempestivas como chutes, gritos, mordidas ou uma modalidade muito utilizada: o arremesso de objetos.
Cabe a nós, adultos, pais ou professores, manter a calma e a firmeza, mostrando-lhes com falas simples e muito objetivas, que tais atitudes são impróprias e não vão funcionar, o que pode ser bem difícil muitas vezes. Mas o que é dito, precisa ser mantido. Ameaçar e não cumprir a ameaça o tornará alguém desacreditado. Se não for capaz de ir até o fim, não ameace. Para os professores isso pode ser ainda mais difícil pelo receio de desagradar à direção da escola ou aos pais.
Fundamental manter uma relação de diálogo e confiança entre escola e família. E os pais devem ter cuidado com críticas à escola ou à professora na presença das crianças, o que pode gerar insegurança nos pequenos ou desafios à sua autoridade. Se tiver dúvidas ou desagrados, converse com a própria professora ou com a coordenação pedagógica. E lembre-se de que crianças nem sempre dizem a verdade, e que elas sabem “jogar” quando lhes interessa um álibi: “a minha professora deixa eu brincar com água e pintar a parede” . E pode ser que deixe mesmo, mas em outro contexto, como no pátio em uma parede de azulejos.
Não podemos fazer de conta que não vemos determinadas atitudes que precisam ser coibidas; que não nos damos conta de transgressões de normas básicas. Estas são questões que precisam ser discutidas na escola. Como diz a sabedoria popular: a união faz a força, e estas são questões que merecem ser trabalhadas em conjunto. Violências físicas (como não deixar a criança merendar, sacudi-la, fechá-la sozinha em uma sala) ou psicológica (como fazê-la passar por humilhações; ter atitudes ou palavras depreciativas para com a criança) são absolutamente inaceitáveis em uma instituição que visa à formação dos pequenos e à criação de hábitos e atitudes.
O que a falta de limites pode gerar?
É importante que haja uma comunicação permanente entre escola e família. Acredito que seja importante também utilizar alguns teóricos da educação e pequenos textos que orientem nossas atitudes em sala de aula e sirvam de base às trocas com os familiares. Provavelmente, muitos responsáveis pela criança não têm a percepção do mal que fazemos aos nossos pequenos quando não estabelecemos limites apropriados. Como já havíamos enunciado no texto anterior, muitos são os prejuízos na formação da criança. Vale enfatizar alguns dos mais graves: dificuldade de concentração, atenção e de persistência; irritabilidade e instabilidade emocional; falta de interesse pelos estudos; dificuldade de suportar frustrações, contrariedades e percalços; dificuldade de respeitar outras pessoas, sejam pais, professores, familiares, colegas, amigos e autoridades.
Tais consequências, certamente, dificultarão muito a vida do adolescente que ainda vai se deparar com a profusão de hormônios a partir da puberdade e do adulto em que se transformará. Tal adulto poderá vir a se considerar como o detentor de todos os direitos, mas sem os deveres que cabem a todos nós. Nesse sentido, é fundamental que a criança seja respeitada e que os nãos que receber sejam justificados. Não podemos esquecer que as crianças aprendem por imitação e que violência gera mais violência, o que existe de sobra no nosso momento.
Os famosos combinados são uma boa forma de criar as regras de comportamento em sala de aula, sendo estas resolvidas em conjunto, mesmo que direcionadas pelo professor. A partir dos três anos, a criança já apresenta um entendimento que lhe permite dar contribuições. O que pode e o que não pode? Por quê? Tais normas não são impostas de maneira aleatória, têm um porquê, e podem se transformar em uma “brincadeira”, que como outras possuem suas regras. Como afirma Vygotsky, as brincadeiras apresentam muitas regras e são uma forma livre e ético-educativa. O autor também enfatiza o valor da brincadeira para a educação de sentimentos e emoções, pois as regras estabelecidas exigem que a criança aprenda a lidar com o que sente, a se comportar de acordo com as regras, a aguardar sua vez, a repartir, a perceber que outros também estão compartilhando aquele momento. O papel do professor é fundamental, ele é um mediador, um elemento que dialoga, sugere, acompanha, orienta, mas que também dá autonomia a seus alunos.
Os combinados são anotados pela professora e são relembrados sempre que necessário. O espaço escolar ganha um pequeno código que não precisa conter apenas o que não pode, mas também o que é desejável como dar bom dia ou boa tarde quando se chega, dizer obrigada quando se recebe um favor, com licença e por favor, entre outros. Bater, morder ou chutar o coleguinha ou nele cuspir não pode. Pegar algo do amiguinho sem permissão também não, embora seja possível negociar, trocar o brinquedo ou o giz de cera. Outras normas visam à segurança dos pequenos como não sair sozinho pela escola nem entrar na cozinha ou no estacionamento.
Uma dica importante, que vale para todos os níveis de ensino: se a criança insiste em descumprir as regras ou está atrapalhando as atividades, converse com ela longe dos coleguinhas. Por que você está gritando tanto? Por que não quer brincar com seus amiguinhos? Por que não quer guardar os brinquedos ou os joga longe? Isso pode lhe dar algumas respostas, e evita que a criança queira aparecer e ganhe força com a presença do grupo. Você pode nomeá-la sua ajudante e lhe dar tarefas, o que pode ajudar a diminuir sua agitação ou ter atenção, se este for o caso: ajudar a prender trabalhos no mural, recolher os lápis de cor, guardar seu material no armário…
Relembrando uma temática trazida em alguns textos anteriores, muito da agitação e da dificuldade de a criança cumprir regras se deve a um excesso de energia que ela não tem como descarregar ou equilibrar. É importante que, principalmente, a criança da educação infantil tenha, na escola, um espaço-tempo para canalizar sua necessidade de movimento seja no parquinho ou em atividades corporais expressivas como através da dança e em movimentos orientados ou livres. Fazer ponta nos lápis a toda hora, pedir para beber água e ir ao banheiro repetidas vezes, ou andar pela sala a todo momento pode ser resultado dessa necessidade de se mover que a criança pequena ainda não consegue controlar por muito tempo. E não podemos esquecer que se um faz, outros também querem fazer.
Este assunto não se esgota em um pequeno texto, mas, mais adiante, retomaremos algumas questões que merecem ser bem entendidas como a diferença entre autoridade e autoritarismo e a brincadeira como forma de internalizar regras e de aprender a respeitá-las.
Suas observações, sugestões e perguntas são sempre bem vindas. Deixe-as abaixo e responderei assim que possível
Grande abraço e até o próximo
As imagens foram retiradas da web.
Olá Lúcia Helena, bom dia!
Também gostei muito do texto, traz questões que merecem nossa reflexão e os exemplos e direcionamentos que você traz auxiliam pais e professores a saber como agir em determinadas situações.
Obrigada pelas contribuições!
Grande abraço!
Olá, Tatiane, fico feliz em poder contribuir para o trabalho com os pequenos e que tenha gostado. Obrigada por seu comentário. Grande abraço saudoso
Boa noite, Lucia Helena,
O novo texto é excelente. O assunto abordado será muito útil no trabalho.
Um grande abraço!
Luciana
Olá, Luciana,
Obrigada por sua mensagem. Fico feliz que tenha gostado e que vá ser útil na sua prática pedagógica.
Grande abraço e sucesso
Lucia Helena