Bioexpressão: um caminho para trabalhar a educação emocional da criança

Neste artigo, damos continuidade à nossa última postagem, continuando a parceria entre a Pedagogia, meu campo de atuação, e a Psicologia, aqui representada por Jaqueline Marilac Madeira, em um trabalho a quatro mãos. Na verdade, falar de um modelo ou programa de educação emocional convida estes dois campos de conhecimento a dialogarem.

No texto anterior, apresentamos os conceitos e a teoria que fundamentam a educação emocional. Hoje falaremos mais especificamente das atividades desenvolvidas no trabalho de campo de uma pesquisa realizada na Espanha com crianças de 5 e 6 anos, por um período de 9 meses, como parte da construção da tese de doutorado de Jaqueline Madeira, co-orientada por mim.

Este é um modelo entre outros que existem para trabalhar as emoções. Nosso intuito de trazê-lo é duplo: primeiro mostrar um planejamento viável, o como fazer; segundo apontar os resultados positivos obtidos. Vale desde já observar que as atividades aqui propostas podem ser muito mais diversificadas (e foram, apenas trazemos exemplos) e que tais atividades podem fazer parte da rotina de uma sala de aula e mesmo acontecerem na sala de sua casa. Naturalmente, não obteremos os mesmos resultados, mas estaremos estimulando nossos pequenos a desenvolverem seus potenciais, a trabalharem suas emoções, pois isso deve ser um fazer contínuo.

CAM00466O trabalho prático realizado está baseado na união de três teorias: Inteligências Múltiplas, Inteligência Emocional e Bioexpressão. Só para recordar, em poucas palavras, a teoria das Inteligências Múltiplas aponta, principalmente, o conceito da individualidade. Cada pessoa se expressa e se relaciona com o mundo de uma determinada forma, de maneira única em função da combinação de inteligências que possui (linguística, lógico-matemática, musical, corporal-cinestésica entre outras) e a interação destas inteligências com o ambiente. E sempre em sinergia, ou seja, em um trabalho conjunto de cognição e emoção. Cada ser precisa aprender a se expressar com sua forma própria, com as suas peculiaridades. Assim, o trabalho precisa ser sempre pensado para a criança como ser único; precisa dar-lhe a possibilidade de ser ela mesma.

CAM00470A teoria da Inteligência Emocional aponta os 5 pilares guias do trabalho: autoconceito ou autoestima, automotivação, autocontrole, empatia e as habilidades sociais. E a Bioexpressão dá o formato lúdico e prático do trabalho, o como fazer, a estrutura das sessões e a contribuição da música, da arte e da literatura trabalhadas através da corporeidade, como meios de se alcançarem os objetivos.

Como é que se faz?

O quadro abaixo mostra os objetivos que tivemos a intenção de alcançar com as crianças, os meios utilizados para isso e de que forma tais objetivos repercutiriam na vivência do dia a dia.

Objetivos gerais

Como?

Utilidade

Aprender a se acalmar

Técnicas de relaxação, respiração e meditação

Enfrentar os medos, controlar os ataques de raiva

Aumentar a consciência emocional

Aprender a discriminar as reações corporais associadas aos sentimentos, assim como as várias sensações

Aprender a dar um nome às sensações e sentimentos, identificando os pensamentos

Desenvolver a necessidade de expressar-se

Desenvolver o hábito, fazendo um pouquinho a cada dia

Compreender que a expressão é fundamental para o bem estar físico e emocional

Aprender a discriminar as consequências dos próprios comportamentos e escolhas

Refletir a partir de contos, vídeos, atitudes dos adultos, observando a reação das pessoas

Melhorar a forma de se relacionar

Aprender a planejar e desenvolver estratégias

Resolver pequenos conflitos ou dificuldades

Evitar determinadas consequências

Estruturamos sessões semanais, de 1 hora de duração com grupos de 8 a 10 crianças. Estas sessões se dividiam em 3 momentos diferentes, que caracterizam os eixos bioexpressivos:

CAM00467a) Centramento: Acontecia nos primeiros 10 a 15 minutos do trabalho, dedicados à aprendizagem de técnicas de respiração e relaxamento. Uma vez familiarizados com essas técnicas, também eram aprendidas técnicas de meditação ativa (Mindfullness).

O primeiro passo é aprender a centrar a atenção na respiração seguindo a instrução: ”inspira devagar… Agora, espira… Respirar e soltar todo o ar…” O segredo é brincar com a respiração, com várias atividades. Podem ser emitidos sons como as vogais, serem usados jogos cantados, respirações profundas, acompanhando o ritmo da música e movimentos que seguem a respiração. Por exemplo: abrir os braços lateralmente inspirando, e voltar com eles à posição inicial expirando.CAM00468

Já a relaxação pode ser usada junto à visualização, o que facilita muito que os pequenos possam se desligar do seu entorno e se concentrar. Instruímos as crianças a imaginarem que são pudins, gelatinas ou um boneco de neve e realizar movimentos suaves de soltarem o corpo, e se moverem como os movimentos destes alimentos (imprimindo ao corpo um leve tremor). No caso da neve (aqui no Brasil, podemos também pensar em sorvetes ou picolés), imaginar que estão derretendo… derretendo… O importante é aprender a diferenciar no corpo a sensação de relaxado e tenso.

Há outros exemplos descritos nos textos anteriores que tratam de respiração e relaxamento, para lê-los, acesse www.olapais.com.br/ola-educadores

A meditação ativa se constitui na aprendizagem de centrar a atenção no momento, ou seja, no aqui-agora, e na atividade que está sendo realizada. Os exercícios de respiração são um primeiro movimento para isso. Também podemos utilizar técnicas mais específicas como usar o som de um sino oriental que é preciso escutar até que este desapareça. Outro exemplo é saborear uma fruta que pode ser uma uva passa, chupá-la e sentir na boca sua textura e paladar.

CAM00471b) Base: As atividades de base são o momento central do trabalho, tendo como guia os pilares da educação emocional (autoestima, autocontrole, etc…), associando o tema do dia a movimentos corporais, construindo e vivenciando os sentimentos relacionados com o tema, assim como podem ser também trabalhados os medos, a resolução de conflitos, a alegria,…

As atividades da base são sempre preparadas em função das características de cada grupo.

Nesse segundo momento, o trabalho se dá no contato com o próprio corpo e os sentimentos. A base (enraizamento ou grounding) permite um importante contato com pés e pernas que são nossa sustentação. Sentir o corpo em cada movimento, sentir o espaço que este corpo ocupa, como se move e qual a sensação ou sensações experimentada(s) no momento presente. Esta percepção se dá através de movimentos de dança e a firmeza (assertividade) dos movimentos. É uma aprendizagem para encontrar o equilíbrio entre a firmeza da postura (tônus muscular) e o relaxamento, sem deixar a firmeza se desfazer. Uma aprendizagem de ser assertivo sem tensão e sem “desmoronar”. A birra tem uma relação muito íntima com este desmoronar. Como não se consegue o que se quer, o controle, o eixo se perde (E cá pra nós, tem muito adulto fazendo “birra” por aí).

c) Autoexpressão: Os últimos 15 a 20 minutos são dedicados a estimular a expressão pessoal, buscando-se propiciar a cada criança do grupo oportunidades variadas para se expressarem, estimulando-se sempre uma expressão própria, singular.

CAM00488Nessa etapa, o material artístico de produção de cada criança é o mais importante: desenhar, colorir, pintar o que está sendo sentido, colocando cor no papel e/ou no ar através de gestos, expressar-se, ainda, através do movimento criativo. Dependendo da produção, como os círculos que acompanhavam as crianças em suas atividades no solo (como o que aparece na imagem), o trabalho poderia ter continuidade no encontro seguinte.

Muitas são as possibilidades de expressão própria e, sobre elas, falaremos no próximo texto, trazendo exemplos mais concretos de atividades, e finalizando com os resultados obtidos com as crianças e algumas falas dos pais e professoras.

Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos são do arquivo de Jaqueline Madeira e foram tiradas durante as atividades desenvolvidas.

Até a próxima!!!

Author

Lucia Helena Pena Pereira é pedagoga e doutora em Educação. Atua com palestras e oficinas para professores da Educação Infantil, compartilhando a experiência adquirida em pesquisas e em sala de aula na Educação Básica e no Ensino Superior.

Comments
  • 13-novembro-2016 at 10:32

    Lucia, paz e bem! Amiga e parceira como é bom ver você em atividade plena. Siga firme e continue a iluminar os caminhos de muitos. Parabéns! Abraços.

    • 13-novembro-2016 at 22:21

      Olá, querido amigo e parceiro! Que bom receber sua mensagem carinhosa. Obrigada por seu estímulo e apoio. Que possamos sempre utilizar nossos conhecimentos para o bem comum! Grande abraço

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